Por que os ricaços gregos ficaram putos com Sócrates?



No tempo de Sócrates, o que mais enfureceu os oligarcas gregos — aqueles poucos que controlavam a maior parte da riqueza da Grécia e, portanto, do mundo conhecido — não foi exatamente o papo de que ele "corrompia a juventude" ou "desrespeitava os deuses da cidade". Isso aí foi só o álibi esfarrapado. E vamos ser honestos: quem acredita mesmo que a juventude, em geral, aprende alguma coisa decente sem antes cair de cara umas dez vezes na vida?

O que tirou o sono da elite ateniense — esses figurões que se achavam donos do mundo, da moral, da religião e, claro, do dinheiro — foi o fato de Sócrates dizer que não sabia nada. E, pior: que ninguém sabia porcaria nenhuma também. Ou seja, o cara subia na praça pública, olhava nos olhos dos poderosos e dizia, com uma calma irritante: “Você não sabe do que está falando, amigo. E o pior: acha que sabe.”

Essa ideia, aparentemente simples, era uma bomba nuclear no coração da arrogância grega. Porque se ninguém sabia nada — nem sobre a vida, nem sobre os deuses, nem sobre o que era justo, bom ou verdadeiro — então toda a base da moral, da política e da religião da cidade estava escorada num castelo de vento. E aí, meu amigo, a casa cai.

É por isso que Sócrates foi morto. Não porque falava de outros deuses. Mas porque dizia que as verdades oficiais eram fakes — que a vida dos atenienses era uma encenação coletiva, uma peça mal escrita. Ele expunha, sem anestesia, que a sabedoria grega era vaidade travestida de racionalidade.

E é aqui que entra o plot twist: o problema de Sócrates era justamente dizer isso — que o saber verdadeiro começa com a confissão da ignorância. E quem é que curte ouvir isso? Quem manda, quem tem grana, quem acha que nasceu com o selo “aprovado pelos deuses” no crachá, jamais aceita ser desmascarado. A verdade dói, e quando é dita na cara, vira crime.

E foi assim, simples e brutal: "Esse velho está perturbando demais, confundindo os jovens, bagunçando o coreto da nossa cosmologia... mata logo esse desgraçado!"

A ironia? A morte de Sócrates foi a maior aula de filosofia que ele poderia ter dado. E é isso que as faculdades de Filosofia raramente dizem aos seus alunos: o que mataram ali não foi um homem — foi a coragem de pensar contra o sistema.

Nietzsche, em Crepúsculo dos Ídolos, diz que Sócrates era um doente, um decadente, um homem que filosofava por ressentimento, um tipo trágico que só pregava a razão porque já não tinha mais força para a vida dionisíaca. Pode até ser. Mas mesmo que Sócrates tenha sido um "meio-suicida", como diz Nietzsche, ele teve culhão suficiente pra olhar nos olhos dos corruptopatas da sua época e dizer: "Vocês são ignorantes. E fingem saber."

Por isso, pra mim, o velho merece respeito. Não é pelo que ele sabia. É pelo que ele ousou dizer — e pelo preço que pagou por isso.

E. E-Kan

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Referências:

NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos ídolos, ou, como filosofar com o martelo. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2010.

PLATÃO. Críton. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2010.

PLATÃO. Fédon. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2002.

XENOFONTE. Recordações de Sócrates. Tradução de Maria Aparecida de Oliveira Silva. São Paulo: Paulus, 2004.


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