Nietzsche em Família Soprano

 


CENA: Tony e filho estão no carro e começam a dialogar...

Tony Soprano: O que tá acontecendo?

Antony Jr (AJ): Nada.

Tony Soprano: Nada...Esse negócio de "Não-Deus", perturbou muito a sua mãe, viu?

Antony Jr (AJ): Não é "Não-Deus" é que "Deus está Morto". 

Tony Soprano: Quem disse isso?

Antony Jr (AJ): Nietzsche. Um Filósofo do Século XIX da Alemanha. Mas não é por isso que eu não quero ser Crismado.

Tony Soprano: Pode parar com isso, tá? Sua Crisma será este fim final de semana e você será Crismado. 

Antony Jr (AJ): Nem que me ferre.

Tony Soprano dá um tapa de leve em AJ e diz: Olha! Tem muita coragem, sabia disso? Estuda numa escola Católica e sua mãe quer.

Antony Jr (AJ): É? Como ela sabe?

Tony Soprano: Ela sabe que mesmo Deus estando morto, ainda vai babar o ovo dele. 

Antony Jr (AJ) dá um soco leve no vidro do carro, demonstrando revolta.

Tony Soprano, demonstrando insatisfação com o filho, então, diz: Olha!

FIM DA CENA

(In__Série: Família Soprano, Temporada 2, Episódio 7 "D-Girl", entre 15:43 min de 56:04 min, HBO Max). 

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Quando foi e onde foi que Nietzsche falou "Deus está morto?". 

Nietzsche no 'ataque' com seu 'anti-Platonismo'

[...] "Todo esclarecimento não precisa retirar, certamente, a própria coisa apenas do texto; ele também tem de entregar algo desapercebidamente a este a partir de sua coisa, sem prevalecer sobre ele. Esse suplemento é o que o leigo, de acordo com o que toma como sendo o conteúdo do texto, constantemente apreende como uma inserção de sentido por parte da interpretação e, com o direito que se arroga, censura como arbitrário. Um esclarecimento correto nunca compreende de qualquer modo o texto melhor do que o autor o compreendeu, mas sim diversamente. O único ponto a ser considerado é que esse outro precisa ser de uma tal textura que ele toque no mesmo, sobre o qual o texto esclarecido reflete.


Nietzsche expressou a sentença "Deus está morto" pela primeira vez no terceiro livro do escrito A gaia ciência, publicado em 1882. Com esse escrito começa o caminho de Nietzsche em direção à conformação de sua posição metafísica fundamental. Entre esse escrito e a labuta vã em torno da configuração da obra central planejada encontra-se a publicação de Assim falou Zaratustra. A obra central planejada nunca foi levada a termo. Provisoriamente, ela deveria ter o título "A vontade de poder" e o subtítulo "Tentativa de uma transvaloração de todos os valores".


O estranho pensamento da morte de um deus e do perecimento dos deuses já era familiar ao jovem Nietzsche. Em uma anotação do tempo de elaboração de seu primeiro texto, O nascimento da tragédia,Nietzsche escreve (1870): "Eu acredito na sentença originariamente germânica: todos os deuses precisam morrer". O jovem Hegel nomeia, no fim do ensaio "Crença e saber" (1802), o "sentimento, sobre o qual repousa a religião da idade moderna - o sentimento: Deus mesmo está morto...". A sentença hegeliana pensa diversamente da sentença nietzschiana. Não obstante, subsiste entre elas uma conexão essencial, que se esconde na essência de toda metafísica. A sentença que Pascal toma a Plutarco, "Le grand Pan est mort" (Pensées, 695), pertence, mesmo que por razões contrapostas, ao mesmo âmbito.

Escutemos primeiramente o teor completo do aforismo número 125 do escrito A gaia ciência. O aforismo é intitulado: "O homem desvairado" (ou "O Insensato", a depender da tradução) e nos diz:

[...] O Homem Desvairado. - Vós não ouvistes falar daquele homem desvairado que em plena manhã luminosa acendeu um candeeiro, correu até a praça e gritou ininterruptamente: "Estou procurando por Deus! Estou procurando por Deus!" - À medida que lá se encontravam muitos dos que não acreditavam em Deus, ele provocou uma grande gargalhada. Será que ele se perdeu? - dizia um. Ou será que ele está se mantendo escondido? Será que ele tem medo de nós? Ele foi de navio? Passear? - assim eles gritavam e riam em confusão. O homem desvairado saltou para o meio deles e atravessou-os com seu olhar. "Para onde foi Deus?, ele falou, gostaria de vos dizer! Nós o matamos - vós e eu! Nós todos somos assassinos! Mas como fizemos isto? Como conseguimos esvaziar o mar? Quem nos deu a esponja para apagarmos todo o horizonte? O que fizemos ao arrebentarmos as correntes que prendiam esta terra ao seu sol? Para onde ela se move agora? Para onde nos movemos? Afastados de todo sol? Não caímos continuamente? E para trás, para os lados, para frente, para todos os lados? Há ainda um alto e um baixo? Não erramos como que através de um nada infinito? Não nos envolve o sopro do espaço vazio? Não está mais frio? Não advém sempre novamente a noite e mais noite? Não precisamos acender os candeeiros pela manhã? Ainda não escutamos nada do barulho dos coveiros que estão enterrando Deus? Ainda não sentimos o cheiro da putrefação de Deus? - também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus permanece morto! E nós o matamos! Como nos consolamos, os assassinos dentre todos os assassinos? O mais sagrado e poderoso que o mundo até aqui possuía sangrou sob nossas facas - quem é capaz de limpar este sangue de nós? Com que água poderíamos nos purificar? Que festejos de expiação, que jogos sagrados não precisamos inventar? A grandeza deste ato não é grande demais para nós? Nós mesmos não precisamos nos tornar deuses para que venhamos apenas a parecer dignos deste ato? Nunca houve um ato mais grandioso - e quem quer que venha a nascer depois de nós pertence por causa deste ato a uma história mais elevada do que toda história até aqui!" O homem desvairado silenciou neste momento e olhou novamente para os seus ouvintes: também eles se encontravam em silêncio e olhavam com estranhamento para ele. Finalmente, ele lançou seu candeeiro ao chão, de modo que este se partiu e apagou. "Eu cheguei cedo demais, disse ele então, eu ainda não estou em sintonia com o tempo. Este acontecimento extraordinário ainda está a caminho e perambulando - ele ainda não penetrou nos ouvidos dos homens. O raio e a tempestade precisam de tempo, a luz dos astros precisa de tempo, atos precisam de tempo, mesmo depois de terem sido praticados, para serem vistos e ouvidos. Este ato está para os homens mais distante do que o mais distante dos astros: e, porém, eles o praticaram!" - Conta-se ainda que o homem desvairado adentrou no mesmo dia várias igrejas e entoou aí o seu Requiem aeternam deo. Acompanhado até a porta e questionado energicamente, ele retrucava sem parar apenas o seguinte: "O que são ainda afinal estas igrejas, se não túmulos e mausoléus de Deus"".[...]. 


Quatro anos depois (1886), Nietzsche acrescentou um quinto livro, intitulado "nós os destemidos", aos quatro livros de A gaia ciência. Por sobre o primeiro fragmento desse quinto livro está escrito: "O que se passou com nossa serenidade". O fragmento começa: "O grande e novo acontecimento - o fato de `Deus estar morto', de a crença no Deus cristão ter perdido a sua fidedignidade - já começa a lançar suas primeiras sombras sobre a Europa".


A partir dessa asserção fica claro que a sentença nietzschiana acerca da morte de Deus tem em vista o Deus cristão. Mas não é menos certo e a priori digno de consideração o fato de o nome Deus e o nome Deus cristão serem utilizados no pensamento de Nietzsche para designar o mundo supra-sensível em geral. Deus é o nome para o âmbito das idéias e do ideal. Este âmbito supra-senível vige desde Platão, dito ainda mais precisamente, desde a interpretação grega tardia e cristã da filosofia platônica, enquanto o mundo verdadeiro e o propriamente real. Em contraposição a este, o mundo sensível é apenas o mundo do aquém, o mundo transitório e por isso mesmo aparente, irreal. O mundo do aquém é o vale das lamentações em contraposição à montanha da eterna bem-aventurança no além. Se denominarmos, como ainda acontece em Kant, o mundo sensível o mundo físico em sentido amplo, então o mundo supra-sensível é o mundo metafísico.


A sentença "Deus está morto" significa: o mundo supra-sensível está sem força de atuação. Ele não fomenta mais vida alguma. A metafísica, isso significa para Nietzsche a filosofia ocidental entendida como Platonismo, está no fim. Nietzsche compreende a sua própria filosofia enquanto o contramovimento ante a metafísica: para ele, ante o platonismo." [...] (CASA NOVA, 2003).

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Breve comentário nosso:


Tal como Sócrates, chamado de "O Moribundo" no aforismo 340, Livro Terceiro, de A Gaia Ciência  e de "...o Palhaço/Polichinelo que foi levado à sério", em "O Problema de Sócrates",  no livro Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche, escreveu, falou e reafirmou sua práxis filosófica crítica, principalmente, contra a 'negação da vida' e a 'hipocrisia ocidental' que é o cristianismo, enquanto 'Platonismo para o povo', e assim, abalou as estruturas de sua época e posterior. "Deus está morto" é o mesmo que dizer, em miúdos, que a falsidade cristã, a hipocrisia do cristianismo, a negação da vida, venceram.  

Deus, bem como toda a ideia iluminista de 'Liberdade, Igualdade, Fraternidade" e, também, Justiça, Solidariedade" e tudo o que vem depois disso, não passam de um grande faz de contas. 

E aí, sem Deus, 'a vida do animal falante que se acha pensante', ficam sem sentido, sem um porquê, sem razão de ser' e, com isso, o caos, o desespero e o terror interior transbordam e se espalham pelo mundo 'sensível', 'fora da mente' e a sociedade, então, desaba no abismo, de ponta cabeça. 

Diante disso, desse perigo iminente, então, ressuscitam o Deus cristão e mantêm o faz de contas que é a base da 'sociedade fake', na qual vivemos, sob o argumento de 'ruim com Deus, pior sem Deus, e ainda, pelo menos com Deus evitamos o colapso da civilização'. 

Será? 

Para onde está indo a humanidade? 

Senão vejamos os noticiários, os sites de atrocidades que mostram diariamente assassinatos, suicídios e todo tipo de loucura que cada dia mais se avoluma até a explosão do caos total em toda a parte. 

Novamente: onde está Deus? Escondido atrás do 'livre arbítrio?'. 

E além disso: por que os animais falantes que se acham pensantes, no mundo todo, não tomam vergonha na cara e trabalham para serem melhores de fato ao invés de esperar que Deus, Deuses ou quaisquer outras forças imaginárias ou reais, resolvam os seus problemas, principalmente, o maior problema de todos, que reside nas profundezas da mente humana em declínio? 

Deus bom é Deus morto

'Deus está morto' e foi assassinado pelo mortos em vida, esses que há muito tempo perambulam pela sociedade fake do mundo insano, corrompido, em avançado estágio de putrefação mental, moral e espiritual, sem nenhuma chance de salvação e que vagarão, para sempre, na Escuridão abissal do 'Vazio Indizível'. 

Sempre há uma escolha

Diante disso tudo, com ou sem Deus, todos têm uma escolha, isto é: perambular eternamente como um morto em vida putrefato mentalmente, moralmente e espiritualmente.

Vagar como um fantasma de si mesmo sem um porquê de existir.

Ou, então, caminhar firme, forte e tranquilo, como um autêntico Viajante da Luz na Escuridão, profundamente Consciente de que 'A Vida, que é Luz, nasce da Escuridão e corre pelo Abismo em direção ao Vazio', sobretudo, buscando compreender sobre se há algo para além do Vazio: o nada absoluto ou, então, o Desconhecido dos desconhecidos. 

Contudo, independente do grau de compreensão da Vida, todos, alguns lentamente, uns rapidamente e outros 'apressando-se devagar', diante da Imensidão Cósmica Interestelar, seguem para esse ponto da Incomensurabilidade da Vida, na Inefabilidade da Existência. 


Texto de E. E-Kan

Filosofia Realista Insólita / 2023

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Referência: 


CASA NOVA, Marco. A sentença nietzschiana "Deus está morto". The epoch of the image of the world. Martin Heidegger; tradução de Marco Casanova. I Departamento de Filosofia UERJ. 2003. Acessado em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302003000200008#:~:text=Nietzsche%20expressou%20a%20senten%C3%A7a%20%22Deus,gaia%20ci%C3%AAncia%2C%20publicado%20em%201882. Acesso feito em 31 de julho de 2023. 



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