Nietzsche moribundo





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282 - Nietzsche Moribundo


Certamente, esse é o momento mais bizarro e tragicômico da história. Com a evolução da tecnologia, com a exploração espacial e o limiar da colonização/'invasão' de outros Planetas, deveríamos estar vendo uma humanidade, em sua maioria, 'evoluída', num altíssimo nível intelectual, coexistindo pacificamente com todas as formas de vida da Terra, vivendo ao máximo de sua potência, em abundância, se aperfeiçoando, melhorando sem esperar um 'lugar no além em troca', celebrando a vida rumo cada vez mais à imensidão cósmica.

No entanto, o que vemos, inegavelmente, é a maioria da humanidade, historicamente alienada, já quase totalmente idiotizada, gadizada e desumanizada pelas redes umbrais sociais e seus aplicativos idiotizantes e, por isso, já em avançado estágio de putrefação mental, moral e espiritual. À quem achar que exagero, sugiro que vejam os sites de atrocidades, mortes, homicídios e suicídios para ter noção do quanto as pessoas se matam e matam por qualquer trocado ou coisa idiota. Além de toda a hediondez diária da humanidade, em sua maioria, podre de mente, coração e alma, por toda parte vemos fanatismo, ignorância deliberada, corrupção capital, política, religiosa, desonestidade intelectual, violência, brutalidade, mais ignorância e mais fanatismo.

Com relação a autores, escritores, pensadores e demais ícones da história, não é diferente. Hoje vemos multidões de imbecis que nunca estudaram os autores decentemente, tentando se passar por profundos conhecedores deles, por compartilharem meras frases nas redes anti-sociais. Recentemente, teci considerações críticas sobre Nietzsche num grupo de gados que posavam de leitores e estudiosos (mas que não passam de analfabetos funcionais) e fui execrado ao ponto de uma vaca do grupelho ter dito que critiquei a Nietzsche por ter 'inveja dele'. Nada mais tragicômico.

O fato é que o bom e velho Nietzsche também era Moribundo, tal como Sócrates, tal como todos nós nesse mundo Moribundo e decadente. Com efeito, os idiotas idólatras de plantão jamais entenderão isso.

Nietzsche, em Crepúsculo dos Ídolos (em 'O Problema de Sócrates) e em A Gaia Ciência (aforismo 340), critica severamente a Sócrates e o chama de 'Moribundo', praticamente o chamando de suicida por tabela e que ele deu graças aos deuses por sua vida ter chegado ao fim, já que há muito tempo estaria cansado de tudo e de todos os imbecis do mundo de sua época, literalmente, doente com a humanidade de sua época, principalmente com os politicopatas, os oligarcas corruptopatas, os religiopatas e demais picaretas de Atenas e seus fanáticos alienados.

O Crepúsculo dos Ídolos, trecho de 'O Problema de Sócrates':

[...] "...Sócrates foi o palhaço que se fez levar a sério..."

"Se se tem necessidade de fazer da razão um tirano, como Sócrates o fez, então o risco de que outra coisa faça-se tirano não deve ser pequeno. A racionalidade aparece outrora enquanto Salvadora; nem Sócrates, nem seus "doentes" estavam livres para serem racionais. Ser racional foi o seu último remédio. O fanatismo, com o qual toda a reflexão grega se lança para a racionalidade, trai uma situação desesperadora. Estava-se em risco, só se tinha uma escolha: ou perecer, ou ser absurdamente racional...

O moralismo dos filósofos gregos desde Platão está condicionado patologicamente; do mesmo modo que sua avaliação da dialética. A equação Razão = Virtude = Felicidade diz meramente o seguinte: é preciso imitar Sócrates e estabelecer permanentemente uma luz diurna contra os apetites obscuros - a luz diurna da razão. É preciso ser prudente, claro, luminoso a qualquer preço: toda e qualquer concessão aos instintos, ao inconsciente conduz para baixo...

11.Dei a entender o que fez com que Sócrates exercesse fascínio: ele parecia ser um médico, um salvador. Faz-se ainda necessário indicar o erro que repousava em sua crença na “racionalidade a qualquer preço”? - Imaginar a possibilidade de escapar da décadence através do estabelecimento de uma guerra contra ela é já um modo de iludir a si mesmo criado pelos filósofos e moralistas. O escape está além de suas forças: o que eles escolhem como meio, como salvação, não é senão uma nova expressão da décadence. Eles transformam sua expressão, mas não a eliminam propriamente. Sócrates foi um mal entendido. Toda moral fundada no melhoramento, também a moral cristã, foi um mal-entendido... A luz diurna mais cintilante, a racionalidade a qualquer preço, a vida luminosa, fria, precavida, consciente, sem instinto, em contraposição aos instintos não se mostrou efetivamente senão como uma doença, uma outra doença. - Ela não concretizou de forma nenhuma um retorno à "virtude", à "saúde", à felicidade... Os instintos precisam ser combatidos esta é a fórmula da décadence. Enquanto a vida está em ascensão, a felicidade é igual aos instintos.

12. Ele mesmo compreendeu isso, este que foi o mais prudente de todos os auto-ludibriadores? Ele soube dizer isto por fim a si mesmo em meio à sabedoria de sua coragem diante da morte?... Sócrates queria morrer. Não foi Atenas, mas ele quem deu para si o cálice com o veneno. Ele impeliu Atenas para o cálice com o veneno... "Sócrates não é nenhum médico, falou ele silenciosamente para si mesmo: apenas a morte é aqui a médica... O próprio Sócrates só estava há muito doente..."" [...]

A Gaia Ciência, aforismo 340:

[...] "O Sócrates moribundo - Eu admiro a coragem e a sabedoria de Sócrates em tudo o que ele fez, disse e não disse. Esse zombeteiro e enamorado monstro e aliciador ateniense, que fazia os mais arrogantes jovens tremerem e soluçarem, foi não apenas o mais sábio tagarela que já houve: ele foi igualmente grande no silêncio. Quisera eu que, no último momento de sua vida, ele também tivesse silenciado – talvez assim ele pertencesse a uma ordem ainda superior de espíritos. Talvez tenha sido a morte, ou o veneno, a piedade ou a maldade – alguma coisa afrouxou-lhe a língua naquele instante e ele disse: ‘Oh Críton, eu devo um galo a Asclépio’. Essas ridículas e terríveis ‘últimas palavras’ significam àqueles que têm ouvidos: ‘Oh Críton, a vida é uma doença!’ Será possível?! Um homem como ele, que até então e diante de todos os olhos viveu como um soldado – era um pessimista! Ele tinha até então um bom semblante para com a vida e até o seu último juízo camuflou o seu sentimento mais íntimo. Sócrates, Sócrates sofreu de vida! E ele ainda se vingou – com cada palavra encoberta, horrível, pia e blasfema! Tinha Sócrates ainda que se vingar? Terá faltado um grão de generosidade a sua superabundante virtude? – Ah, amigos! Nós precisamos superar também os gregos.”1" [...]

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De fato, não há como não louvar a Nietzsche por essa crítica, severa, profunda e direta análise de Sócrates, visto por muitos otários e beatos fanáticos do mundo acadêmico como um 'Jesus da Filosofia', um 'santo salvador', numa mistura horrenda de conceitos atemporais.

De fato, reitero aqui, Sócrates foi um mártir dos Anti-convalescentes pessimistas antropológicos e Nietzsche é, equivocadamente, visto como um herói dos Convalescentes otimistas antropológicos.

Na verdade, Sócrates era um Moribundo dissimulado, estava cansado da vida, de tudo, de todos, principalmente, dos tiranos e do idiotas e fanáticos defensores de tiranos de sua época, da humanidade desumanizada de sua época, mas não revelara a ninguém e mantinha a pose de guru sabichão que prega: "vai tudo muito bem, está tudo muito bom e pode ficar melhor ainda". Mas, como diz Nietzsche, na 'Hora H', ele solta uma: "eu devo um galo a Asclépio curador". E o pior, e é isso o que deixa Nietzsche mais fulo com Sócrates, é ele, segundo o Fédon do Platão, o maior beato e fanático de Sócrates, ainda ter tagarelado à véspera de beber o veneno mortal, sobre a possibilidade da continuidade da vida após a morte:

"[...] "Sim, o reviver é um fato, os vivos provêm dos mortos, as almas dos mortos existem, sendo melhor a sorte das boas e pior a das más'.

E mais adiante ele diz:

Afirmar, de modo positivo, que tudo seja como acabei de expor, não é próprio de homem sensato; mas que deve ser assim mesmo ou quase assim no que diz respeito a nossas almas e suas moradas, sendo a alma imortal como se nos revelou, é proposição que me parece digna de fé e muito própria para recompensar-nos do risco em que incorremos por aceitá-la como tal. É um belo risco, eis o que precisamos dizer a nós mesmos à guisa da fórmula de encantamento. Essa é a razão de me ter alongado neste mito". [...]

Nietzsche Moribundo

Enfim, penso que Nietzsche prestou um dos maiores serviços à humanidade, ao desmascarar Sócrates, o despir da 'aura de santidade' criada posteriormente pelos picaretas do cristianismo e mostrar que, na verdade, ele foi um dos maiores 'auto-ludibriadores' de todos os tempos. Também prestou um baita serviço à humanidade ao categoricamente detonar Jesus, outro picareta fanfarrão, bem como toda a seita de fanáticos chamada de Cristianismo, muito embora o livro, O Tratado dos Três Impostores, Moisés-Jesus-Maomé - O Espírito do Senhor Espinoza (1636/1697), na versão de Jean Maximilien Lucas já tenha feito isso com muito mais categoria, mostrando que a humanidade é tão idiota que bastou um pastor malandro (Moisés), um hippão fanático (Jesus) e um picareta vendedor de Camelos (Maomé) para ludibriar multidões e jogar grande parte dos bilhões de animais humanos no mais profundo e obscuro abismo da ignorância espiritual por milênios até agora.

Contudo, o fato é que Nietzsche, que já estava putaço por ter tentando superar o Schopenhauer (muito mais original) e quebrado a cara, desiludido com Wagner que se achava 'o super gênio musical' e que tirava onda da sua Sífilis chegando a dizer que Nietzsche se meteu em enrascada por 'excesso de masturbação', também estava cansado de toda essa merda, desse mundo de idiotas comandado por canalhas. E estando também cansado de tudo e de todos, de jogar pérolas aos porcos e aos espíritos de porcos, cansado de ver que esse mundo e essa humanidade, em sua maioria imbecilizada, não tem jeito, Nietzsche então resolveu 'ligar o foda-se', cair na gandaia e partiu pro mundão, mas já na primeira vez, no puteiro, cabação das coisas da vida e 'azarado', como dito antes, pega sífilis, a coisa se complica durante os anos seguintes, ele é chutado por Lou Salomé, seu grande amor Platônico, pira o cabeção, inclusive escrevendo 'cartas da loucura' a amigos e conhecidos se nomeando de Dionísio, Anticristo, O Crucificado entre outros, e fica 'meio paranoico' pelo resto da vida até, enfim, ter um colapso mental em 3 ou 4 de janeiro de 1889, um ano antes de sua morte em 25 de agosto de 1900.

Em resumo: O objetivo aqui não é 'escrachar', difamar', 'caluniar' ou 'falar mal' dos 'grandes pensadores', mas, desmitificá-los e despi-los da equivocada e ridícula roupagem de 'santidades imaculadas e inquestionáveis', que os ignorantes endeusadores de plantão lhes põem.

E por que fazemos isso? Simples, essa é a nossa pequena colaboração no histórico combate ao fanatismo. Toda forma de idolatria, endeusamento, puxação de saco, por menor que seja, cedo ou tarde descamba para o extremismo, o radicalismo, o terrorismo e até mesmo a filosofia não está livre disso porque é feita por humanos, demasiado humanos e tudo que tem humano no meio pode acabar dando merda. Então, essa é a nossa forma de sermos vigilantes e colaborar para uma humanidade melhor ou, pelo menos, menos pior.

Lembremos o que diz Nietzsche sobre os piores leitores:

[...] "Os piores leitores são aqueles que procedem como soldados saqueadores: apoderam-se aqui e ali daquilo que podem utilizar, sujam e bagunçam o resto e cobrem tudo com seus ultrajes." [...].

O fato, incontestável, é que Nietzsche era um Moribundo tal como Sócrates, tal como todos nós que pensamos nesse mundo de idiotas comandados por canalhas, oligarcas corruptopatas (1% que detém 99% das riquezas da Terra), politicopatas (maioria vassalos e empregados dos oligarcas corruptopatas), religiopatas e demais estelionatários da vida.

Descobrir, entre tantas coisas, a qual mais nos faz de fato adoecer é um trabalho hercúleo. Provavelmente, muito depois que partirmos, se formos relevantes para a história dos animais humanos, alguém dirá o que mais nos fez adoecer antes da morte inevitável, com fazemos agora com Sócrates e Nietzsche.

Contudo, mais importante do que saber sobre aquilo que mais nos faz adoecer é saber o que nos ajuda a suportar esse mundo de idiotas comandados por canalhas.

No caso de Sócrates e de Nietzsche, o que os fez suportar a vida mesmo estando doentes e cansados, até quando não mais foi possível, penso, foi a própria vida e, bem lá no fundo, algo comum à todos os viventes 'pensantes' deste mundo, uma pequena fagulha de uma trágica, dramática, desesperadora, desoladora, ilusória e comovente esperança diante do fato de que a vida, que é Luz, nasce da Escuridão e corre pelo Abismo até o Vazio. Para Sócrates, a fagulha de esperança foi a possibilidade da vida além da vida, como apresentada por Platão no Fédon e para Nietzsche, a fagulha de esperança ilusória era o seu 'super-homem' no sentido de superação da humanidade e 'além da humanidade'.

"Suportamos a vida e todas as suas incomensuráveis aflições até a hora que não mais conseguimos sequer nos suportar".

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Sugestão de leitura: Great Philosophers Who Failed At Love ("Grandes Filósofos Que Falharam no Amor", de Andrew Shaffer , o qual, através de relatos históricos, conta coisas cabeludas que alguns dos maiores pensadores da aventura humana sobre a Terra, aprontaram longe dos holofotes, em suas vidas privadas.

E aos que ainda não aprenderam, aprendam: não existe santinho e nem ser perfeito nesse mundo. Portanto, não sejam idiotas de fanatizarem por alguém, seja quem for. Não existe salvador e nem salvação a não ser, tentarmos ser melhores ou pelo menos, menos piores enquanto aqui estamos. 


E. E-Kan

Imagem: European School

https://ekanxiiilc.blogspot.com/2023/01/nietzsche-moribundo.html

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