A história mascarada e o academicismo encantado
Um olhar crítico sobre 'o saber' dominante nas universidades atualmente, e a quem esse 'saber' serve...
"A história mascarada e o academicismo encantado - Na maior parte, a história dita oficial e seu cânone, sob vários aspectos, sempre foram parte de uma grande 'história mascarada, dissimulada', uma tremenda mentira contada e ensinada como "A Verdade", pelos detentores do Poder, das riquezas e dos meios de produção das riquezas. Para piorar, no processo de 'escavação' e revisão da história, desconstrução e reconstrução, a sanha da ideologia aparece para desconstruir toda desconstrução válida, revisão e a reconstrução da história real, verdadeira, porque "A Verdade, Os Fatos e A Realidade" são o que menos importam para os que pretendem lavar cérebros dentro de escolas e universidades que, salvo raríssimas exceções, são prisões da mente, campos de extermínio da criatividade, masmorras de almas, cemitérios de genialidades e talentos. Por isso, sempre que aparece alguém sério querendo fazer 'a coisa certa' em prol da 'História de fato', os doutores e pós-doutores da atualidade, em sua maioria, enchedores de linguiças, sabor academicismo anacrônico e partidário, se rasgam gritando: "isso não pode, isso não se enquadra no nosso método de ensino, isso é fascismo, isso é absurdo" e, desta forma, toda inquirição séria, toda discussão séria, toda pesquisa séria, tudo o que é sério numa 'matéria importante', se perde porque sequer pode ser pensado, porque o discurso único infectado de uma ideologia que distorce tudo, woke, é o que predomina no meio do academicismo encantado." (K4n, 2022).
A história que chega ao público como “oficial” raramente corresponde a uma narrativa transparente do passado. Em grande parte, trata-se de uma construção erguida por grupos que detêm poder político, econômico e intelectual, e que encontram na produção historiográfica um instrumento para legitimar sua posição. Michel Foucault (1969) demonstrou que todo discurso está atravessado por relações de poder, de modo que aquilo que se apresenta como verdade científica ou histórica é também resultado de mecanismos de exclusão e de controle. Assim, a história não deve ser entendida como simples registro neutro dos acontecimentos, mas como arena de disputas na qual determinados sentidos são privilegiados e outros silenciados.
No entanto, a crítica à história oficial muitas vezes se perde em meio a novos mecanismos ideológicos. O processo de revisão ou desconstrução da narrativa dominante corre o risco de ser capturado por agendas partidárias que substituem uma versão única por outra igualmente restritiva. Michel de Certeau (1975) mostrou que escrever história não é apenas relatar fatos, mas organizar escolhas: o historiador seleciona o que será lembrado e o que será esquecido, e esse gesto não é nunca desinteressado. A consciência desse processo é essencial para evitar que a historiografia se transforme em mera propaganda.
O risco do relativismo radical, contudo, precisa ser enfrentado. Quando se afirma que toda narrativa é igualmente válida, perde-se a possibilidade de distinguir rigor de ficção. Carlo Ginzburg (1989), ao defender seu “paradigma indiciário”, ressalta que o historiador deve perseguir vestígios e indícios concretos do passado, aceitando que a verdade absoluta é inalcançável, mas insistindo em buscar aproximações cada vez mais sólidas. Para ele, negar a possibilidade de aferição factual seria abdicar da própria razão de ser da historiografia.
Esse debate já se encontrava, de outro modo, na tradição clássica da disciplina. Leopold von Ranke, considerado fundador da história científica moderna, afirmava que o historiador precisava cultivar três qualidades cardeais: bom senso, coragem e honestidade (RANKE, 1824). O bom senso protege contra devaneios ideológicos, a coragem permite enfrentar narrativas dominantes e interesses estabelecidos, e a honestidade assegura compromisso ético com as fontes e com a busca pela verdade. Esse ideal, embora antigo, mantém atualidade diante das pressões contemporâneas que frequentemente desfiguram o trabalho acadêmico.
A universidade, que deveria ser espaço de livre investigação, muitas vezes atua de forma contrária, impondo modelos burocráticos que engessam a criatividade e reduzem a ousadia intelectual. Sem falar de professores que sentam na cadeira na frente da sala e ficam quatro aulas falando sem parar, sem dar qualquer chance do pobre diabo do acadêmico sequer espirrar. Isso quando outros tipos de professores não fazem a tragicômica e 'detestável rodinha de conversa', para intimidar e aterrorizar (especialmente os acadêmicos neurodivergentes) e fazer perguntas aos acadêmicos e depois humilhá-los com seu 'douto saber'.
Pierre Bourdieu (1984) demonstrou que o campo acadêmico é regido por hierarquias internas e por disputas de capital simbólico, de modo que a produção de conhecimento tende a reproduzir estruturas de poder em vez de questioná-las. O resultado é um ambiente em que vozes dissidentes encontram pouca abertura e em que métodos consagrados são tratados como dogmas.
O pós-modernismo acrescenta outra camada de dificuldade. Fredric Jameson (1991) argumenta que, sob a lógica cultural do capitalismo tardio, a experiência histórica se fragmentou em múltiplos pedaços desconexos. Narrativas abrangentes, que poderiam ajudar a compreender processos sociais de longa duração, passam a ser rejeitadas como ultrapassadas ou autoritárias. Nesse ambiente, a historiografia corre o risco de se tornar um repositório de microdiscursos incapazes de dialogar entre si, enfraquecendo a capacidade crítica da disciplina.
A chamada cultura “woke”, frequentemente evocada no debate público, especialmente, dissimuladamente no meio acadêmico atual, exemplifica como rótulos podem ser usados para inviabilizar discussões legítimas. Esther Bockwyt (2024) observa que, embora tenha origem em pautas justas, o movimento pode assumir formas de censura e separação, enfraquecendo o diálogo democrático. Susan Neiman (2023) acrescenta que parte da esquerda, ao adotar integralmente essa postura, abandona princípios universais de justiça e igualdade em favor de identitarismos fragmentados, o que empobrece a crítica social.
Diante desse panorama, é necessário recuperar o sentido profundo do trabalho historiográfico. A história não será jamais um reflexo perfeito do passado, mas não deve se reduzir a jogo de poder ou a retórica vazia, ou pior, um exercício vazio de erudição.
Nietzsche (1999), em sua reflexão sobre a utilidade e a desvantagem da história para a vida, advertiu que o excesso de erudição histórica pode paralisar a ação e sufocar a vitalidade, transformando o saber em peso morto. A crítica nietzschiana permanece atual diante de práticas acadêmicas que privilegiam a acumulação de dados em detrimento de perspectivas criativas e transformadoras.
Séculos antes, Descartes (1999) já havia observado, no Discurso do método, que a história, aqui compreendida como ofício de historiador, poderia ser considerada um “aglomerado de inutilidades”, justamente por se deter em curiosidades sem função prática para o desenvolvimento do pensamento. Esse juízo radical, ainda que discutível, chama atenção para o risco sempre presente de uma história que se perde em detalhes estéreis, incapaz de dialogar com a vida concreta e de oferecer instrumentos de compreensão do presente.
Em suma, o gigantesco desafio é equilibrar consciência crítica, rigor metodológico e honestidade intelectual, conforme sugeria o espírito rankeano de bom senso, coragem e lealdade à verdade possível, a verdade relativa de ponta. Talvez, somente assim a historiografia pode deixar de ser mascarada ou encantada para se tornar, de fato, um espaço de liberdade, criatividade e investigação comprometida com a realidade histórica.
Contudo, em sendo um realista, duvido que isso (recuperar o sentido profundo do trabalho historiográfico e o próprio sentido da História), ocorra.
O mundo atual todo está contaminado pela idiotização em massa via algoritmia do caos IA-lizada e as pessoas, de modo geral, salvo raras exceções, engolem tudo com farinha, aceitam tudo, ou seja, são facilmente manipuladas e enganadas, e no meio acadêmico não é diferente. Infelizmente, hoje o que mais vejo, também salvo raras exceções, são jovens estudantes abrindo a boca para repetir aquilo que o professor doutrinador quer ouvir, ou seja, vejo uma maioria de incapazes. Incapazes de terem opinião própria, sobretudo, de terem personalidade própria. São cópias tragicômicas de seus professores, ou seja, cópias do sistema Capitalista Tecnocrata Ultra-dinheirista em declínio, e por isso, são incapazes de bater de frente contra imposições e posturas antiéticas e muitas vezes absurdas dos tipos de professores que fazem questão de ostentar que são 'Doutores' e que, mergulhados na sopa nefasta da politicagem-ideologia-crentelhismo-partidarismo, com uma cavalar dose de vaidade, visam lavar cérebros descaradamente.
Portanto, nesse momento, penso que a luta para resgatar a História através de uma Historiografia Honesta, também está perdida, porque a Honestidade Intelectual passa longe do ambiente acadêmico, salvo raríssimas exceções (afinal, ainda existem professores decentes e honestos intelectualmente, pouquíssimos, mas existem. Só que são a minoria da minoria e contra a maioria delirante ninguém pode. Todos os que ousam expressar suas insatisfações e contrariedades dentro do meio acadêmico delirante, acaba igual ao personagem da Caverna, do Platão, rechaçado para sempre).
Com efeito, a produção do conhecimento no campo da História, dentro do ambiente acadêmico, em sua maior parte, está comprometida, justamente porque serve apenas para engrossar o caldo da sopa da nefasta doutrinação ideológica. Então, o que as pessoas fazem num curso universitário de história, atualmente? Passam quatro anos, uns fingindo que ensinam, outros fingindo que aprendem para obter um diploma, para seguir como uma peça frágil e descartável da engrenagem do sistema Capitalista Tecnocrata Ultra-dinheirista, reproduzindo o discurso e as narrativas dos que verdadeiramente detém O Poder, aqueles que agem nas sombras do mundo e se acham os donos do Planeta.
___E. E-Kan
Referências
BOCKWYT, Esther. Crítica à cultura woke como lado negativo dos excessos que separa em vez de unir. Instituto Humanitas Unisinos – IHU, 2024. Disponível em: https://ihu.unisinos.br/649435-por-que-a-cultura-woke-e-alvo-de-criticas
BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Paris: Minuit, 1984.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Paris: Gallimard, 1975.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Paris: Gallimard, 1969.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1991.
NEIMAN, Susan. Left is not woke. Cambridge: Polity Press, 2023.
RANKE, Leopold von. Histories of the Latin and Germanic Nations. Leipzig: Reimer, 1824.
K4n, E. Filosofia Insólita. Território Kan, 2022.
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