Nietzsche e o além de Schopenhauer
O bom e velho Nietzsche, que era fã de Schopenhauer, tentou desesperadamente superá-lo no realismo amargo, também alcunhado de pessimismo, mas não deu muito certo.
Então, elegeu a metafísica como sua adversária. Contudo, Nietzsche apelou para outro tipo de metafísica com o Super Homem.
"Ah, mas isso é absurdo! Nietzsche era o oposto da metafísica e considerava o além do homem com os dois pés e a cabeça grudados Terra, sem '"aléns'", dirá o leitor superficial. Calma, animal! Tente entender:
Nietzsche era fã de Schopenhauer. Um fã daqueles perigosos: que lê tudo, admira, cita, mas, no fundo, quer superar, bater, enterrar. O problema é que Schopenhauer era o rei do pessimismo. O cara olhava o mundo e dizia: “tudo é sofrimento, e a melhor saída é negar a vontade, desligar o Wi-Fi da existência e ir meditar na montanha esperando a morte.” Nietzsche olhou pra isso e pensou: “legal, mas vou fazer diferente.”
A admiração inicial virou um cabo de guerra filosófico. Nietzsche queria ser ainda mais realista que Schopenhauer, mais ácido, mais profundo. Mas não conseguia. Não porque fosse fraco, mas porque a parada do “negar a vida” nunca colou nele. Nietzsche era do tipo que, mesmo vendo que a vida é um caos desgraçado, ainda assim dizia: “vai nessa, afirma tudo, sofre bonito e cria valor no meio do lodo”.
Aí entra a virada. Schopenhauer dizia: “a vida é uma merda, então nega tudo e sossega.” Nietzsche responde: “a vida é uma merda, então glorifica essa merda e faz dela uma obra de arte.” É tipo ouvir um pagode triste e rebolar mesmo assim. Mas pra isso, ele precisou criar um conceito que colocasse o ser humano num novo patamar: o tal do Übermensch, o super-homem, o além-do-homem. Só que aí Nietzsche cai no paradoxo: ao rejeitar toda metafísica tradicional, ele acaba inventando a sua própria. Não uma metafísica celeste, mas uma metafísica do devir, da criação, do valor que vem de dentro e não de um além transcendental.
O leitor apressado vai gritar: “Mas Nietzsche odiava metafísica!” Sim, odiava a metafísica que prometia um céu, um além, uma recompensa. Mas criou outra, camuflada, que promete um salto estético-existencial aqui mesmo, com os dois pés no barro. O super-homem é tipo um novo messias sem igreja, sem dogma, sem salvação — só potência bruta e trágica.
O problema é que essa obsessão por superar Schopenhauer acabou consumindo o próprio Nietzsche. O cara quis tanto ir além do homem que foi parar no puteiro, como quem busca resposta na carne. Pegou sífilis, perdeu a razão e ainda levou um pé da Lou Salomé, que preferia ler poesia russa do que “nheco-nheco” com o bigodudo alemão. Trágico e cômico, como a vida que ele tanto tentou afirmar.
E o mais irônico: Nietzsche, que detonava morais decadentes, acabou virando ídolo de tudo quanto é tipo de pastor, padre e teólogo. Todo mundo querendo entender como foi que um filósofo sem Deus matou Deus com a pena — e ainda por cima antes de endoidar.
No fim das contas, a treta Nietzsche x Schopenhauer é mais do que um embate filosófico. É um duelo entre duas formas de olhar pro abismo. Schopenhauer vê o buraco e senta chorando. Nietzsche vê o buraco, dá um mortal pra dentro e ainda escreve um aforismo no ar. Um quer o silêncio da vontade; o outro, o grito da criação.
E pra quem ainda tenta idolatrar qualquer um dos dois, vale lembrar: Nietzsche mesmo detestava qualquer forma de adoração. Idolatria é o fim do pensamento — e o começo da burrice sistematizada.
Referências:
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. Trad. José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Trad. Mário da Gama Kury. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Trad. Jair Barboza. São Paulo: UNESP, 2005.
SAFRANSKI, Rüdiger. Nietzsche: biografia de uma tragédia. Trad. Lya Luft. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
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