Pecado, Ponte e Privilegiado: Uma Leitura do Zoroastrismo e da Teologia Agostiniana com Recorte de Classe

 


Resumo


Este texto faz um paralelo afiado e debochado entre o sistema teológico do Zoroastrismo e a teologia cristã desenvolvida por Santo Agostinho, observando como ambos os paradigmas lidam com a moral, o juízo final e, sobretudo, a condição socioeconômica do fiel. Demonstra-se que, apesar das diferenças culturais e temporais, em ambas as doutrinas a salvação é mais acessível a quem tem grana, prestígio e tempo de morrer arrependido com liturgia e testemunhas. A análise segue numa pegada crítica, porém embasada, sem perder o fio da meada do bom humor e da linguagem popular, afinal, teologia também pode ser falada no bar.


Introdução


A religião, desde sempre, adora um bom enredo com mocinhos e vilões. Céu e inferno, alma boa e alma suja, o paraíso florido versus o abismo fedido. Mas o que pouca gente assume é que, em muitos desses sistemas, o critério do “bem” é tão subjetivo e classista quanto reunião de condomínio em bairro nobre.


Zoroastrismo: A Ponte do Juízo e o B.O. dos Pobres


No Zoroastrismo, religião persa criada por Zaratustra (ou Zoroastro pros íntimos), a vida é uma guerra entre Ahura Mazda (o do bem) e Angra Mainyu (o do capeta). Cada ação humana contava: você ajudou uma velhinha a atravessar a rua? +1 ponto pro céu. Você chutou o cachorro por raiva? -1 ponto, e a ponte da separação já vai ficando estreita pra você.


No fim, o defunto atravessa a Ponte Chinvat, que vira uma passarela pro paraíso ou um escorregador pro inferno, dependendo do peso dos seus pecados. Só que, claro, tinha brecha: os ricos conseguiam passar pano nos pecados via oferendas e puxações de saco aos sacerdotes. Já o pobre, que por fome ou desespero cometeu algum delito, podia rodar bonito. Ou seja: o critério de “pureza” era um filtro que favorecia quem já vivia limpinho — social e financeiramente.


Agostinho: O Constantino de Batina da Moral Ocidental


Séculos depois, chega Santo Agostinho, ex-bon vivant da elite romana, que se converteu, escreveu A Cidade de Deus, e fundou o que viria a ser o modo cristão de tratar a culpa: todo mundo nasce sujo (pecado original), mas dá pra ser salvo se você tiver fé e — veja bem — se arrepender direitinho no final da vida.


Pecou a vida toda, fez falcatrua, mentiu, matou? Tá tranquilo, só dizer “foi mal, Jesus” antes de bater as botas que tá valendo. Principalmente se isso for dito dentro de uma missa com padre, hóstia e testemunha. O pobre, no entanto, que passou a vida tentando sobreviver e morreu sem tempo de se confessar formalmente, pode ir pro brejo.


Ou seja, como no Zoroastrismo, a porta do céu tá sempre mais aberta pra quem tem os meios e os modos certos.


Salvação como Privilégio Estruturado


A lógica de ambas as religiões mostra que, no fundo, o julgamento espiritual muitas vezes reflete as estruturas de classe da sociedade terrena. Em vez de neutralidade divina, o que temos é uma escada rolante pro paraíso onde quem é rico sobe mais rápido — ou nem precisa subir, já nasceu lá.


A ideia de arrependimento como chave mágica (tanto na religião persa quanto na tradição cristã) cria uma teologia onde o pecado é perdoável com recurso e timing, mas imperdoável quando nasce da pobreza e da urgência de viver. A ética do sacrifício vira marketing espiritual para a elite.


Conclusão


No fim, podemos dizer que, tanto no zoroastrismo quanto na teologia agostiniana, o céu sempre foi mais próximo de quem tem anjo da guarda com sobrenome e conta bancária. O pobre, esse sim, vivia num vestibular teológico onde a nota de corte era impossível. E mesmo que passasse, podia ser barrado na portaria por falta de liturgia correta.

A salvação, portanto, nunca foi só espiritual. Sempre teve dedo do classismo no meio.

 Quem pode, peca e reza. Quem não pode, reza pra não pecar.




___E. E-Kan 


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Referências


    BOYCE, Mary. Zoroastrians: Their Religious Beliefs and Practices. Routledge, 2001.


    AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. (Traduções diversas, edições brasileiras disponíveis)


    CROCE, Benedetto. História da Europa no Século XIX.


    SOUTHGATE, Christopher. The Groaning of Creation: God, Evolution, and the Problem of Evil. Westminster John Knox Press, 2008.


    ALVES, Rubem. Religião e Repressão. São Paulo: Edições Loyola.



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