Midas, o ferrado



Midas, dito rei da Frígia. Um tolo que, como muitos outros tolos, achava que nadar em um mar de riquezas resolveria todos os seus problemas. Detalhe: Midas era rei, ou seja, ele já era podre de rico. 


Então, podemos dizer que Midas encarna o tipo viciado em dinheiro/riqueza e poder e que sempre quer mais. Nunca está satisfeito com o que tem. Também tem o fato de que há muitos nesse mundo que acreditam na riqueza como 'a maior forma de realização', sobretudo, acreditam no acúmulo de riquezas e, como Midas, que a riqueza obscena, absoluta, resolverá todos os seus problemas, ‘sem sombra de dúvida’. Não que a riqueza não resolva grande parte dos problemas, mas todos os problemas? Parece impossível, muito embora as pessoas corriqueiramente digam algo como: “com dinheiro, tudo é possível”.


Com efeito, reza a lenda mitológica que um dia, ‘por acaso’, Midas ‘ajudou’ Sileno, ‘Pai de criação’ e ‘Consiglieri’ do Deus Dionísio. Claro, alguns dizem que Midas caçava Sileno já de olho num pedido ao Deus Dionísio (Dionísio para os Gregos, Baco e até Liber para os Romanos).


Sileno, dizem, era um velho gordo, careca e bêbado que parecia um Sátiro, mas não era qualquer velho-gordo-careca-bêbado que parecia um Sátiro. Embora ele bebesse muito mais que Bukowski, Raul Seixas, Hemingway, Fernando Pessoa e Paulo Leminsk juntos (para um comparativo escrachado), era considerado um sábio pelos Deuses, sobretudo, por Dionísio, ‘sua cria’.


Naqueles dias, reza a lenda geral que Sileno andava meio bebão e perdidão e Midas lhe deu uma mãozinha, cuidou dele, fez até uma festa de dez dias para ele e, passada a ressaca, o ‘devolveu’ a Dionísio.


Assim, animado em ver o ‘Bode Velho’ são e salvo, o Deus deu a Midas o direito de fazer um pedido. Claro, observem que Dionísio sequer quis instruir Midas para que tivesse sabedoria no pedido, que todo tipo de pedido a uma força ‘sobre-humana’ geralmente tem consequências catastróficas. É o ‘foda-se’ típico de Deuses e outros que tais.


E o que Midas pediu? Um ‘toque de ouro’, que tudo o que tocasse virasse ouro. Afinal, quem precisa de água, comida, um mínimo de afetividade ou felicidade verdadeira (embora isso soe e seja uma puta quimera falaciosa), quando se pode transformar tudo em ouro, não é?


De cara, Midas achou que estava abafando, mas logo o ‘gênio’ sequer conseguia comer, beber, e ainda transformou a filha em estátua de ouro. Desesperado, foi chorar as pitangas para Dionísio, que, ironicamente, disse-lhe para (tomar no cu, brinks), um banho no rio Pactolo. Midas arrastou sua carcaça para o rio e se banhou.


Problema resolvido! Claro, as areias do rio (e só as areias, o que soa bem contraditório) acabaram virando ouro. Contudo, porém, Midas, agora livre da bênção-maldição, se tornou ‘simprão’, e mais humilde (ou apenas traumatizado). Ele largou a ideia de ser o Tio Patinhas da Grécia e foi viver na simplicidade entre os camponeses. É o que dizem.


Contudo, um tempo depois, como idiota que era, e se não bastasse todas as merdas que lhe acontecera, ele ‘saiu de sua vida retirada’, resolveu abrir a boca e meteu o bedelho numa disputa musical entre o Deus Apolo e a Deusa Pã. Não se sabe o porquê, Midas resolveu puxar o saco de Pã e Apolo (sempre muito vaidoso) ficou ‘putaço’, acabando por lhe dar orelhas de burro. Ou seja, ouro nas mãos e burro na cabeça!


Há quem diga que, dentro do contexto mitológico, Midas até tentou esconder as orelhas de burro com um tipo de gorro ou turbante, mas foi dedurado pelo ‘cabelereiro’ e até pela própria esposa (as pessoas não conseguem guardar segredos, portanto, há coisas que é melhor não falar para absolutamente ninguém).


Com o tempo, uns dizem que Midas, todo ferrado e zuado, não aguentou a humilhação, o ‘bullying’ de viver com orelhas de burro e acabou por cometer suicídio. Também, há quem afirme que Midas não se matou e seguiu seus dias aturando a sacanagem divina e as piadinhas dos mortais com ‘resiliência’, morrendo de velhice, embrenhado em algum canto.


O mais louco de tudo é que ‘a sina de Midas’ não acaba com Midas. Enquanto ‘rei da Frígia’, Midas teve um filho psicopata chamado Litierses (também dito Litosseres), ‘o ceifeiro’. ‘Liti’, vamos chama-lo assim, era um sujeito que gostava de matar gente. Sua especialidade e maior diversão era a decapitação usando uma ceifa de trigo. Liti desafiava a geral para ver quem ceifava mais trigo em menos tempo. Claro, Liti sempre ganhava e depois cortava a cabeça dos derrotados. Um belo dia, Liti resolveu desafiar nada mais, nada menos que Hércules, ‘o super-herói grego’ e acabou decapitado. Em resumo, a ‘famiglia’ Midas foi exterminada pela própria ganância e crueldade, com uma mãozinha dos Deuses e dos Super-heróis gregos que sempre pareceram os “The Boys”, cheios de ‘maldades’, mas com muito marketing.


Também, fica o aprendizado: “não queira tirar Deuses e outros que tais ‘para louco’ que dá ruim”, pelo menos, é o que diz a mitologia, as crenças e historinhas do tipo que mostram que Deuses e outros que tais se ofendem fácil e são terríveis em suas vinganças/represálias/punições/sacanagens.  Ainda, vale destacar que o mito de Midas, baseia-se em um rei de mesmo nome da Frígia.


Só mais uma reflexão sobre a história de Midas, segundo Nietzsche:


[...] “Reza a antiga lenda que o rei Midas perseguiu na floresta, durante longo tempo, sem conseguir capturá-lo, o sábio Sileno, o companheiro de Dionísio. Quando, por fim, ele veio a cair em suas mãos, perguntou-lhe o rei qual dentre as coisas era a melhor e a mais preferível para o homem. Obstinado e imóvel, o demônio calava-se; até que, forçado pelo rei, prorrompeu finalmente, por entre um riso amarelo, nestas palavras: — Estirpe miserável e efêmera, filhos do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer.” [...]  (Nietzsche, O Nascimento da Tragédia, 1872).


Em tempo, Olvídio, em Metamorfoses, traz essa versão da festança que Midas fez para Sileno:


[...] “De Mida Omnia in Aurum Convertente (XI, 85-145)


Depois de punir as bacantes trácias, que haviam assassinado Orfeu, Baco dirige-se à Lídia com seu cortejo, mas seu mestre, Sileno, extravia-se. É encontrado e capturado por pastores frígios, que o levam ao rei Midas. Iniciado nos mistérios bacanais, Midas reconhece o sátiro, ordenando que se preparem festas em sua honra, as quais duram dez dias. Após esse período, o rei conduz Sileno de volta a seu discípulo, que o recebe com gratidão e oferece ao benfeitor um presente, segundo o desejo de seu coração. Midas pede o poder de transformar tudo o que toca em ouro. Consternado, o deus concede o que prometera; e Midas se contenta bastante com o presente, transformando árvores, frutas e até água em ouro. Contudo, quando chega a hora de comer, descobre que tanto os grãos de Ceres como os licores de Baco transformam-se em ouro ao tocar seus lábios. Tomado pela sede e fome, implora perdão ao deus, e que remova o dom – ao que Baco o liberta, bastando que se lave no rio Pactolo. Ao fazê-lo, Midas deixa no rio a virtude do ouro, e por isso o Pactolo possui areias douradas.” [...]


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E. E-Kan


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Referências:


 


BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: Histórias de deuses e heróis. Tradução David Jardim Júnior: 1ª edição - Rio de Janeiro, Harper Collins, 2018.




NIETZSCHE, Friedrich; Tradução, notas e posfácio de J. Guinsburg (1992). O Nascimento e a Tragédia ou Helenismo e Pessimismo 2.ª ed., 3.ª reimp. ed. São Paulo: Companhia das Letras.





OVÍDIO, Públio Nasso (43 A.C  -  17 D.C). Metamorfoses. [livro eletrônico] / tradução de Manuel Bocage, comentários de Rafael Falcón, edição de Renan Santos. – Porto Alegre, RS: Concreta, 2016. 


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Imagem de Midas se ferrando ao tentar (dar um fincão, brinks) abraçar a filha...













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