O meme da capivara e uma reflexão sobre pessoas e empresas


Há pessoas boas de papo, capazes de “dar nó até em pingo d’água”. Porém, quando sustentadas apenas por propaganda enganosa e pela autoconfiança desmedida, essas habilidades rapidamente se desfazem quando chega a “hora do vamo ver”.

Em praticamente todos os setores da atividade humana, é possível encontrar figuras semelhantes à “capivara do meme”: indivíduos que afirmam ter competências, mas que, diante da prática, revelam não saber desempenhar as tarefas.

Esse fenômeno está relacionado a duas dimensões importantes do mundo do trabalho contemporâneo: a empregabilidade e a competência real. Segundo Chiavenato (2014), a competência é a integração de conhecimentos, habilidades e atitudes que permitem à pessoa atingir resultados eficazes em determinado contexto.

Contudo, em tempos de desemprego estrutural e de precarização das relações de trabalho, muitos candidatos recorrem à estratégia de afirmar competências que não possuem, seja por necessidade econômica, seja por desconhecimento da própria limitação (ANTUNES, 2009).

Não é raro que, em entrevistas, o diálogo se resuma a:

– Sabe fazer?

– Sei, sim.

– Tem experiência?

– Tenho, sim.

Entretanto, ao serem colocados à prova, alguns demonstram total inaptidão. Esse tipo de “encenação” pode ser compreendido no que Sennett (2006) chama de corrosão do caráter, quando o indivíduo, pressionado pelas exigências do mercado flexível e pela busca de sobrevivência, adapta-se de forma superficial para manter-se empregado, ainda que não consiga sustentar a performance no longo prazo.

É verdade que, entre milhares de “capivaras”, algumas poucas pessoas, mesmo sem experiência prévia, conseguem aprender “no tranco”, motivadas pela necessidade extrema ou por um desafio pessoal. Nessas situações, a ausência inicial de competência é compensada por resiliência, aprendizagem acelerada e disposição para o risco. Drucker (1999) já apontava que, no contexto das organizações modernas, a capacidade de aprender continuamente pode ser mais relevante que a experiência anterior.

Contudo, a maioria não ultrapassa a condição inicial e permanece como a “capivara do meme”: vendem seu “peixe” de forma quase sociopática diante de processos seletivos frágeis, especialmente quando conduzidos por setores de Recursos Humanos sem preparo suficiente. Isso gera não apenas frustração pessoal, mas também custos elevados para as organizações.

Nesse sentido, cabe refletir sobre o próprio processo de recrutamento e seleção. Marras (2017) defende que a eficácia da área de RH depende da capacidade de diagnosticar perfis com base não apenas em currículos ou discursos, mas na observação atenta de comportamentos e indicadores reais de potencial. Talvez, fosse necessário um “olheiro” junto às entrevistas: alguém com experiência prática capaz de aconselhar os recrutadores e reduzir os riscos de contratação equivocada.

Como lembra Bauman (2001), na “modernidade líquida” tudo tem um custo e um preço, inclusive o engano de assumir papéis para os quais não se está preparado. Assim, candidatos que pensam garantir alguns meses de salário à custa da mentira podem, na verdade, estar apenas prolongando o próprio fracasso. Do mesmo modo, empresas que não aperfeiçoam seus métodos de seleção acabam arcando com prejuízos humanos e financeiros.

Como diz uma variação de dito popular, 'se você não manja nada, não se meta'. É melhor. 

___E. E-Kan

Referências

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 11. ed. São Paulo: Boitempo, 2009.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

DRUCKER, Peter F. Desafios gerenciais para o século XXI. São Paulo: Pioneira, 1999.

MARRAS, Jean Pierre. Administração de recursos humanos: do operacional ao estratégico. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 14. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.















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