Somente um verdadeiro milagre cósmico pode salvar a humanidade dela mesma
Há tempos, lemos aquela frasinha: “O ser humano nasce bom. A sociedade o corrompe.” A ideia é bonita. Reconforta. Alimenta discursos sobre educação, direitos humanos e transformações sociais. Está nas escolas, nas igrejas, nos discursos políticos e nos livros de autoajuda. No entanto, basta olhar ao redor com um mínimo de honestidade — abrir o noticiário, percorrer a história ou simplesmente observar as relações humanas mais próximas — para perceber que essa crença não se sustenta por muito tempo no mundo real. A verdade, crua e indigesta, é outra: o mal não nasce da sociedade (criada pelo ser humano) — nasce de dentro do ser humano. A sociedade (cria do animal autodestrutivo, falante que se acha pensante) apenas lhe dá forma, armas, farda, crachá, toga, capital, palco e poder.
Essa crença na bondade inata tem raízes profundas no pensamento de Rousseau, que dizia que o homem é naturalmente bom, e que a civilização o corrompe. Karl Marx, embora materialista, seguiu esse mesmo caminho. Para ele, o ser humano é produto das relações sociais e das condições materiais em que vive. Se mudarmos a base econômica, diz Marx, mudamos o homem. Essa é a aposta de todo projeto progressista: transformar as estruturas para transformar a humanidade. Mas há um problema grave nessa ideia, um problema que fere a lógica de morte: quem criou essas estruturas? Quem fundou as instituições, os Estados, os exércitos, as prisões, as religiões de controle? Quem inventou a escravidão, a tortura, os campos de concentração, os golpes de Estado, os sistemas de vigilância e punição?
A resposta é simples e direta: foi o próprio ser humano. Não foi um sistema flutuante, nem uma entidade abstrata, nem uma força divina ou extraterrestre. Foi gente — como eu, como você. Dizer que a sociedade corrompe o homem é como dizer que o rio sujou a água que ele mesmo carrega. Ou seja, é tentar fugir de uma responsabilidade que está no âmago da nossa própria constituição. O mal não vem de fora. Vem de dentro.
Hobbes, já no século XVII, enxergava isso com clareza. Para ele, o homem é o lobo do homem. O estado natural da humanidade é a guerra de todos contra todos. A civilização só é possível porque existe um poder — o Leviatã — capaz de conter os impulsos destrutivos dos indivíduos. Maquiavel, por sua vez, via a política como arte da sobrevivência em meio à dissimulação. Os homens, dizia ele, são ingratos, volúveis, mentirosos e gananciosos. Nietzsche aprofunda essa visão ao afirmar que o homem é o mais cruel dos animais, justamente porque é o único que sente prazer ao fazer o outro sofrer. A civilização, segundo ele, não elimina essa crueldade — apenas a estetiza, a racionaliza, a transforma em moralidade hipócrita, em lei, em mercado. Já Freud, em sua análise mais psíquica da cultura, afirma que o ser humano é movido não apenas pelo desejo de vida, mas também por uma pulsão de morte. O que a civilização faz é tentar reprimir esse impulso. Mas o recalcado sempre retorna: sob forma de neurose, guerra, genocídio, ódio institucionalizado. A repressão nunca cura. Apenas adia o colapso.
A sociedade, portanto, não impede o mal. Ela o aprimora. Ela organiza o caos interno do ser humano, dando-lhe engrenagens, objetivos e benefícios. Dá diploma, farda, gravata, likes, bonificações. A selvageria que antes matava com paus e pedras, hoje mata com juros, com abandono, com desinformação, com fome, com o cinismo burocrático da política. O genocídio, hoje, é asséptico, eletrônico, invisível. A crueldade ganhou software, assessoria de imprensa e assinatura digital.
E o mais cruel de tudo isso: agora, essa maldade é vista como 'coisa normal' e celebrada. Quanto mais desumano, mais likes. Quanto mais canalha, mais seguidores. Quanto mais indiferente, mais status. O idiota virou rei. O canalha, coach. O assassino, herói de guerra. Como alertamos em nosso livro Teoria da Humanidade Zero, chegamos a um ponto em que não há mais inocência, nem esperança real. A idiotização se tornou um modo de vida. A desumanização, uma nova ética de sobrevivência. A ignorância, uma virtude. A barbárie virou um sistema de produção.
Diante disso, alguns ainda argumentam: “Mas então é tudo inútil? Não há salvação?” Não é bem isso. O que se diz aqui é que a salvação da humanidade não virá de fora — nem de dentro. Não haverá revolução, nem reforma, nem espiritualidade que consiga suprimir o núcleo sombrio do ser humano: o desejo de dominar, de humilhar, de vencer o outro mesmo que o outro precise ser esmagado. Esse desejo, quando não é enfrentado com honestidade radical, contamina tudo o que a humanidade tenta construir. Enquanto essa pulsão for negada ou disfarçada, todo projeto humano estará condenado a repetir a tragédia.
O problema do mundo, portanto, não é o sistema, o capitalismo, o comunismo, a direita ou a esquerda. O problema do mundo é o ser humano.
Está, mais do que claro, que da Caverna ao Código-Fonte, a Besta homo sapiens, não mudou. A besta que esmagava crânios com pedras e depois fez armas para matar mais, que viveu mais de 70 mil anos exterminando outras espécies, hoje programa algoritmos, gerencia bancos, comanda governos e “investe” em causas sociais. Portanto, 'a civilização moderna' tecnocrata-ultra-dinheirista, doentiamente apegada às coisas materiais como forma de realização existencial, mental, moral e espiritual, não é um antídoto contra a barbárie — ela é apenas uma nova versão da essência hedionda do ser humano, mais 'limpa', mais lucrativa, mais digitalizada, mais 'atraente', mais espetaculosa e, por isso, mais enganadora.
O ser humano não precisa da sociedade para ser corrompido — ele já nasce com a semente do mal dentro de si. A sociedade, criada pela maldade humana primordial, apenas organiza, sistematiza e turbina essa maldade, a transforma em estrutura, a torna lucrativa, legalizada e premiada. Como Nietzsche já dizia, citando os santos medievais, 'a estrada da humanidade é pavimentada com ossos, sangue e autoengano'.
Pode não ser uma verdade bonita de ouvir. Mas é, talvez, a única verdade que realmente explica por que, apesar de toda tecnologia, de toda ciência, de toda educação e cultura, o mundo continua afundado em guerras, desigualdades, ódio e decadência moral. É hora de parar de mentir para nós mesmos. A besta não foi domada. Apenas vestiu terno, aprendeu a discursar — e está no comando.
Claro, como reafirmadores da vida, autênticos Viajantes da Luz na Escuridão, sempre dizemos que "Há tempos para tudo. Mas, o tempo não para, o tempo urge. A vida sempre pode ser ressignificada, individual e coletivamente". A questão é: a humanidade atual, afundada no materialismo doentio, no apego doentio às coisas materiais, na banalização da vida, na auto-coisificação, na brutalização de si mesma, na ignorância deliberada total, na corrupção sistêmica global, na idiotização em massa via redes umbrais sociais e sua algoritmia do caos IA-lizada, afundado na violenta degradação mental, moral e espiritual, sobrevivendo entre a hedionda concentração de riquezas nas mãos de menos de 1% dos des-humanos que detém 99% das riquezas da Terra e seus meios de produção e a mega bolha do abismo social de misérias, injustiças e abusos criminosos, IRÁ DE FATO PARAR PARA PENSAR, SE REORGANIZAR E MELHORAR? Duvido e muito. A tendência, infelizmente, é o suicídio-genocídio global, o auto-extermínio nuclear, climático, pandêmico, o colapso total da coletividade de bestas, alcunhado de 'humanidade. Em suma, 'somente um verdadeiro milagre cósmico pode salvar a humanidade dela mesma'.
______E. E-Kan
Referências:
E-Kan. Teoria da Humanidade Zero. Ed. Liber Spiritus, 2021.
HOBBES, Thomas. Leviatã. 1651. Versão digital gratuita (Domínio público)
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 1532. Texto online (PT-BR)
NIETZSCHE, Friedrich. A Genealogia da Moral. 1887. Versão online
FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. 1930. PDF gratuito (domínio público)
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade. 1755. Edição gratuita
MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach e A Ideologia Alemã. Arquivo completo - Marxists.org
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