Werther de Goethe X Harry Haller de Hesse e o Bildungsroman Goethiano ao contrário
Uma análise rapidona sobre esses dois personagens no contexto do Bildungsroman e seu sentido oposto.
O termo "bildungsroman" pode ser traduzido como "romance de formação" ou "romance educativo" em alemão.
Esses romances costumam se concentrar na jornada do protagonista em busca de sua identidade, valores e lugar no mundo. O personagem principal geralmente enfrenta dilemas morais, conflitos internos e externos, e uma série de transformações ao longo da narrativa. O objetivo final é o amadurecimento e o crescimento pessoal do protagonista.
Exemplos notáveis de "bildungsromane" incluem "Grandes Esperanças" de Charles Dickens, "Em Busca do Tempo Perdido" de Marcel Proust e "Dom Quixote" de Miguel de Cervantes. Fausto e Werther de Goethe, etc. Esses romances são frequentemente estudados na literatura por sua exploração das complexidades do desenvolvimento humano e da formação da identidade.
Etimologicamente e em sentido literário, podemos dizer que o termo também significa: [...] "[Em port., “romance formativo ou romance de formação”; em ingl., coming-of-age novel ou apprenticeship novel.] Sendo possível traduzir o termo germânico por ‘romance formativo’ ou ‘romance de formação’, considera‑se mais adequado seguir o uso da história literária e manter a designação original, pois tal uso corresponde ao reconhecimento do Bildungsroman como contributo específico da literatura alemã. O termo foi cunhado em 1803 por K. Morgenstern e por ele desenvolvido como conceito amplo em textos surgidos c.1820, mostrando o carácter distinto e o valor artístico de obras como Agathon (1766‑67) de Wieland ou Wilhelm Meisters Lehrjahre [Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister] (1795‑96) de Goethe, a par da necessidade de integrar o romance alemão no contexto da produção europeia. No processo de afirmação e respeitabilização da forma romanesca, articulando ainda a vertente lúdica e de entretenimento exigidas pelo novo público leitor com a vertente moralista e didáctica tão ao gosto do Iluminismo, a inclusão no cânone literário das referidas obras revela já a passagem para um tipo de romance de cariz antropológico. Ao centrar o processo de desenvolvimento interior do protagonista no confronto com acontecimentos que lhe são exteriores, ao tematizar o conflito entre o eu e o mundo, o Bildungsroman dá voz ao individualismo, ao primado da subjectividade e da vida privada perante a consolidação da sociedade burguesa, cuja estrutura económico‑social parece implicar uma redução drástica da esfera de acção do indivíduo." [...] (FLORA, 2009).
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Werther de J. W. Goethe X Harry Haller de H. Hesse
O termo "Bildungsroman Goethiano" refere-se a um subtipo específico de "Bildungsroman" que é influenciado pelas obras do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe. Em outras palavras, é um "romance de formação" que segue a tradição e o estilo literário de Goethe.
Johann Wolfgang von Goethe é um autor proeminente do romantismo alemão e é conhecido por suas obras que exploram o desenvolvimento pessoal e a jornada do protagonista.
Um dos exemplos mais famosos desse tipo de romance é "Os Sofrimentos do Jovem Werther" ("Die Leiden des jungen Werthers"), que descreve as experiências emocionais de um jovem homem, Werther.
Outra obra notável de Goethe, que também pode ser considerada um "Bildungsroman", é "Fausto", que segue a jornada do personagem Fausto em busca do conhecimento e do significado da vida.
Portanto, um "Bildungsroman Goethiano" é um romance de formação que segue a tradição literária estabelecida por Goethe, explorando questões de desenvolvimento pessoal, autoconhecimento e crescimento, frequentemente com influências românticas. Esses romances podem ser caracterizados por uma ênfase nas emoções, na busca por significado e na evolução do protagonista ao longo da narrativa.
Então, o que seria um Bildungsroman ao contrário?
Hermann Hesse era um admirador declarado das obras de Goethe, e em "O Lobo da Estepe," ele incorpora muitos desses elementos ao seu protagonista, Harry Haller, que embarca em uma jornada de autodescoberta e confronta suas próprias contradições e dilemas existenciais.
Portanto, podemos dizer que Harry Haller é um tipo de "Bildungsroman Goethiano", "romance de formação segundo a tradição literária Goethiana ou ao modo de Goethe?", como assevera Ivo Barroso no prefácio do tradutor da 56ª edição de O Lobo da estepe?
É inegável que Hesse parece ter a intenção de seguir os mesmos passos de Goethe mas no surrealismo ou no "Realismo Fantástico" com "Bildungsroman Goethiano ao contrário" que é o Lobo da Estepe/Harry Haller.
Contudo, ao contrário do Werther de Goethe, que é um jovem romântico apaixonado do tipo platônico doentio mas que busca se construir e amadurecer ao longo da narrativa, mas fracassa; o Harry Haller de Hermann Hesse já é um homem "vivido", "construído", "destruído", "reconstruído" (e talvez até ressignificado", um cinquentão desiludido de tudo, inclusive das paixões, já que a mulher o abandonou (mas que ele diz que ficou louca), e que apesar de flertar com o suicídio, com a loucura, a bebida, o cigarro em excesso e as drogas, apesar de querer passar a imagem de um "outsider", um personagem que se desconstrói, e se autodenonima "O Lobo da Estepe", ele busca se encaixar em círculos menores e, sobretudo, ele busca uma certa "ressignificação da ressignificação da vida" e não a auto-destruição, a morte.
Muito embora, ainda, é preciso dizer, na real, ninguém saiba de fato que fim levou o Harry Haller, deixando a coisa toda meio que em suspense.
Já o jovem Werther de Goethe é um jovem que, apesar de não ser desinformado, mas letrado, culto e cheio de querer, louco por viver, buscar a vida e as experiências da vida, mas acaba por se suicidar por não ter um amor correspondido.
Inclusive isso virou motivo para uma epidemia de suicídio na Europa na época e inspirou o filme: A Sociedade dos Poetas Mortos, com Robin Williams (que se suicidou aos 63 anos, enforcado, após meses de paranoia causada por, dizem, uma doença pouco conhecida chamada: demência com corpos de Lewy, uma doença que ele nunca soube que sofria).
Nesse sentido, o Haller de Hesse é, de fato, ao meu ver, um "Bildungsroman ao contrário", porque não se trata um "romance de formação" que segue à risca a tradição Goethiana, mas ao contrário, se revolta contra ela e faz seu personagem principal buscar a "ressignificação da ressignificação" ao invés da morte trágica romântica suicida, ainda que a contra gosto, parece, do autor que, em muitos momentos, dá pinta de que gostaria de dar um fim trágico ao Haller, digno de um grande romance Goethiano.
Contudo, ao meu ver, Hasse não tem a menor intenção de manter sequer uma estética de "Bildungsroman" nem no sentido tradicional, Goethiano, muito menos inovar ou superar a tradição Goethiana, ele quer ir muito além e ignora toda e qualquer forma de "Bildungsroman", escancarando assim, também uma certa contrariedade e rebeldia estilística contra a literatura Alemã de sua época, postura essa, que lhe rendeu um Prêmio Nobel de Literatura. Fica a dica/nota de memória: jamais seguir qualquer regra, estética, academicismo, normas, padrões, convenções e outras coisas do tipo se quiser ir além e chegar a algum lugar na escrita, bem como em tudo na vida, penso.
Resumindo
Então, resumindo, temos duas visões antagônicas, à partir da literatura, sobre a vida e a busca de um sentido para a vida.
Uma, em Werther, a destruição e a morte após a perda de sentido da vida em face de uma paixão não correspondida e o insuportável fracasso existencial no galanteio de uma Mulher.
E de outro lado, em Haller, apesar da perda do sentido da vida, em parte também pelo fracasso existencial em face do abandono de uma Mulher (seja por loucura ou qualquer outra coisa), e todas as desilusões possíveis, o flerte diário com a morte através do suicídio e de uma vida desregrada (um suicídio lento cometido por todos de certa forma), há, ainda assim, (numa visão mais otimista) a busca por uma "ressignificação da ressignificação" da vida ou, (numa visão mais "realista", mas que todos chamam de pessimista), nem busca por autodestruição, nem busca por ressignificação mas apenas uma forma encontrada para viver "a porra da vida que se esvai rapidamente após os 40/50 anos", e que deve, à partir daí - - - após a constatação que quase tudo, em maior e menor grau, "busca por sentido, ressignificação, destruição, autodestruição, ou mesmo ressignificação da ressignificação da vida", que tudo é baléla, papo mole para evitar encarar a realidade dura, fria, lógica e simples - - - apenas viver a vida.
A vida deve apenas ser vivida, sem frescuras, no mais puro, inconsequente e insano "tanto faz", sem esperar absolutamente nada de ninguém, nem de bom, nem de ruim. Apenas viver a vida e o que resta dela, da melhor maneira possível, de preferência, de maneira essencialmente hedonista, ou ao menos com algum prazer. A vida é isso: nascer, viver (incluindo se ferrar um monte e ter poucos momentos de paz, prazer e alegria), morrer (às vezes da pior maneira possível ou solitário) e nada mais. Diante dessa constatação, de que "a vida é apenas isso e não aquilo", sobretudo, de que diante a imensidão cósmica a vida humana "não é grande bosta", só resta viver no mais astuto, melindroso, irônico e galhofeiro "tanto faz". É isso, que ao meu ver, contrariando as opiniões "majoritárias", Haller faz no final, quando some do mapa.
Visão alternativa
Em minha obra, Andarilhos Errantes, o personagem principal, Rúlio, age dessa maneira, num grande "tanto faz", ou seja, nem otimista (como é a visão predominante sobre Haller), nem pessimista fatalista (como é a visão predominante sobre Werther) e, bem no fundo, nem realista (como é a visão secundária sobre Haller), mas suprarealista (realista ao extremo, à enésima potência), ao ponto dele dizer:
[...] "...assim como os Dinossauros, a humanidade um dia desaparecerá do Universo. Não restará um só humano para contar a história do outro. Ou seja, tudo o que fazemos, por mais grandioso, mau, belo ou tragicômico que seja, a história que os livros guardam, não tem e nunca terá nenhum sentido, nenhuma importância diante da imensidão do Cosmos, que também vai pelos ares. Com efeito, segundo a ciência, seja pelo Big Rip, Big Freeze, Big Crunch ou pelo Big Bounce (por alguma merda cósmica) tudo está, inevitavelmente, fadado ao fim absoluto. Quer dizer, não apenas a Terra e a humanidade irão para o beleléu, mas o próprio Universo um dia colapsará sobre si mesmo e tudo deixará de existir. Ou seja, assim, tudo o que fazemos, falamos, sonhamos, idealizamos, vivemos aqui nesse hospício chamado Terra, política, religião, ciência, filosofia, arte, cultura e até a melhor caipirinha de todas, é irrelevante na grande ordem das coisas. Tudo o que é humano não passa de mera distração, uma pilhéria cósmica. Tudo virará pó, poeira cósmica, piadas que um dia perderão a graça! Diante dessa assombrosa e simples realidade, só nos resta desligar a tomada ou, como disse antes, seguir cagando e andando, sem esperar mais nada desse mundo e das pessoas desse mundo e, claro, nos distrair, cada um da melhor forma que lhe convém, enquanto o fim inevitável não chega, na maior habilidade de todas, a de não ligar mais para nada, num grande 'tanto faz!'. Mas não um simples tanto faz como o tanto faz dos melancólicos chorões da existência que só lamentam, xingam e praguejam A Vida. A melancolia crônica é a condição sui generis de todo o verdadeiro niilista. Os espíritos livres e realistas não sofrem de melancolia crônica. Por isso, o tanto faz dos verdadeiros espíritos livres e realistas é o tanto faz de todos os tantos faz pois é ligeiramente irônico, satírico, jocoso, galhofeiro, portanto, verdadeiramente alegre. Quase uma alegria insana, mas verdadeira, porque, uma vez que não se não espera mais nada, a partir daí em diante, tudo de positivo que vier, é lucro. Quando não ligamos mais para nada e não esperamos nada é aí que as coisas começam a ficar verdadeiramente interessantes, entendestes?" [...] (ANDARILHOS ERRANTES).
Texto de Emerson Rodrigues
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Referências:
Flora, Luísa. Bildungsroman. In: E-Dicionário de Termos Literários de Carlos Ceia. Disponível em: <https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/bildungsroman>. Acesso em: 15 out. 2023.
Rodrigues, Emerson. Andarilhos Errantes. São Paulo: Editora Uiclap, 2022. Disponível em: <https://uiclap.bio/ekan_autor>. Acesso em: 15 out. 2023.
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Citar todo e qualquer texto deste blog, conforme escrito abaixo:
RODRIGUES, Emerson. Filosofia, História, Literatura, Reflexões. Blog Espírito Filosofante. Disponível em: <https://ekanxiiilc.blogspot.com/>. Ano: 2023.
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