Decreto nº 12.686/2025 e a 'inclusão de fachada'
Da inclusão à confusão: o decreto que dispensa laudo e institucionaliza a maquiagem pedagógica.
Quem realmente necessita de cuidado especializado, poderá ser severamente prejudicado com o decreto irresponsável.
O novo Decreto nº 12.686/2025, que institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva, foi lançado com um discurso pomposo: garantir que todos os alunos com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) ou altas habilidades estudem nas escolas comuns, com igualdade e dignidade. No papel, soa bonito. Na prática, o texto abre brechas que podem transformar a inclusão em uma encenação burocrática — uma inclusão de fachada, onde o que vale é parecer inclusivo, não necessariamente ser.
O artigo 11 do decreto é o ponto mais polêmico. Nele está escrito:
“§ 7º A garantia da oferta do AEE ao estudante não será condicionada à exigência de diagnóstico, laudo, relatório ou qualquer outro documento emitido por profissional de saúde.” (BRASIL, Decreto nº 12.686/2025, Art. 11, §7º)
À primeira vista, isso parece libertador. Afinal, muitos estudantes brasileiros, especialmente em regiões pobres, não têm acesso fácil a psicólogos, psiquiatras ou neuropediatras que possam emitir um laudo. Exigir diagnóstico poderia excluir justamente os mais vulneráveis. Só que o remédio aplicado foi mais forte que a doença: o governo, em vez de criar políticas de acesso ao diagnóstico, simplesmente aboliu a necessidade de laudo.
Com isso, qualquer escola, professor, gestor ou até mesmo responsável pode declarar que um aluno “tem deficiência” ou “está no espectro autista” — sem que isso precise passar por um profissional de saúde ou equipe multidisciplinar. A intenção era evitar burocracia; o resultado é o vale-tudo da inclusão. Logo, vai aumentar o número de 'pessoas supostamente especiais', sendo beneficiadas pelo sistema que já não dá conta da atual demanda.
Essa brecha abre um problema sério: o decreto permite autodeclaração sem comprovação técnica. Isso pode ser explorado de várias formas. Escolas podem inflar o número de alunos “com deficiência” para receber recursos extras destinados à educação inclusiva. Secretarias podem maquiar estatísticas para mostrar resultados “progressistas”. E instituições privadas podem se promover como “campeãs da inclusão” usando alunos rotulados sem critério técnico. Em resumo, a falta de exigência de laudo abre a porta para picaretas de toda natureza.
O problema não é só moral; é estrutural. O decreto afirma que a educação especial é uma “modalidade transversal” que deve ocorrer “preferencialmente em classes comuns”, e que o Atendimento Educacional Especializado (AEE) é complementar ou suplementar à matrícula regular. Em tese, o AEE é o espaço de apoio técnico e pedagógico para cada aluno com deficiência — aquele atendimento individualizado, com recursos e profissionais especializados. Mas, se o acesso ao AEE não depende de diagnóstico, qualquer um pode solicitar o atendimento. O risco é sobrecarregar o sistema e tirar espaço de quem realmente precisa.
É o típico caso de política pública que confunde igualdade com generalização. Ao querer garantir inclusão total, o decreto desorganiza o critério técnico. O efeito prático é perverso: alunos com deficiências reais acabam perdendo prioridade, enquanto outros, mal avaliados ou indevidamente enquadrados, ocupam vagas e recursos que deveriam ser específicos. Como resultado, a escola comum se torna um ambiente “inclusivo” apenas no papel — na realidade, vira um depósito humano, onde todos estão juntos, mas poucos aprendem de verdade.
Além disso, o decreto praticamente enfraquece o papel das instituições especializadas, como APAEs e Pestalozzis. Essas entidades, que antes ofereciam apoio técnico e pedagógico com estrutura adequada, passam a ter papel secundário. Logo, verão o número de alunos diminuírem, perderão recursos, e logo entrarão em colapso e fecharão as portas a médio e longo prazo. O Estado delega à escola pública comum a missão de incluir, mas sem garantir formação, estrutura ou profissionais de apoio suficientes.
Em síntese, o Decreto nº 12.686/2025, da forma como foi redigido, com claros intuitos políticos e econômicos, não é um avanço, e sim uma armadilha disfarçada de progresso. Ele cria uma inclusão compulsória, forçada, politiqueira, sem garantir as condições reais de inclusão. Ao dispensar laudo médico, ele desmonta o filtro técnico que diferencia necessidade real de oportunismo burocrático. É uma tentativa de “desmedicalizar” o processo que acabou desprofissionalizando a avaliação.
No fim das contas, o que se vê é a institucionalização de uma inclusão de fachada — um modelo que pretende acolher a todos, mas corre o risco de abandonar justamente quem mais precisa de cuidado especializado. E o slogan implícito, infelizmente, parece ser: “joga todo mundo na mesma sala de aula, da já sucateada escola pública (e da universidade pública), e que se lasque o mundo. O que importa é fazer média para obter votos na próxima eleição”.
Isso, com certeza, vai dar ruim.
___E. E-Kan
Referências
BRASIL. Decreto nº 12.686, de 20 de outubro de 2025. Institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva. Diário Oficial da União: Brasília, 21 out. 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/decreto/D12686.htm. Acesso em: 24 out. 2025.
AGÊNCIA BRASIL. Decreto institui nova Política Nacional de Educação Especial Inclusiva. 21 out. 2025. Disponível em: https://correio.rac.com.br/agenciabrasil/decreto-institui-nova-politica-nacional-de-educac-o-especial-inclusiva-1.1724261. Acesso em: 24 out. 2025.
INSTITUTO CONHECER BRASIL. Decreto institui nova Política Nacional de Educação Especial Inclusiva. 23 out. 2025. Disponível em: https://institutoconhecerbrasil.org.br/decreto-institui-nova-politica-nacional-de-educacao-especial-inclusiva/. Acesso em: 24 out. 2025.






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