LUTANDO COMO UM LEÃO PRA NÃO MORRER COMO UM VEADO

 


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Certa vez, numa dessas madrugadas, passei a vista numa série que estava passando na TV e um dos personagens dizia que a vida, para ele, se resumia a: comer, beber, foder, ter Poder, dinheiro e mais. E, certamente, na vida real, muitos dos bilhões de animais pensantes desse Mundo, vivem dessa maneira, tentando preencher o saco sem fundo do vazio da alma, a fome de mais e mais que nunca se sacia. Mas, será que a vida é mesmo só isso? Ter coisas, comer, beber, foder, ter Poder, dinheiro e buscar cada vez mais e mais, num labirinto de apego doentio às coisas materiais, num consumismo absurdo, num materialismo mórbido? Ou será que a vida deve ser mais 'espiritual', mesmo sabendo que nada disso possa existir de fato? O que fazer com a vida? Abraçá-la, negá-la ou criar um novo sentido para ela? É possível, após vários anos, ainda ter Tesão pela vida nesse mundo cão? Como sobreviver a esse Mundo e às suas desgraças sem se deprimir de vez?

Fernando Pessoa, através de Álvaro de Campos, em Tabacaria, disse em poesia: "Vivi, estudei, amei e até cri e hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu. Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira e penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso); Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo e que é rabo para aquém do lagarto remexidamente". [...] (In: Tabacaria, Fernando Pessoa/Álvaro de Campos, 1928). Fernando Pessoa morreu aos 47 anos de idade de Cirrose, ou seja, de tanto encher a cara. Seria a sua desilusão com a vida e o Mundo o motivo para encher a cara? Vai saber o que exatamente se passava na cabeça dele? O fato é que ninguém bebe até morrer por alegria ou só por esporte e ninguém, de fato, admite que bebe por tristeza.

O que nos perguntamos aqui, é: como encontrar alguma alegria de viver num Mundo cão como esse, diante de uma humanidade, que em sua maioria, já se encontra, há tempos, em um avançado estágio de putrefação mental, moral e espiritual?

Max Stirner, em 'O Único e a sua Propriedade', falando sobre o objetivo de vida dos 'Antigos' dissera: [...] "Que busca então a Antiguidade? O verdadeiro gozo de viver, o gozo da vida! Vistas bem as coisas, a «vida verdadeira». O poeta grego Simónides* canta: «A saúde é o mais precioso bem dos mortais, a seguir vem a beleza, depois a riqueza adquirida sem manhas, e por fim o gozo dos prazeres mundanos em companhia de amigos jovens.» Tudo isto são as boas coisas da vida, alegrias de vida. E que outra coisa buscava Diógenes de Sinope* senão o verdadeiro gozo de viver, que descobriu ser o de ter o mínimo de necessidades? E que outra coisa procurava Aristipo*, que com grande serenidade encontrou esse gozo em todas as situações!! O que todos eles buscam é a coragem de viver, a alegria, procuram «viver bem neste mundo». Os estóicos querem dar corpo ao ideal do sábio, do homem da sabedoria de vida, do homem que sabe viver - desejam realizar, assim, uma vida sábia; e encontram esse ideal no desprezo do mundo, numa vida sem evolução, sem crescimento, sem relações amigáveis com o mundo, ou seja, numa vida isolada, na vida enquanto vida, e não na vida com os outros: só o estóico vive - todo o resto, para ele, está morto. Pelo contrário, os epicuristas buscam uma vida animada. Como querem viver bem neste mundo, buscam uma vida cheia de benesses (os judeus, em especial uma vida longa, abençoada por filhos e riquezas), a eudemonia, O bem¬-estar em todas as suas formas possíveis. Demócrito*, por exemplo, faz o elogio da '«paz de alma» em que se pode «viver tranquilamente, sem medo nem agitação»". [...] (In: O Único e a sua Propriedade, Max Stirner).

Já Rúlio, em nosso outro livro, 'Andarilhos Errantes', dirá que diante de todo o mal, de toda a desgraça, de toda a tragicomédia de uma humanidade que, como os dinossauros, um dia será varrida do mapa sideral, é preciso firmeza de espírito, mas, sobretudo, desapego e uma boa dose de loucura para não se deixar vencer. Já que a vida humana não passa de uma grande distração do Universo, só resta-nos viver de modo a nos Distrair, se divertir, gozar a vida, fazer alguma coisa que livre a nossa mente da tristeza e do vazio desolador que é a vida na Terra, senão, o indivíduo, o animal pensante, vai pro vinagre, morre antes do tempo, de tristeza, após muito pensar nos problemas, nas tragédias, na miséria, sobretudo, na falta de sentido que é a vida humana na Terra.

[...] "Diante da morte tudo não passa de Distração, então, não temos outra alternativa senão viver e morrer como desejamos, e nos Distrair. A ausência de sentido da vida humana, faz aquele que pensa, perder todas as ilusões, até mesmo perder a paixão por muitas coisas da vida em sociedade, forçando-o a recolher-se e a mergulhar em si mesmo. É o Ser pulando dentro do abismo, que é ele mesmo! Apesar de parecer frio, duro, apático, perturbador, pessimista, o pensador se mostra Realista, Supra Realista, como uma das faces da Existência, tal como ela é. Mesmo assim, Rúlio dizia a si mesmo mentalmente: 'perca-se todas as ilusões sobre a vida humana mas que não se perca o tesão pela A Vida. Aos trancos e barrancos sigamos, caminhando, sem pressa, apressadamente, cambaleantes, de joelhos, rastejando ou de quatro, não importa, apenas sigamos, afinal, seguir é o único caminho". [...] (In: Andarilhos Errantes, Emerson, 2022).

Com efeito, neste livro aqui, "Lutando como um Leão pra não morrer como um Veado", tratamos justamente do maior desafio de todos que é a superação. A superação que é sobreviver à esse Mundo cão e ainda ter algum Tesão pela Vida, ou seja, encontrar algum prazer, alguma alegria, algum sentido e, apesar de trancos e barrancos, ainda que relativamente, viver de boas com tudo, até mesmo com as desgraças que de vez em quando nos atingem.

Obviamente, também buscamos filosofar, se é que isso é possível e compreensível nos dias de hoje, refletindo de maneira prática e despretensiosa, irônica, satírica, jocosa, até de certa forma bem humorada sobre as coisas da vida, afim de levar a vida mais na esportiva, na galhofa, rindo das coisas e das desgraças da vida, tanto quanto possível, e ao mesmo tempo, praticar uma certa ataraxia realista diante do mundo cão, como praticamente o único meio de conservar o que resta de nossa precária saúde mental. Não há como negar que andamos, durante toda a vida, uns mais outros menos, sobre o fio da navalha. E por isso, essa pode ser uma empreitada falha, uma viagem do corvo, 'a volta dos que não foram', mas, mesmo assim, o fazemos.

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