O Zé-ninguém especial
"Um dos piores problemas do ser humano é achar que é especial. Ninguém é. Diante da imensidão cósmica interestelar, somos todos um bando de Zé-ninguém." __E. E-Kan
O Mito do Ser Especial: Uma Crônica Suja Sobre o Ego Humano na Pó da Via Láctea
Desde que o ser humano aprendeu a andar ereto e apontar para as estrelas, vem nutrindo uma ilusão malcheirosa e narcisista: a de que ele é especial. Que ele, pobre mamífero pelado, carregando os boletos e traumas da infância, é a cereja do bolo do universo. Uma piada cósmica que, se tivesse sido escrita por Charles Bukowski, viria com cheiro de uísque barato e ressaca existencial: “Somos todos malucos. Alguns de nós apenas disfarçam melhor que os outros” (BUKOWSKI, 2001, p. 54). E é aí que começa a desgraceira: quando o Zé-Ninguém acha que é profeta.
A verdade, mesmo que doa no rabo da autoestima, é que ninguém é especial. Nem você. Nem eu. Nem aquela moça do Instagram que acha que encontrou sentido na vida vendendo incensos veganos com aroma de iluminação. Somos poeira cósmica, como já dizia Carl Sagan — mas sem o glamour da poesia astronômica. E se Nietzsche estivesse aqui, sentado num boteco com a cara fechada e o bigode sujo de cerveja, diria: “O homem é uma corda estendida entre o animal e o além-do-homem” (NIETZSCHE, 2005, p. 12). E a maioria, convenhamos, tropeça no meio da corda e cai de bunda no abismo.
A coisa é tão trágica que beira o cômico. Nelson Rodrigues, mestre da dissecção moral dos pequenos burgueses, já anunciava o apocalipse sentimental das almas medíocres quando dizia que “toda unanimidade é burra” (RODRIGUES, 1993, p. 28). E o que é o ser humano moderno senão uma unanimidade burra que se acha gênio? Uma massa de carne com diploma, que publica frase motivacional como se estivesse revelando os segredos de Platão, mas que chora no banheiro porque não ganha curtidas o suficiente.
Mas calma lá. Não se trata de niilismo puro e rasteiro — embora Cioran, nosso mestre da misantropia romena, tenha dito com razão que “nascer é começar a morrer” (CIORAN, 2011, p. 37). A questão aqui é admitir, com a dignidade dos vencidos, que a vida não nos deve nada. Que a imensidão do cosmos não tá nem aí pro nosso CPF. E, justamente por isso, talvez haja uma beleza suja e sincera nessa insignificância. Ser um Zé-ninguém é libertador. Porque quando você deixa de querer ser especial, pode finalmente ser algo mais raro: um pouco mais humano.
Portanto, desça do salto. Jogue fora o troféu imaginário de “ser iluminado”. Abrace seu destino de poeira, aceite a comédia da existência e, se der tempo, ria de si mesmo. Porque, no fim das contas, somos todos figurantes do mesmo teatro cósmico — e o palco, meu amigo, tá afundando.
______E. E-Kan
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Referências:
BUKOWSKI, Charles. Notas de um velho safado. São Paulo: L&PM, 2001.
CIORAN, Emil. Breviário de decomposição. São Paulo: Rocco, 2011.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Tradução de Mário da Gama Kury. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
RODRIGUES, Nelson. O óbvio ululante: primeiras confissões. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SAGAN, Carl. Pálido ponto azul: uma visão do futuro da humanidade no espaço. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
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