Cansaço geral: a humanidade à beira do colapso mental


O cansaço mental pós-pandemia de Covid-19: entre a neurobiologia da fadiga e o esgotamento psicossocial global.

A pandemia de Covid-19 não deixou apenas marcas nos pulmões ou nas estatísticas. Deixou também uma sensação de esgotamento difuso, uma fadiga que parece ter se infiltrado no corpo e na mente de milhões de pessoas. Esse fenômeno, conhecido em termos clínicos como fadiga pós-Covid e, em termos sociais, como pandemic fatigue, tem sido amplamente estudado por pesquisadores de várias áreas, que buscam compreender suas causas, manifestações e possibilidades de tratamento. Apesar das abordagens diferentes, há um consenso: o cansaço mental pós-pandemia é real, mensurável e complexo.

Pesquisas recentes mostram que uma parcela significativa das pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 apresenta fadiga persistente e dificuldades cognitivas semanas ou meses após a infecção. Essa condição foi identificada como parte da chamada síndrome pós-Covid ou long Covid (CEBAN et al., 2022). Em uma meta-análise que reuniu dezenas de estudos internacionais, os autores identificaram que cerca de 30% dos pacientes relataram fadiga prolongada, muitas vezes associada à perda de memória, lentidão mental e dificuldade de concentração. Os mecanismos fisiológicos ainda estão em debate, mas há evidências de que processos inflamatórios e alterações neuroquímicas desempenham papel importante (JOLI et al., 2022).

O componente neurológico da fadiga pós-Covid é particularmente relevante. Estudos mostram alterações nas funções executivas, atenção e velocidade de processamento em indivíduos que se recuperaram da infecção (PANAGEA et al., 2024). Essa “névoa mental”, ou brain fog, parece estar ligada tanto a respostas imunes persistentes quanto ao impacto psicológico do trauma coletivo vivido durante a pandemia. Em muitos casos, o quadro se mistura com sintomas depressivos e ansiosos, o que torna o diagnóstico e o tratamento ainda mais desafiadores.

Além da dimensão médica, há uma dimensão social e psicológica da fadiga que não depende necessariamente de infecção pelo vírus. A Organização Mundial da Saúde cunhou o termo pandemic fatigue para designar o estado de exaustão emocional e motivacional da população diante de longos períodos de incerteza, restrições e medo (WHO, 2020). Essa fadiga coletiva não é mera “preguiça social”, mas um fenômeno reconhecido pela saúde pública. Estudos internacionais validaram instrumentos de mensuração específicos, como a Pandemic Fatigue Scale, que relaciona o esgotamento emocional à queda na adesão a medidas sanitárias e ao aumento de sintomas de ansiedade e desesperança (LILLEHOLT et al., 2023).

O impacto psicológico da pandemia ultrapassou os limites da infecção. Mesmo indivíduos que nunca tiveram Covid-19 passaram a relatar níveis elevados de cansaço mental, irritabilidade, apatia e perda de foco. Pesquisas de saúde mental mostraram que o isolamento prolongado, o excesso de informação e o medo constante de contágio geraram uma sobrecarga cognitiva e emocional sem precedentes (KRAKOWCZYK et al., 2022). Em outras palavras, o cansaço mental pós-pandemia é resultado tanto da biologia quanto da sociologia do sofrimento contemporâneo.

No campo das intervenções, há tentativas de mitigar os sintomas persistentes da fadiga pós-Covid. Revisões sistemáticas recentes apontam que terapias cognitivo-comportamentais (TCC) e programas de reabilitação integrando exercício físico e suporte psicológico apresentam resultados promissores, embora modestos (ZERAATKAR et al., 2024). Ainda não há medicamento com eficácia comprovada, e as terapias devem ser personalizadas, considerando o perfil clínico e emocional de cada paciente. O foco atual da literatura é compreender como mecanismos neuroinflamatórios se conectam a fatores psíquicos e sociais — uma abordagem que rompe as barreiras tradicionais entre medicina, psicologia e psiquiatria.

Há, portanto, dois planos interligados de cansaço mental após a pandemia. O primeiro é orgânico, ligado à ação do vírus e às sequelas neurológicas e imunológicas. O segundo é psicossocial, relacionado à exaustão coletiva, à sobrecarga de informações e ao medo prolongado. Ambos se alimentam mutuamente: o medo causa fadiga, a fadiga amplia o medo, e o círculo se retroalimenta. Esse entrelaçamento é o que torna o fenômeno tão amplo e resistente a soluções simples.

O desafio que se coloca à ciência e às políticas públicas é duplo. Por um lado, é necessário desenvolver protocolos clínicos eficazes para lidar com as sequelas neuropsicológicas da infecção. Por outro, é preciso reconstruir o tecido emocional e social das populações exaustas. O combate ao cansaço mental pós-pandemia requer tanto remédios e terapias quanto empatia, solidariedade e reorganização do trabalho e da vida cotidiana. A pandemia revelou não só a fragilidade biológica da humanidade, mas também sua vulnerabilidade psíquica diante do medo e da incerteza.

O cansaço mental que persiste é, portanto, mais do que um sintoma médico: é o eco prolongado de uma experiência global de esgotamento. Entre o vírus e a solidão, entre a inflamação e a ansiedade, o ser humano saiu da pandemia menos infectado, mas mais cansado. E talvez o maior desafio do pós-Covid não seja apenas curar corpos, mas reensinar o mundo a descansar.

RAIVA CRESCENTE E DISTRAÇÃO ABSURDA

Durante e após a pandemia, estudos em psicologia e neurociência mostraram que o cansaço mental crônico — resultado da sobrecarga emocional, da ansiedade prolongada e da incerteza — altera o funcionamento do cérebro, especialmente em áreas ligadas ao autocontrole e à regulação emocional. Pesquisas com neuroimagem mostraram que situações de estresse constante reduzem a atividade do córtex pré-frontal, região responsável por inibir reações impulsivas, e aumentam a reatividade da amígdala, que é o “centro de alarme” emocional do cérebro. O resultado: pessoas mais cansadas, ansiosas e sobrecarregadas ficam mais propensas à raiva, à agressividade e à perda momentânea de controle (PANAGEA et al., 2024; CEBAN et al., 2022).

Em termos sociais, o fenômeno da pandemic fatigue não se resume a desmotivação — ele vem acompanhado de irritabilidade difusa e intolerância, sintomas clássicos do esgotamento emocional coletivo (WHO, 2020; LILLEHOLT et al., 2023). A longo prazo, viver sob medo, isolamento e tensão cria uma espécie de hipervigilância constante, em que o cérebro está sempre em estado de alerta. Quando esse estado se torna crônico, pequenas frustrações — como uma fila longa, um trânsito travado ou uma divergência banal — podem acionar reações desproporcionais.

Além da raiva, há também o problema da distração e da lentidão cognitiva. Diversos estudos sobre o chamado brain fog pós-Covid mostram que a infecção pode causar lapsos de atenção, perda de memória recente e tempo de reação mais lento, até em pessoas jovens e sem histórico neurológico (JOLI et al., 2022; POOL-WRIGHT et al., 2023). Mesmo entre os que não foram infectados, a sobrecarga digital e a ansiedade coletiva da pandemia geraram uma fadiga cognitiva difusa, com redução da capacidade de foco e planejamento — o que explica, em parte, o aumento de acidentes triviais no trânsito e no trabalho.

A neurociência chama isso de efeito cumulativo de estresse: o organismo cansado e mentalmente saturado passa a reagir de forma mais automática e menos racional. Quando o cérebro está esgotado, o “freio moral e cognitivo” enfraquece, e o comportamento se torna mais reativo e impulsivo. O mesmo mecanismo explica por que muitas pessoas hoje têm explosões emocionais repentinas, ataques de fúria em lugares públicos ou atitudes agressivas nas redes sociais — sinais de uma sociedade psicologicamente exaurida.

Com efeito, o aumento de raiva, impaciência e distração no pós-pandemia tem base neuropsicológica e social. Estamos lidando com uma população global em estado de fadiga emocional e cognitiva, resultado de dois anos efetivos de pandemia e outros dois de um recomeço turbulento, com excesso de informação e, em muitos casos, (re) infecção viral com sequelas neurológicas. O ser humano pode ter se recuperado, mas o cérebro ainda está processando o trauma e o corpo, em muitos casos ainda está sendo infectado pela COVID, H1N1 e suas variantes, e uma série de vírus oriundos da COVID que circulam por aí e que impactam a neurofisiologia em geral. E quando o cérebro se esgota, o mundo inteiro parece mais irritante — e mais perigoso. Neguem o quanto quiserem os fanáticos e extremistas negacionistas, com base no que podemos estudar aqui, claramente, podemos afirmar categoricamente que a humanidade está à beira de um surto coletivo de raiva e violência pós-COVID. A questão é: quando isso ocorrerá? Ou já está ocorrendo? Quando será o pico do surto e da violência?

Além disso, o grande problema e talvez o maior de todos, é que que a maioria das pessoas sabe que está nessa situação de colapso mental, moral e espiritual iminente, mas finge que está tudo bem.

Esse fingimento é o combustível que turbina todo descontrole nervoso, que acelera o processo de desumanização em massa, o colapso individual e coletivo, e por fim, a ruptura civilizatória o suicídio global. 

"Nem sempre as aparências indicam a realidade. Por vezes, o nosso lado sombrio se esconde numa falsa imagem de tranquilidade. Mas, tudo um dia vem à tona. E nunca é tarde demais". (André Luiz)

"Há sempre tempo para tudo. Mas, o tempo não para, o tempo urge". (K4n)



___E. E-Kan 


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Referências


CEBAN, F.; LING, S.; LUI, L. M. W.; et al. Fatigue and cognitive impairment in Post-COVID-19 Syndrome: A systematic review and meta-analysis. Brain, Behavior, and Immunity, v.101, p.93–135, 2022.

JOLI, J.; et al. Post-COVID-19 fatigue: A systematic review. Frontiers in Psychiatry, 2022.

PANAGEA, E.; et al. Neurocognitive Impairment in Long COVID: A Systematic Review. Frontiers in Psychiatry, 2024.

ZERAATKAR, D.; et al. Interventions for the management of long covid (post-covid condition): living systematic review. The BMJ, 2024.

POOL-WRIGHT, K.; et al. Fatigue outcomes following COVID-19: a systematic review. Brain, Behavior, and Immunity, 2023.

LILLEHOLT, L.; et al. Development and validation of the Pandemic Fatigue Scale. Nature Communications, 2023.

KRAKOWCZYK, J. B.; et al. Pandemic fatigue, psychopathological risk factors, and health behavior. Journal of Health Psychology, 2022.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Pandemic fatigue – reinvigorating the public to prevent COVID-19. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe, 2020.

CEBAN, F.; LING, S.; LUI, L. M. W.; et al. Fatigue and cognitive impairment in Post-COVID-19 Syndrome: A systematic review and meta-analysis. Brain, Behavior, and Immunity, v.101, p.93–135, 2022.

JOLI, J.; et al. Post-COVID-19 fatigue: A systematic review. Frontiers in Psychiatry, 2022.

POOL-WRIGHT, K.; et al. Fatigue outcomes following COVID-19: a systematic review. Brain, Behavior, and Immunity, 2023.

PANAGEA, E.; et al. Neurocognitive Impairment in Long COVID: A Systematic Review. Frontiers in Psychiatry, 2024.

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