Livro: Andarilhos Errantes

 





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ANDARILHOS
ERRANTES

"Não estamos errando através de um vazio infinito? Não sentimos na face o sopro do vazio?" (Nietzsche, A Gaia Ciência)

Índice

Parte 1: Nem só de pão viverá o homem
Parte 2: A padaria do protervo
Parte 3: Breve lembrança
Parte 4: O hotel podrão
Parte 5: Prisioneiros do acaso
Parte 6: Mais um dia na existência
Parte 7: Um novo dia, um novo Adeus
Parte 8: A sina dos coveiros
Parte 9: A praça da igreja
Parte 10: O sentido da vida
Parte 11: A Segunda Vinda de Colombo
Parte 12, final: "Nota do futuro -  ou introdução à Teoria Zero"


Prefácio
"O que é a vida humana? Um milésimo de distração, num segundo de ironia, dum minuto da existência".

     Após vários anos de uma vida nas ruas do mundo, Rúlio e Hoca, dois Andarilhos Errantes, com histórias distintas, se encontram num banco de uma praça e travam um diálogo filosófico irônico, jocoso, direto e reto, em linguagem simples, facilmente compreensível a todos. Diversos são os assuntos: Ciência, Filosofia, 'para onde caminha a humanidade', 'qual o sentido da vida', 'amor, desprezo, solidão, otimismo, pessimismo, realismo', a exploração espacial e a colonização de outros mundos, entre outras coisas.
    Este livro também reflete uma pequena experiência pessoal nas ruas entre os 16 e 17 anos de idade, numa primeira tentativa frustrada de sair da cidade pequena onde nasci para tentar a sorte numa cidade maior em busca de trabalho, com a intenção de cursar uma faculdade. Um pouco dessa história pessoal também está presente nas histórias de Rúlio, Hoca e Elisa e ainda no livro: Um Diabo Que Virou Mulher.
    Contudo, essa não é uma autobiografia e muito menos um história pessoal, é uma reflexão sobre a humanidade e, ao mesmo tempo, um chamado às pessoas para observarem e refletirem que nem todos os Andarilhos, Mendigos, Moradores de rua, sem teto, são ignorantes, desocupados, drogados ou bêbados, como muitos preconceituosamente acham. São, sobretudo, humanos que merecem o nosso mais sincero respeito e compaixão.
    Independente de como a pessoa se encontre em determinado momento da vida, especialmente, na rua da amargura, ela tem uma história de vida e, portanto, devemos antes de tudo dar o benefício da dúvida, ter um mínimo de Empatia e analisar as coisas antes de emitir alguma opinião e, sobretudo, procurar fazer algo de útil por aqueles que realmente precisam e querem melhorar.
    Empatia de verdade não é se colocar no lugar do outro porque jamais se saberá o que de fato se passa no fundo do coração, da mente e da alma do outro. Empatia de verdade é, tendo completa noção de seus traços fortes e fracos, de suas gigantescas falhas e imperfeições, sem culpas, sem máscaras e sem julgamentos, sobretudo, sem querer parecer um santo ou guru, se desapegar totalmente de si, no momento da interação com o outro, para sentir o outro, sentir junto com o outro, procurando compreender o máximo possível a essência de suas dores, sentimentos e emoções, para depois, num outro momento, agir de maneira verdadeiramente construtiva e positiva e, dessa maneira, exercitar e aprimorar a amabilidade total junto com o outro, possibilitando, dessa forma, algum avanço no que entendo como a realização da Atividade Re-humanizadora em sua plenitude, na prática.
    De fato, há muitas pessoas nas ruas que tentaram ser melhores, ter uma vida melhor, mas falharam. Falharam e, diante do desespero e das pauladas da vida, perderam todas as esperanças no mundo e na vida e não querem nada mais além de se embriagar e se drogar dia e noite até morrerem.
    Essas pessoas, perdidas no vício das drogas, já totalmente incapazes de raciocinar minimamente direito, precisam urgentemente da atenção humanitária de todos, sobretudo, da atenção psicossocial e a compulsoriedade das autoridades e das leis vigentes, infelizmente. Mas, no entanto, há pessoas que apesar de todas as tragédias, injustiças, e até mesmo das bebidas e das drogas, que querem sair de tal umbral e melhorar.
    Na realidade, nenhuma pessoa, por mais louca que seja e por mais que diga em contrário, foi parar na rua porque quis, por alegre, por achar bonito, sempre há um problema, uma história, uma desgraça por trás de tudo. Há exceções, claro, como Diógenes Laércio de Sinope (412-323 A.C), o cão, O Cínico, lá na história para trás e alguns outros por motivos estritamente filosóficos e cientes das consequências.    
    Contudo, a maioria das pessoas que estão nas ruas só querem que os seus direitos 'lindamente' postos na Carta Universal dos Direitos Humanos e nas leis vigentes sejam cumpridos! A maioria das pessoas nas ruas, querem estudar, trabalhar, ter uma casa, viver bem, ou seja, querem ser ajudadas e querem melhorar.
    Os governos e os mega ricos (1% dos humanos que detém 99% das riquezas da Terra), que se acham donos das cidades, dos países e do Planeta, que tem condições de fazer algo para valer, não fazem nada ou muito pouco, porque só pensam em si mesmos, em Ter mais e mais, acumular mais e mais, e o pouco que fazem pela sociedade e pelas pessoas carentes, pelos moradores de rua só o fazem para tirar fotos para suas propagandas políticas populistas e demagógicas nas redes umbrais sociais! Essa que é a verdade.
    Em suma, o objetivo deste livro é discutir Filosofia, Ciência, Sentido da Vida, Bem, Mal, Além, o futuro da humanidade, as relações entre as pessoas, os problemas individuais e coletivos, mas, também, é chamar a atenção das pessoas, através das histórias dos Andarilhos Rúlio, Hoca e Elisa, para refletirem sobre a situação da mega bolha do abismo social de miséria, injustiças e abusos criminosos gerado pelo acúmulo de riquezas e refletir sobre os pobres do mundo, especialmente, sobre os que praticamente não tem nada além da companhia de um cachorro, um gato ou de outros Andarilhos e que tentam, de toda maneira, sobreviver à dura vida nas ruas, muitas vezes, passando uma vida inteira solitários e morrendo sozinhos.
    Ou seja, este livro também é um chamamento para que as pessoas reflitam sobre seus conceitos e preconceitos em relação aos pobres do mundo, especialmente, sobre os 'Moradores de Rua', os abandonados do mundo e tenham mais Empatia, Compaixão, Respeito e Humanidade em relação aos que se encontram nessa triste situação e que nada mais tem a perder.
    Dados da ONU*, anteriores à Pandemia do Coronavírus, estimam que existiam mais de 800 milhões de pessoas em situação de abandono, sem teto, pelas ruas das cidades em todo o Planeta Terra. Nos EUA, potência mundial, nação próspera, haveria quase 500 mil pessoas nas ruas, no Brasil esse número passaria de 222 mil pessoas nessa situação. Registre-se que, segundo a OMS, também há mais de 200 milhões de animais de rua, especialmente, cães e gatos, muitos, companheiros dos mendigos, andarilhos, moradores de rua, sem teto.
    O problema só se agrava em face da mega bolha do abismo social, causada pelo acúmulo absurdo, criminoso e hediondo de riquezas, onde menos de 1% dos humanos detém 99% das riquezas do Planeta. Além da evidente má vontade política dos governos e dos que tem condições de fazer alguma coisa pelas pessoas e pelos bichos em situação de rua mas não fazem nada ou muito pouco, a dificuldade das instituições, ONG´s e associações humanitárias nacionais e mundiais para fazer uma contagem mais precisa do número total dessa multidão de gente e de bichos nas ruas, também prejudica a elaboração e a realização de políticas públicas consistentes.
    Resumindo: no Pós-pandemia, é possível que haja mais de 1 bilhão de seres humanos abandonados e "invisíveis", junto de pelo menos meio milhão de bichos abandonados, igualmente "invisíveis" pelas ruas em todo o Planeta Terra.
    É evidente que a coisa fica muito pior quando refletimos sobre a mega bolha de abismo social, miséria, injustiças e abusos criminosos, que joga pelos menos metade da população mundial, quase 4 bilhões de seres humanos, em situação de pobreza e extrema pobreza, beirando a rua da amargura, e essa multidão de gente, sem querer, acaba puxando todo o resto para baixo, isto é, a outra metade da humanidade, quase 4 bilhões de viventes, como a pessoa que está se afogando no rio quando puxa a outra para o fundo), metade essa, dividida em classes de trabalhadores comuns assalariados, média baixa, média alta, alta e mega ricos.
    Os que estão embaixo se afogando na miséria do mundo, sem querer, puxam os que estão em cima junto para o fundo, é uma reação em cadeia à longo prazo! Afinal, quando há um grande contingente de pessoas sem trabalho, abandonadas pelas ruas, sem perspectivas de futuro melhor, sem esperança de dias melhores, isso gera uma fortíssima tensão na mega bolha de abismo social, pobreza, miséria e a infla mais ainda com a violência e todos os tipos  de problemas que devoram as cidades no mundo todo e, claramente, diariamente, o movimento das coisas mostra que, cedo ou tarde, tais problemas que só aumentam dia a dia, farão essa bolha explodir e aí será um Pandemônio brutal, o caos total.
    De fato, diante de tanta miséria, injustiça e abusos criminosos, é só uma questão de tempo para que essa mega bolha do abismo social exploda e detone tudo em toda a parte. Até, é importante destacar, embora, atualmente, haja alto teor de histeria em diversas correntes de pensamento catastrofistas atuais, muita fake news, muita 'pós-verdade', muita baboseira e teorias da conspiração, cada dia aumentam os rumores sobre planos dos que acham que mandam no Planeta, para uma drástica diminuição da população da Terra e que Pandemias piores que a do Sars-CoV-2, guerras e crises econômicas, crises fabricadas, serão uma constante daqui (2022) para frente. Contudo, como diria Stephen Hawking: "Enquanto há vida, há esperança".
    Enfim, este singelo livro, Andarilhos Errantes, trata disso tudo e de diversos outros temas da Existência abordados pela Filosofia ao longo da história da aventura humana na Terra, de maneira simples, para todos entenderem. É a tarefa hercúlea de transformar o que é complexo em algo simples, perfeitamente compreensível a todos. Esperamos ter realizado essa tarefa a contento dos que nos lerem.
    "Diante da Imensidão Cósmica Interestelar, da Incomensurabilidade da Vida e da Inefabilidade da Existência, ainda somos meras partículas de poeira cósmica pensantes", também afirmará o curioso Andarilho Rúlio. Um alerta para toda a humanidade e ao mesmo tempo, uma reflexão sobre o que somos como indivíduos e coletividade, tudo, redundando num rápido mergulho ao fundo da alma humana, é o que pretende esse texto.
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Emerson Rodrigues
E-Kan


Parte 1: “Nem só de pão viverá o homem"

Nas ruas, também haverão noites que você não dormirá nem a pau. E noites que dormirá feito uma pedra, como se tivesse levado uma paulada na cabeça. A vida é assim, um dia cheio de tesão e no outro procurando a razão de existir do Universo. E quanto mais velho você fica, mais louca a coisa fica.
De fato, nem tudo nesse mundo cão é dor e ranger de dentes mas, na maioria da vezes, parece que levamos uma vida dos diabos! Cansado das andanças sem sentido do dia e como se as tripas estivessem sendo cozidas pela bebida de 300ª categoria, deito-me debaixo de uma marquise às quatro da madrugada, com a esperança de dormir até mais tarde, ou, se tiver sorte, não acordar mais, mas, não sei porque, talvez só por sacanagem, a vida me mantém aqui junto a muitos outros como eu, jovens, velhos, crianças, mulheres, cães, gatos, os abandonados, os odiados, os rejeitados, os desprezados, os esquecidos, aqueles que o mundo cão descartou.
Certa vez, um velho mendigo, Tango, me disse: "dormir nas ruas é como dormir no purgatório, entre o Céu, o Inferno e lugar algum. E mesmo às vezes choremos, não adianta chorar, muito menos se perguntar o porquê de tudo. Ninguém vai escutar, porque nunca haverá ninguém". E se alguém pensar que Tango se entregava, está muito enganado. Ele foi o Andarilho mais iluminado que conheci nas ruas, de um coração, de uma alma, de uma compaixão por tudo e todos e um amor cósmico incomensurável. Certa vez, vi ele dividir a marmita que comprou, com o dinheiro das latinhas de cerveja que catava, com todos os Andarilhos ali presentes e ainda alguns cachorros e gatos, do lado da igreja. Jamais me esquecerei daquela cena, sobretudo, quando olhei para Tango e vi seu rosto que parecia transfigurado, como se fosse o próprio Jesus Cristo, rindo, alegremente. Ao sentar perto de mim, o velho e sábio Tango, pôs-se a cantar uma canção mexicana que diz:
"Com dinheiro e sem dinheiro
Faço sempre o que quero
E a minha palavra é a lei
Não tenho trono nem rainha
Nem ninguém que me entenda
Mas continuo sendo o rei"_(Música El Rey, de Composição de José Alfredo Jiménez e famosa na voz de Vicente Fernández).
"As pessoas gostam de fazer barulho. É como se fazer barulho as distraísse e as afastasse de seus demônios. Mas os demônios de cada um estão dentro de cada um", dizia Tango. "Dizem que é necessário, que é preciso! Bando de otários. Bonecos, marionetes, escravos, meros pagadores de impostos que bancam a vida boa dos políticos que não valem nada! Iludidos da vida! É o que são! A maioria parece que já morreu e esqueceu de cair! A maioria não faz nem ideia do que é a vida. O louco irlandês, Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde disse certa vez: “Viver é o que há de mais raro neste mundo. Muitos existem, e é só", asseverava Tango em seus momentos de plena inspiração.
 Eu dizia a ele: todos tem seus motivos para serem o que são, fingirem ser o que não são e fantasiar o que nunca serão. Às vezes, para a maioria das pessoas, as ilusões são a única tábua de salvação, o único meio de suportar a vida nesse mundo cão. Entretanto, concordo, Tango, como gostam de fazer barulho! E Tango ria, e saia em silêncio, olhando para o chão, com as mãos para trás, imerso em pensamentos.
De fato, Tango tinha razão, nem bem o Sol do outono dá a cara e já estão nas ruas feito loucos, andando, correndo, falando, gritando, buzinando, tudo para pagar seus impostos e se iludirem com uma vida de sonhos que jamais realizarão.
Há louco para tudo nesse mundo, mas não há mundo suficiente para todos os loucos. Imaginem que, em algum momento da insana Idade Média, muitos acreditavam que algumas pessoas geniais, que falavam, pensavam, liam, estudavam, pesquisavam e se aprofundavam em conhecimento, eram 'doentes mentais'. Pior, em dado momento desse período diabólico da história, muitos acreditavam que os que eram declarados 'doentes mentais',  tinham uma pedra na cabeça que precisava ser removida. O pintor Hieronymus Bosch (1450-1516), em sua pintura, 'A Extração da Pedra da Loucura', ironiza a canalhice insana dos que achavam que os gênios eram loucos e que os loucos tinham uma pedra na cabeça dizendo, nas pinturas, que na verdade não se tratava de uma pedra, mas de uma planta, uma Tulipa, que tornara-se, doravante, um símbolo da beleza e da ternura, sobretudo, da genialidade. Em resumo, os imbecis da humanidade, os verdadeiros loucos diabólicos, fizeram isso antes e o farão de novo. Ou seja, cedo ou tarde, a ditadura da idiotice e a mega bolha do abismo social explodirão e toda a loucura virá à tona. Nesse dia, será o 'salve-se quem puder total'. Há quem tenha esperança de que os loucos geniais ainda salvarão a humanidade.
Mas, enquanto o mundo humano cão não se afoga no próprio sangue, uns fodem, outros roubam, uns vão à igreja, outros ao trabalho, e alguns à quem o destino, a sorte ou o acaso privilegiaram, de vez em quando, podem repousar até mais tarde. Não é uma bênção? Desde que não fôssemos perturbados! Não fossem as luzes, odiaria ainda mais o centro da cidade. Jurei a mim mesmo: ‘não dormirei mais debaixo das marquises’, porque sempre tem um filho da puta, com ódio da merda que é no mundo, querendo meter fogo num 'morador de rua'.
O frio das cidades do Sul lembra Moscou. Já estive lá. Aliás, já estive em vários lugares e agora estou finalmente em mim mesmo, o que dá na mesma merda. A biblioteca municipal abre só às nove. Até lá, vou trocar umas moedinhas sujas, enlameadas, que por acaso achei no chão, por um singelo pãozinho com um copo de café. Afinal, todo trabalhador, especialmente, um trabalhador cerebral, deve ter o direito de pelo menos ter um café pela manhã, não é?
Andando pelas ruas podemos notar como o mundo anda impressionantemente idiota e violento. Basta você observar as pessoas andando feito zumbis com seus celulares, os prédios, os telões, as propagandas, os carros, os crentes nas portas das igrejas, as prostitutas nas esquinas, os bêbados, os pobres preguiçosos, os vagabundos, os nóias nas praças, os ricos babacas e os politicopatas, todos, a perambular pela cidade, cada vez mais suja e violenta, mas com o celular grudado nas mãos.
Todos seguindo, cada um atrás de novas-velhas ilusões, imersos nas redes umbrais sociais. Outro dia, vi dois homens brigando por causa de um pequeno acidente no trânsito. Uma discussão, poucas palavras, muitas balas, gritaria, polícia, ambulância e um cadáver no meio da via. Menos um no mundo, infelizmente, e por causa de que? Coisas materiais, ego, orgulho besta, ignorância. Duas famílias destruídas. Um morto, outro na cadeia. E após o IML ir embora com o defunto, tudo voltou ao 'normal', como se nada tivesse acontecido. Mas enquanto o cadáver lá estava, uma multidão de pessoas fazia vídeos com seus celulares. Esse, o mundo cão dos dias de hoje. É óbvio que sempre foi assim, mas agora parece que piorou.
Em meio a tanta loucura, uma coisa é certa, ninguém dispensa os bons e velhos andarilhos, nem mesmo um mundo cão que se alcunha de 'moderno'. De fato, existimos na Fenícia, na Suméria, na Grécia, em Roma, atravessamos os milênios e cá estamos nesse mundo insano. Se continuarmos nessa ‘vibe’, quem sabe um dia sejamos imortalizados! Se fôssemos desapegados das coisas de verdade, creio, fundaríamos uma academia, como a de Platão ou de Diógenes Laércio, “O Cão, O Cínico”, meu preferido logo depois de Nietzsche e Bukowski.  
A vida é bem louca mesmo, não é? Semana passada, a algumas quadras da padaria onde barganho meu café, encontrei uma moça na calçada. Ela tinha um cheiro estranho mas um lindo sorriso e devo dizer, curvas do tipo que faria até o mais hábil motorista capotar. Alguns, pseudo-românticos de boteco, disseram que "as mais belas curvas de uma mulher, são as do seu sorriso". Besteira. Todas as curvas de uma mulher importam. As curvas onde todo homem um dia se perderá, tombará e capotará. O resto é apenas o resto, idealização.
Essa moça, de estranho cheiro, de sorriso Apolíneo e, ao mesmo tempo, Dionisíaco, se dizia Hippie e também se dizia ‘fora do sistema’. Demorei-me alguns instantes observando ela.   
Mas, você está fora do que? Perguntei.
Do sistema cara! Sabe? O sistema? Ela disse.
Mas são tantos sistemas, que temos de definir sobre qual sistema estamos falando, se é político, social, moral, financeiro, religioso, ideológico ou do raio que o parta...Disse a ela.
E ela respondeu, sorrindo: Cara! Que o diabo me leve se tudo não for a mesma merda! Porém, eu me refiro ao sistema dessa vida aí, você sabe! Desde pequeno você é treinado a fazer o que é “certo”, não fazer nada de “errado”. Desde pequeno, alguns panacas nos disseram para sermos “alguém”  e  'ai'     de nós se acabássemos como “zé-ninguém!'. Saca? Sabe, tudo isso, essas coisas desse sistema de vida, é uma grande bosta, uma droga mesmo! Essa sociedade que exige as tripas e o coração de nós, caga para nós, para o indivíduo, não dá oportunidades mínimas para sermos melhores, que dirá sermos o que queremos ser. Entende?
Mas eu não faço parte dessa droga toda mais, não colaboro com essa hipocrisia, minha vida é alternativa, como a sua. Você dorme aí pelas ruas, vai à biblioteca, caga no mato, mija nos postes da praça, anda de cidade em cidade como um fantasma, estamos fora do sistema, sacou?
Pensei comigo: que mulher louca! Mas disse-lhe: compreendo.
À medida que ela falava e falava muito, eu me divertia com suas ideias alternativas e com aquele estranho e belo sorriso, muito bem encaixado naquele corpo de curvas muito atrativas. Contudo, para mim, como penso ser a existência humana algo vazio de sentido, tanto faz.
Sim! Para mim tanto faz se estamos dentro ou fora de alguma coisa. Eu que conheci muitos lugares, viajei o mundo, frequentei os mais pomposos círculos, tive o prazer e a honra de ter as mais diversas mulheres na vida e na cama, agora, naquele instante da existência, me comprazia ao olhar aquele Ser que parecia ter engolido um rádio.
E naquele instante, como que tivesse uma regressão, me veio à memória momentos em que a ilusão de viver em sociedade me fazia acreditar, ridiculamente, que a vida humana teria algum sentido, algum porquê, que a felicidade podia ser alcançada e contínua, que o amor muda a tudo e a todos. Tudo uma grande idiotice! Uma tremenda ilusão!
Recordava-me de Pepita Monserrá. Mulher doce e amável, que prometendo o paraíso quase me levou junto para o inferno, não fosse o cornudo do seu marido ter errado de quarto e quase assassinado a outro casal.
Sim, foi em Paris, quando o mundo ainda tinha graça e as pessoas não matavam por qualquer bosta. Não sei porque, mas o sorriso daquela louca me trazia tais recordações.
Para ver que mesmo na desgraça, na indigência humana, algo nos faz lembrar de instantes únicos, instantes em que tocamos algo belo e ao mesmo tempo louco, perigoso, mortalmente prazeroso.
Quando voltei a mim, voltei a dar atenção ao que me dizia aquela belíssima Hippie fora de época, e que me convidava para fazer-lhe companhia.
Ela disse: que acha de viajarmos juntos por aí? Eu te ensino a fazer meus trabalhos, dividimos os lucros, a comida e a bebida que conseguirmos, enquanto observamos as formigas no seu dia a dia, que me diz?
Então, lhe respondi: olha, até que sua proposta me parece interessante, mas... mas... (a vida tem muitos mas) Eu ando sozinho, entende? Não é nada contra, só que esse é meu jeito de ser, entende? Eu gosto de ‘estar’ com as pessoas, para mim não há nada mais divertido, porém, viver com elas me é impossível. Prefiro apenas ‘estar’, como estou com você, aqui e agora. Logo mais estarei em outro lugar e pode ser que algum dia, talvez numa outra vida, ‘estejamos juntos’, num outro momento, mas nessa vida, não conseguiria viver com ninguém por muito tempo...
Meio abismada, ela disse: isso é bem estranho, louco, solitário e idiota. Você estar e logo não mais estar. Ou você é muito esperto ou tremendamente burro...
Eu: talvez os dois? É sério! Não consigo viver com as pessoas. Não por muito tempo! É tipo uma certa anedota que diz: 'Jesus te ama porque não convive com você". Quero dizer, você acha que pode ser legal passar um tempo comigo, mas não me conhece. Eu me conheço e sei o quão chato ou perturbador posso ser. Entende?
Ela: acho que não. Você é ‘diferentão’. Apesar de ser um andarilho como diz, anda razoavelmente cheiroso, limpinho. Você não parece ser o que é. Fugiu da cadeia ou de um manicômio?
Eu: que ironia! Também penso que você não é o que quer parecer ser.
Ela: talvez, se tivesse te encontrado numa outra vida, teria me casado com você! E depois te deixado, partido seu coração, como convém a todas as mulheres inteligentes e honestas consigo mesmas.
Eu: é mesmo? Então você não é daquelas que juram querer ficar junto para sempre?
Ela: alguns homens que se acham espertos, mas andam por aí pela vida feito bêbados, querem ouvir só o que eles querem ouvir. Não querem ouvir e nem ver a verdade. Na maioria das vezes, as mulheres só precisam dos homens para não se esquecer de que são mulheres. Apenas isso...
Eu: compreendo você. Mas isso não me surpreende, porque as mulheres também adoram mentiras sinceras, e se esquecem de que os homens só as querem, na maioria das vezes, para se sentirem homens.
Ela: isso é machismo ou egoísmo?
Eu: talvez realismo? Mas tanto faz! Não caio nessas modinhas pseudo-intelectuais, machonismo, fêmeanismo etc. Sobre isso, certa vez, um andarilho que chamavam-no de Alemão, escreveu um poema-pensamento que ele intitulava de: 'O último voo do Vogelfrei (pássaro livre ou livre como pássaro, como quiser), como que um testamento, e em suas letras ele dizia assim:
[...] Já fui átomo, estromatólito, ameba, bactéria, vírus, verme, dinossauro...Já fui macaco, pássaro, cão, gato, asno, hermafrodita, homem, mulher, andrógino, gay, lésbica, afim e contrário...Já fui louco, sábio, assassino e assassinado...Já fui bandido, herói, santo, pecador, artista, prostituta e escravo...Já fui amante, amei, fui amado, traí, fui traído, odiei e fui odiado, perdoei e fui perdoado...Já fui vítima, carrasco, ditador, revolucionário, caçador e caçado... Já fui anjo, demônio, mendigo, rico e miserável...Já fui, voltei, vivi, morri, vaguei, me perdi, me reencontrei e renasci tantas vezes que até perdi o cálculo...Agora tenho consciência de que todos nós já fomos de tudo no passado, Agora sei que tudo o que temos é a vida, vida e mais vida em todos os mundos, em todas dimensões, em todos os universos possíveis, por todos os lados...Agora, compreendi que tudo o que temos é o 'presente passado futuro' em nossa andança infinita pela incomensurabilidade dos cosmos, encarnados e desencarnados [...]. Louco, não?
Ela: crazy, man!
Eu: daquele dia em diante, minha mente deu um 'salto quântico', e por isso, penso que tais modinhas, me refiro as militância encarniçadas, são manobras de politicopatas-espertalhões de partidos políticos para dividir o povo entre 'nós X eles', e, assim, enquanto o povo, instigado pelos politicopatas a trazer para fora o pior que há dentro de si, briga por nada entre si, ou seja, enquanto pessoas que nem se conhecem se odeiam na internet, eles, os politicopatas vivem como reis no Poder. Penso, firmemente, que somos todos meras partículas de poeira cósmica pensantes e, de fato, ninguém é melhor que ninguém, nem por ter dinheiro, nem por ser diferente, nem por tentar ser aquilo que quer ser. Respeito o Espírito em Revolução e Evolução que somos, embora ainda sejamos apenas infinitamente pequeninos diante da imensidão cósmica, da incomensurabilidade da vida, na inefabilidade da Existência.  Isso é clichê? Foda-se, a verdade é que somos todos a mesma merda no tabuleiro da vida, e no final todos acabaremos como um monte de peças usadas, na mesma caixa, rumo ao Desconhecido dos desconhecidos.  O que quero dizer é que, não dou a mínima para essas coisas e que meu lema é bem simples, independente de quem você seja, o que você seja, homem, mulher, gay, travesti, rico, pobre, mendigo, novo, velho, criança, o que for, respeitou? Será respeitado. Não respeitou? Não espere que eu te respeite. Se você me der uma porrada, talvez eu te ignore. Mas se você me der duas, eu revidarei, primeiro em defesa de minha vida, embora para muitos, como andarilho que sou, talvez ela não tenha nenhum valor, e depois porque não sou sangue de barata feito muitos que parecem que já morreram em vida.
Ela, sorrindo como uma menina mulher malandrinha, diz: bem, de qualquer forma, as mulheres precisam dos homens para alguma coisa, assim, vemos que vocês não são tão inúteis.
Rimos juntos, então lhe disse: parece que até o inútil é algo útil!
Ela: que engraçadinho...
Eu: como você se chama?
Ela: Elisa, e tu?
Eu: Rúlio.
Ela: com J?
Eu: não, com R mesmo.
Ela: interessante, deve ter alguma história por trás desse nome, não quer me contar? Senta aqui!
Eu: adoraria compartilhar com você, Elisa. Mas eu preciso ir.
Ela: já?
Eu: sim, tenho de tomar meu café, antes de ir trabalhar e antes de tomar minha dose diária do meu conhaque barato. Só não te convido, porque estou tão quebrado quanto o Mundo.
Ela: não sabia que o Mundo estava tão quebrado assim, com tantas riquezas. Mas, vamos fazer assim: você paga o seu e eu o meu, ok? Rúlio?
Eu, meio reticente: é que...
Ela: não seja chato, (juntando os troços de Hippie do chão), vamos? Trabalha em quê?
Eu: sou um trabalhador cerebral, embora as coisas da minha mente não sirvam para bosta nenhuma.
Ela: não sei como é possível isso, ‘uma mente que não serve pra bosta nenhuma’, mas enfim... Me conta no caminho. Vamos? Rúlio?
Eu: já estamos indo!

Parte 2: A padaria do protervo, o gordão desbocado

Normalmente, tenho o café da manhã, por mais miserável que seja, como um ritual. E por ser raro para mim, estou sempre solitário. É melhor assim. Sento-me na cadeira no canto da padaria. Fico olhando as pessoas que me olham como se eu fosse um saco de bosta ou um terrorista.
Sinto-me dentro de um drama disfarçado de comédia. Outrora, uma comédia, disfarçada de tragédia. Só aceitei a companhia de Elisa, porque ela me parece agradável, me diverte, mesmo eu duvidando que ela tenha algo que preste na cabeça.
Se eu vivia como um cão, vagando entre a assim alcunhada ‘humanidade’, essa mulher parecia uma cadela. Trazia consigo apenas uma trouxinha, com seus apetrechos, roupas surradas, meio rasgadas, e penduricalhos no pescoço e nos ombros, que se misturavam ao longo cabelo ruivo, o qual descia até a cintura fina, ora se espalhando para frente, entre os fartos seios, quase à mostra. Impressionava-me como uma mulher conseguia sobreviver ao mundo insano e violento nas ruas, sem nada e sem ninguém! Para mim, que ainda sou homem, que já tive de tudo, que conheci os dois lados da moeda, riqueza e miséria, tudo é muito difícil, imagina para Elisa?

Nota explicativa sobre Puto e Puta

[...] Na mitologia romana, de acordo com Arnóbio, Puta é uma deusa menor da agricultura, que preside a poda das árvores. De acordo com uma versão, a etimologia do seu nome viria do latim, e seu significado literal seria "poda". Os festivais em honra a esta deusa celebravam a poda das árvores e, durante estes dias, as suas sacerdotisas manifestavam-se exercendo um bacanal sagrado (durante o qual se prostituíam) honrando a deusa, o que explicaria o significado corrente do termo "puta" e suas variações nas línguas românicas. [...]_1
[...] 'A palavra puto vem do latim «putu-» que significa menino, rapazinho. Em Portugal, puto é garoto; miúdo; catraio. Em sentido vulgar, é indivíduo desprezível. Contudo, no Brasil, puto também é masculino de puta, significando, como adjectivo, chulo, corrompido, devasso. Não tem, portanto, o sentido que lhe é dado em Portugal, pois naquele país existe o termo guri, que vem do tupi, para designar o garoto, o catraio, etc. Ainda, neste país, puto seguido de um substantivo (com ou sem preposição de, seguida de artigo ou contraída com ele) corresponde a uma qualificação depreciativa ou apreciativa de coisa ou pessoa designada pelo substantivo. Exemplos: «Não tinha um puto vintém»; «Escreveu um puto dum romance». Como substantivo masculino, significa ainda homossexual, indivíduo dissoluto, etc' [...]_2

De volta à padaria

Ao chegarmos à padaria, ‘seu Manoel’, um portuga boca suja, abria sua bocarra cheia de dentes, alguns de ouro parecendo um cigano, e movimentando seu bigode ridículo, como sempre fazia, dava as ‘boas vindas’: Puto! Puto Rúlio! Quanto tempo! Encontrastes uma bela ‘puta’ ein? Eu o detestava por isso, mas o que podia fazer, se ele me aguentava na sua birosca?
Confesso que ao ser recebida com a palavra ‘puta', temi que Elisa o xingasse de tudo quanto é nome. E aí seria o fim do meu café, já que outros lugares raramente permitiam a entrada de ‘andarilhos’.
Porém, por sorte, ela não deu muita atenção a Manoel e foi sentar-se, justamente no lugar onde eu sempre sento. Mas, como sou desapegado de tudo, não tive muita resistência e cedi meu lugar para a ruivinha.  
E enquanto fui ao banheiro certificar-me de que os olhos ainda estavam no lugar de sempre, Manoel, o cara de pau, tinha deixado um pão e um café para mim e um sanduíche para Elisa. Ao ver aquilo, perguntei se ela tinha teimado e pago tudo.
Elisa respondeu: o senhor bigodão ali disse que era cortesia.
Eu, desconfiado: mas que bondoso está Manoel hoje!
Ela: ele me fez uma proposta.
Eu: que proposta?
Ela: se eu for ali atrás do biombo e colocar a minha boca onde ele indicar, me dá almoço, janta, um banheiro onde me lavar e mais cem contos!
Eu, espantado, mas nem tanto, digo baixinho: que grande filho da puta ‘seu Manoel!'.
Ela, rindo como uma dama da vida que não dá a mínima para o que as pessoas acham ou deixam de achar, disse: o que você acha?
Eu: realmente, nesse mundo insano, algumas coisas são mais fáceis para as mulheres...
Ela: pera ai! Nem sempre faço isso! Somente em fases de grandes necessidades!
Eu: sei! Não estou te julgando! É que não imaginava que você fosse assim...E eu não faço sexo só por esporte... Aliás, faz tempo que não faço nada, além de... deixa pra lá!
Ela: eu também não, Rúlio! Faço por necessidade, por gostar e quando estou a fim, faço com gosto...
Eu: você está a fim? Então, faça o que você está a fim de fazer, ué!
Ela, loucamente sorridente, como sempre: espera-me aqui, tá!
Passei a mão no rosto, desiludido e vi Elisa, a ruiva, com seu cabelo comprido, seu bumbum grande, suas pernas grossas e seus seios fartos, uma maravilha da natureza que qualquer homem mataria para se acabar com ela, ir até atrás do biombo do ‘puto’ Manoel!
Não restando outra coisa a fazer, senão praticar a ataraxia, (tranquilidade da alma, ausência de perturbação), comi meu pão que o puto Manoel amassou, tomei meu café, lustrei minha garrafinha de conhaque.
Alguns minutos se passaram e Elisa voltou. Sorrindo um sorriso lunático e silencioso, aquele sorriso que apenas as pessoas que vivem no extremo pelas ruas desse mundo insano, têm.  Observando aquela mulher, notei que não havia vergonha alguma em sua face, talvez um misto de loucura e tristeza eclipsadas pelo sorriso quase lunático.
Ela: não olhe para mim como se fosse meu pai ou meu marido, não me julgue e saiba que muitas mulheres, vistas como sérias na sociedade, fazem muito mais do que eu acabei de fazer com o Bigodão e por muito menos!
 A maioria delas está por aí, se desdobrando em empregos que odeiam, ao mesmo tempo em que cuidam de maridos idiotas, de filhos ingratos, e, outra parte, igualmente numerosa, está a fazer tudo isso e ainda a lutar pelos direitos das mulheres. Já ouviu falar da Belle de Jour? Foi uma das mais famosas prostitutas do mundo e vivia na Inglaterra. Claro, ela era prostituta de luxo, ganhou muita grana porque só saiu com ricaços. Depois de um tempo ela escreveu um diário para um jornal famoso de Londres e nele contava que muitos de seus clientes a tratavam muitíssimo melhor do que os namorados que teve e demais homens com quem ia a encontros românticos. Inclusive, um desses imbecis que se achava 'namorado' e 'dono dela', ameaçou revelar sua verdadeira identidade mas antes que o otário fizesse, ela mesma o fez e o mundo ficou conhecendo a verdadeira Bella de Jour de Londres, Drª Brooke Magnanti, uma estonteante loira que pesquisava o câncer infantil. Na época, Belle de Jour, Brooke, disse que se prostituía para ter grana para seguir com os estudos científicos. No fim, por causa da reviravolta na sua vida, ela deixou de lado tais estudos e seguiu como escritora.  Quanto a mim, não sou prostituta, mas como Belle de Jour, faço tudo o que quero e quando quero, por dinheiro mas também porque tenho vontade e ninguém tem nada a ver com isso. Espero que isso não seja um problema para você!
Eu: se esse tipo de coisa fosse um problema eu refletiria sobre ele, mas não, não vejo como um problema. Sério. Para mim tanto faz! Tudo nessa vida é uma mera distração antes da ‘noite eterna do tempo’, como diria Raul Seixas!
Ela: sei... Olha só, tenho cento e cinquenta contos, podemos ir a um motel barato, depois vazar para outra cidade amanhã, e se quiser, podemos curtir, nos ‘distrair’.
Eu: Elisa, sabe que estou de saco cheio dessa bosta de cidade e dessa gentinha retardada, com suas caras de moralistas pau no cu? Confesso que sinto uma vontade enorme de passar um tempo numa cidade pequena. E já que não há mal nenhum nisso, aceito tua proposta, mas com uma condição!
Ela, achando graça: eba! Que condição?
Eu: dormiremos em camas separadas ou eu durmo no sofá, ou no tapete, pois não quero me ‘distrair’ além da conta.
Ela: Você é viado? Bichona?
Eu, rio e digo: não, porra!
Ela: chato você! Mas, tudo bem! Vamos embora! A vida nos chama para novos momentos!

Parte 3: Breve lembrança


Antes de sairmos da padaria, Manoel, o sem vergonha, veio até mim e me disse: meu bom puto! Venha mais vezes e traga a sua amiga!
Olhei fixamente nos olhos daquele portuga desbocado e, novamente, veio à tona um episódio grotesco que vivi na África do Sul.
Na ocasião, estava visitando o país na condição de pesquisador, atrás de espécies exóticas de peixes e outros seres do mar. Nem sei porque diabos fazia tal pesquisa. Mas, lá encontrei muitas coisas exóticas.
Fiquei quase um ano em Zanzibar. Após a “partilha da África” (1880-1913), o arquipélago, tornou-se um recanto de ingleses e alemães, depois se tornou muito frequentado por Árabes e outros povos. Um lugar belo, às margens do Oceano Índico. Além de peixes exóticos, Zanzibar também tem coisas especiais como cravinho,  canela e pimenta.
Em nesse fim de mundo, conheci Harare. Nunca vi uma negra tão bonita e atraente quanto Harare. Ela era mulher de um pobre pescador. Homem de pavio bem curto, o marido de Harare jurava matar quem se aproximasse da mulher com segundas e terceiras intenções.
Mas, de vez em quando, sem o saber, ou se fazendo de burro, ele abria certas exceções aos Ingleses que enchiam seu cu de graveto, ludibriando-o e enchendo sua bola ao comprar seus pescados.
Os sacanas dos Ingleses convidavam Harare e seu esposo para irem a reuniões onde também estariam as outras esposas. O marido ignorante e que às vezes se fazia de idiota, a deixava ir a tais encontros e pedia para justificar sua ausência porque estaria no mar pescando.
No lugar de senhoras inglesas, estavam alguns oficiais Ingleses que davam a Harare do bom e do melhor, até certas substâncias que literalmente faziam baixar a ‘pomba gira’ na mulher.
Harare se desnudava e como uma grande vagabunda dava para todos os ingleses canalhas presentes na orgia. Alguns eram até 'viados', mas participavam da coisa, segundo me confessou Harare um dia, enquanto fodíamos atrás de uma birosca dos pescados do marido de pavio curto e que se fazia de burro. Vai ver, ele gostava de imaginar a mulher dando para outros. Tem muito idiota que gosta disso.
E mais uma vez, repito, acontecem coisas muito loucas na vida, e mesmo na desgraça, na indigência humana, algo nos faz lembrar de instantes únicos, instantes em que tocamos algo belo e ao mesmo tempo louco, perigoso, prazerosamente mortal, mortalmente prazeroso.
Despedimo-nos de Manoel, o protervo, o portuga gordão e desbocado, e vazamos, passando o dia pelas ruas, como cães de rua, e à noite fomos para a pocilga apelidada de hotel.

Parte 4: O hotel podrão

O lugar parecia abandonado, cheio de ratos, baratas e fedia a velhos morrendo. Mas, ficava do lado da rodoviária, o que facilitaria para pegar o ônibus após uma noite de bebedeira e fodelança.
Tomamos um banho no chuveiro frio, mas tudo bem, fazia um calor de lascar. Nos alimentamos comendo umas maçãs que Elisa tinha na sua tralha de Hippie.
E antes de deitarmos, ela tirou um negócio de uns dos bolsos da velha jaqueta, desembrulhou aquele troço, um pó branco e colocou na mesa. Espalhando com o cartão do SUS fez duas carreiras. Adivinhe para que serve uma nota de R$ 2 reais?
Depois daquilo ainda bebemos umas cervejas que Elisa tinha pego na portaria da pocilga. Falamos sobre tudo, andanças loucas, filosofia e até sobre as fodanças. Mesmo ligado no 220, deitei-me num sofá velho, empoeirado, enquanto Elisa fazia mais duas carreiras daquele pó e dançava ao som de um celular velho com a tela quebrada, que sabe Deus como ela conseguiu. Tocava uma música do Johnny Cash, ‘Ghost Riders in the Sky”. Elisa estava ‘loucaça’. E eu quase apagando, meio delirando e muito bêbado. De repente, ela não parava de me olhar, parecia Urubu manjando uma carniça. Ela veio se chegando, tirou a velha jaqueta e vagarosamente deitou-se ao meu lado no sofá.
Fingi que já estava apagado. Elisa deitou com aquela bunda maravilhosa se esfregando em mim. Forcei um sono, como se fosse um estoico, apático. Ela se mexia, enroscando aquela bunda no meu pé de mesa por cima da calça.
Noite quente? Disse Elisa.
Eu: tá calor mesmo e você ainda vem deitar aqui comigo.
Ela: me deu vontade.
Eu: sei.
Ela: ficou imaginando quando eu estava lá com o Manoel?
Eu: porra, nem quis estragar minha alma mais do que já está estragada,  imaginando aquele barrigudo bigodudo com você.
Ela: Manoel disse que tem esposa, mas que ela não dá para ele faz tempo, e por isso, Manoel não a suporta mais.
Eu: claro, esse é o papo mais comum que se ouve por aí.
Ela: quanto tempo um homem consegue ficar sem entrar numa mulher, sem sexo, sem putaria, sem gozar de verdade?
Eu: depende de cada um. Eu não me importo com mais nada nessa porra de mundo, então, não sinto mais prazer por quase nada.
Ela: ah é? Só pela tua filosofia de louco?
Eu: talvez porque ela não me deixa ser normal como o resto da humanidade...
Ela esfregando e pegando firme por cima da calça, como uma mulher experimentada da vida sabe fazer: E essa coisa tomando volume aí por dentro da calça? Está excitado?
Eu: Não...
Ela: e agora que minha mão está pegando nessa coisa enorme?
Eu: não sinto nada ainda.
Ela: e seu eu tirar esse negócio para fora e botar minha boca toda nele?
Eu: tanto faz...
Elisa fez o que disse que ia fazer enquanto dizia: que coisa enorme você tem Rúlio, adoro isso.
Eu: puta que pariu, Elisa!
Ela: Que gostoso!
Elisa tinha métodos estranhos para conseguir o que queria. E ela sempre conseguia. Creio que ninguém conseguiria resistir à ela, nem mesmo Odisseu, também conhecido por Ulisses que, amarrado ao mastro do navio, resistiu às tentações das insanas Sirenes, também chamadas de Sereias. Se quisesse, certamente, Elisa já estaria na alta sociedade podre de rica com aquele corpo de curvas perigosas, o sorriso e o olhar hipnotizadores. Eu, apesar da reação natural do corpo físico, me sentia apático, como um boneco de plástico sendo chupado por uma louca.
Entretanto, depois de tantas manobras naquele sofá, cheguei à conclusão de que uma certa frase bíblica faz algum sentido quando diz: “nem só de pão viverá o homem”.

Parte 5: Prisioneiros do acaso
(Mudança de pessoa na narrativa alternando entre 1ª e 3ª pessoa)

Rúlio falou feito louco, quase sussurrando e de repente, calou-se, se perdendo num insano silêncio. Ficou ali parado embaixo da janelinha olhando para o pouco do céu estrelado que ainda era possível visualizar.
Depois de um tempo, o companheiro de cela interrompeu aquele lunático silêncio e perguntou: caralho cara! Como você veio parar aqui?
Rúlio, contemplativo, disse: meu caro amigo desconhecido, uma mulher pode levar um homem ao céu ou ao inferno em ‘dois palitos’, mais rápido que um raio ou uma diarréia, sem saber, apenas com suas curvas e com seu sorriso. Muitas vezes, uma mulher nem tem a intenção de te levar ao inferno, mas leva, basta lembrar de Adão e Eva.
Como havia relatado, dormimos naquele hotel podrão. Levantamos cedo e fomos para a rodoviária. Pegamos o busão, descemos nessa cidade e quando ainda tomava um trago do meu conhaque, homens que se diziam policiais nos abordaram e nos revistaram. Nas tralhas de Elisa encontraram um pouco daquele pó que liga as pessoas no 220. Não deu outra, os caras resolveram levar ela para a cadeia. Mas, eu gritei, ei caras! Eu estou junto com ela!
Ela olhou para mim, meio espantada, e disse: você é doido? E eu olhando sério para ela, como se não existisse mais ninguém no mundo naquele momento, nem policiais, nem pessoas fingindo serem certas, nem cachorros andando em meios aos Índios que ficam na rodoviária, ninguém, disse sorrindo, contente: ‘é bem provável que eu seja um lunático, Elisa’.
Ela sorriu de volta como nunca vi uma mulher sorrir antes. E então fomos trazidos para esta cadeia.
Como não tenho documentos, me deram um crachá e me acusaram de um monte de coisa que nem eu, por mais lunático que seja, imaginaria fazer.
E agora faz uma semana que estou nesse buraco contigo. Preocupo-me com Elisa, embora não dê a mínima para as pessoas neste mundo. Os canalhas da lei não dizem onde enfiaram ela. Que fim levou Elisa?
Dito isso, Rúlio deitou na cama suja da cadeia.
O amigo desconhecido disse: mas, bicho, pelo que você me disse, eu acredito em você. Eu conheço um bandido de longe, e você não tem jeito de bandido. Você é apenas um andarilho. Não fez merda nenhuma. Não pode ficar preso aqui.
Rúlio disse: tanto faz!
Amigo: como assim? Tanto faz? Deixa de ser burro meu!
Rúlio: olha amigo, talvez você nem vai acreditar, mas eu rodei esse mundão, fiz tantas coisas, vivi tão intensamente que nem percebi a vida passar. Mas, te digo, tudo não passa de uma mera distração. Talvez, nem seja perda de tempo, pois, não podemos perder o que nunca tivemos.
Amigo: você acredita em Deus?
Rúlio: acredito no que você acredita amigo.
Amigo: mas e se eu não acredito em Deus?
Rúlio: mesmo assim, acredito em você que não acredita.
Amigo: palavra que não entendo o que me diz!
Rúlio: é que para mim tanto faz se existe ou não, se vamos queimar eternamente no inferno ou se vamos para o céu ou se tudo acaba ou se vamos para qualquer outro lugar.
Amigo: acho que estou começando a te entender!
Rúlio: você é um bom amigo. Vou te dizer, que vejo a vida de uma forma diferente e penso que cada um a vê diferentemente. Acontece que a maioria abandona seus pensamentos, suas opiniões particulares, para abraçar a opinião dos outros como se as opiniões dos outros fossem 'a verdade absoluta'. Para mim, isso é o sentido negativo da palavra Coexistência. Penso que temos que Coexistir, nos respeitar e nos entender em todos os sentidos, em todos os cantos da Terra, mas não temos que tomar a opinião de um homem ou mulher como se ele ou ela fossem 'o caminho, a verdade e a vida', e como se essa opinião fosse verdadeira e estivesse acima de qualquer dúvida. Entende?
Amigo: ah, você está falando de Jesus Cristo, não é? Ele indicou a si mesmo como a própria verdade e a vida! É isso, né?
Rúlio: Jesus, Buda, Dalai Lama, Confúcio, Maomé, Moisés, Sócrates, o que esses caras pregavam? Não era 'a paz?'. Entre muitas coisas, a paz como condição para a felicidade, aqui e em outro lugar?
Amigo: acho que sim, não?
Rúlio: então meu amigo, fico pensando por que seus seguidores derramaram e ainda derramam tanto sangue? Por que semearam e ainda semeiam tanto ódio, tanto fanatismo? Por que ainda hoje se dividem e se detestam?
Amigo: talvez porque uns querem ser melhores que os outros.
Rúlio: talvez! Mas a questão é, como é que pode milhões, talvez bilhões de pessoas abdicarem da própria razão e tomar a pretensa verdade de um homem como se isso fosse a mais certa e normal das coisas? Enfim, isso me parece tremendamente idiota, parvo. E pior, a coisa só piora porque cada vez mais aumenta o número de idiotas e fanáticos que não querem nada com nada nesse mundo a não ser idolatrar, endeusar, fanatizar. Não estão nem aí para a razão e a porra dos grandes problemas do mundo. Ou seja, nada mudará para melhor nesse mundo com tantos idiotas e fanáticos. Por isso, para mim, tanto faz!
Amigo: o que é isso? Parvo?
Rúlio: quando um dia você entender que a tua existência tanto faz para o Universo, você se tornará tão indiferente quanto ele. Então você entenderá o significado de Parvo e verá que tudo isso é muito parvo!
Amigo: mesmo não sabendo o que é isso, você me parece muito parvo! Algo que não sei dizer o que é!
Rúlio: há muitas coisas que damos nomes e sequer imaginamos ou desconfiamos se elas são isso mesmo. Nós humanos, nos achando 'a única forma de vida inteligente do Universo', chamamos aquilo que brilha à noite de 'Estrelas'. E, assim, pretendemos que elas sejam o que nós chamamos. Como se essa fosse 'a verdade absoluta'.
Amigo: muito louco isso! Irado! Mas, acaso poderíamos chamar as Estrelas de outra coisa?
Rúlio: certamente que sim. Mas, me refiro especialmente a questão que surge: a pretensa verdade humana é a única? Ou melhor, nós somos os únicos no Universo a dar nomes às coisas?
Amigo: você é bem doido! Será que há vida em outros Planetas? Vida inteligente?
Rúlio: não sei, mas a questão é exatamente essa: e se existir? Como ficaria a nossa verdade? Como ficaria nossos conceitos de Deus, céu, inferno, certo, errado, santo, pecado? Essas coisas... Vamos supor que se 'descubra' vida inteligente, Seres mais evoluídos que nós ou que eles nos descubram? Vai que eles, provavelmente, têm conceitos totalmente diferentes de nós, talvez até uma verdade melhor, um Deus melhor, um céu, um inferno, um certo, um errado, um conceito de santidade e de pecado, um conceito de moral e ética melhores que os nossos conceitos? Ou vai que eles não pensam em nada disso? Ou seja, como ficariam as nossas verdades tidas como inquestionáveis? Aliás, seríamos exterminados pelos extraterrestres enquanto pensamos sobre essas questões? Afinal, vai que eles são brutalmente frios, calculistas, radicalmente racionais do nosso ponto de vista, ao ponto de fazer Hitler parecer uma criança brincando de guerra? Stephen Hawking dissera certa vez: "Se extraterrestes nos visitarem, o resultado poderia ser parecido com a chegada de [Cristóvão] Colombo à América, o que não foi bom para os americanos nativos. Só precisamos olhar para nós mesmos para ver como a vida inteligente pode se desenvolver em algo que não gostaríamos de encontrar pela frente”__Z1. Então, o que vai acontecer com a humanidade no dia que ela der de cara com outras espécies pelo Universo?
Amigo: mas como é que poderíamos saber de uma coisa dessas?
Rúlio: amigo, o que é que faz o celular que você usa escondido funcionar e levar sua voz lá para fora?
Amigo: satélites, as ondas.
Rúlio: muito bem, e quem colocou o satélite lá em cima?
Amigo: os astronautas, a NASA?
Rúlio: e quem fez a nave que levou os astronautas? Quem fez o satélite? Quem fez o teu celular? E até mesmo, quem fez essas barras que nos prendem?
Amigo: os chineses em trabalho escravo nas fábricas de celulares na China? Tô brincando! Os engenheiros, os técnicos, os operários?
Rúlio: claro que os operários, os chineses escravizados, os engenheiros, os técnicos e demais trabalhadores explorados, colocaram sua energia, sua força, e executaram a construção de tudo isso. Mas, o que está por trás de tudo isso? O que nos faz ver as Estrelas, Planetas, bem de perto?
Amigo: telescópios, sondas, satélites?
Rúlio: E o que possibilitou a existência de tudo isso? Seriam os padres? Os pastores? A religião? Os metafísicos? Os teólogos? Os jogadores de bocha? Os filósofos?
Amigo: não! Creio que nenhum deles. Eles não são cientistas!
Rúlio: isso! Meu amigo! Voltando à pergunta que fizemos antes, o que poderia nos ajudar a saber dessas coisas? O que pode nos dar uma resposta exata, que se possa comprovar, experimentar, que possa ser tida como verdade de fato, vivida?
Amigo: a ciência!
Rúlio: à primeira, segunda e terceira vista: a ciência! Essa ferramenta mais útil e menos inútil que as outras. Fora da ciência não há salvação! Fora da ciência, o resto é uma babaquice sem sentido.
Amigo: mas Rúlio, você me disse outra hora que era professor de Filosofia! Então, para você, até a Filosofia é uma babaquice?
Rúlio: fui, numa vida inútil que levava. A Filosofia, meu amigo, só não é uma completa babaquice porque ela ainda é uma agradável distração. Mas te digo, amigo, que o diabo nos leve se eu afirmar ser 'Filósofo' apenas por ter ficado 4 anos numa faculdade ou por ter um título de Doutor! Isso sim seria babaquice! Você é o que é e só pode se tornar aquilo que é, nada mais do que isso!
Amigo: que o capeta leve só você, eu não! Mas o que você quer dizer com isso 'só podemos nos tornar o que somos?'.
Rúlio: simples, você é o que é. Homem quem nasce, cresce, se reproduz ou não e morre. Você pode imaginar e fingir ser qualquer outra coisa durante a vida toda mas no fim você se tornará aquilo que você sempre foi e é, desde o início. A natureza nos faz diferentes. Uns são bons, outros maus, uns são espertos, outros nem tanto. Uns são fortes, outros fracos. Você pode dar uma de gênio e até mudar de sexo. Mas essencialmente, você veio a esse mundo sendo o que é, e por isso, por mais que mude, no fim, se tornará aquilo que é. Evoluirá? Talvez. Mas será aquilo que é, mera partícula de poeira cósmica pensante, em luta consigo mesmo.
Amigo: mas cara, nesse mundo as pessoas são o que não são!
Rúlio: justamente! Até podemos ser mais coerentes e dizer que a maioria, não todos, fingem ser o que não são, como que fugindo de si mesmos.
Amigo: até você, Rúlio, se não me contasse um pouco da sua caminhada, ficaria boiando e duvidando, pois não me parecia ser desde sempre, um andarilho.
Rúlio: sabe, amigo, depois de tantos anos, me tornei o que realmente sou, um mero andarilho.
Amigo: você é bem louco né?
Rúlio: então estou em boa companhia! Me diga, porque você está preso?
Amigo: roubei comida no mercado.
Rúlio: não me parece um crime significante! Há gente nesse mundo que rouba muito mais e ainda tem a proteção da lei, da polícia, do Estado e dos ditos 'direitos humanos'.
Amigo: pois é! Mas acontece que fui acusado de assassinato.
Rúlio: você matou alguém?
Amigo: pior que não.
Rúlio: E então?
Amigo: a polícia me perseguia, atirou e acertou uma mulher, e aí, você já sabe.
Rúlio: te fizeram de boi de piranha, te acusaram. Que filhos da puta!
Amigo: é, mas me fizeram uma proposta. Disseram que se eu assumisse o crime, teria tratamento de ouro aqui, e eu não tinha opção mesmo, então...
Rúlio: mas que loucura é essa? Porque diabos um homem se proclamaria assassino quando não o é e ainda se sentir até satisfeito com isso?
Amigo: você conhece o mundo lá fora, melhor do que eu. Como sabe, aqui tem comida e não precisamos fazer muita coisa. Falta-me três anos apenas. Ademais, se eu ficasse lá fora não teria emprego, nem dinheiro e minha mulher e filhos iriam morrer de fome. Assim, eles estão melhores sem mim.
Rúlio: mas que droga é essa? Como a sua família estaria melhor sem você para sustentá-los?
Amigo: de qualquer maneira a minha mulher, envergonhada, iria embora e levaria as crianças, talvez para a casa do amante, que certamente dará a eles uma vida muito melhor.
Rúlio: isso é muito louco! Esse amante da tua mulher deve ser um homem muito rico.
Amigo: ah se é! Ele é político, deputado federal.
Rúlio: acho a tua história muito louca, mas confesso, sem nenhum prazer ou espanto, que já vi coisas muito piores.
Amigo: sério?
Rúlio: é a história de Emily Pietá, uma jovem amiga minha, já morreu. Éramos amantes na juventude. Ela era uma morena lindíssima, muito fogosa, Por ocasião de meus estudos, na época, fui a Toledo, na Espanha, conhecer essa cidade que Miguel de Cervantes retratou em sua obra. Lá, conheci Pietá, que também estudava filosofia. Como tenho facilidade para fazer amizades, com pouca conversa, me tornei seu amigo e confidente. Com o tempo ficamos mais íntimos. Ela era enamorada de um Turco. Os Turcos tem fama de serem nervosos, sobretudo, com mulheres infiéis. Alguns deles acreditam que mutilações e decapitações como punição à infidelidade asseguram sua masculinidade e firmeza de caráter. Mas como ele estava na Turquia não tinha como saber o que fazíamos na Espanha. Pietá não o amava, foi prometida pelo pai ao Turco que também tinha uma vertente meio asiática. Ocorre que, não se sabe como, ele ficou sabendo do caso, e num ímpeto, abandonou a Turquia e como um raio desceu em Toledo. Sorte ou azar, ele não sabia quem era o amante de Pietá. Certamente, eu estava com o cu na rifa, perdido, mas não tinha como sair da cidade até terminar os estudos. Então, andava na moita, entende?
Amigo: sei como é.
Rúlio: pois bem, o cara ficou uns 3 meses na cidade procurando dia e noite pelo cara que dormia com Pietá. E Pietá, louquinha que era, ainda sim queria se encontrar comigo e mandava recados pela empregada. O cornão dizia que achava ser tudo boato, mas que se Pietá soubesse de um nome, de uma pessoa nada de mal faria a ela. Claro, era só tática dele. Afinal, o cara não atravessou a Europa inteira para pagar de corno e apertar a minha mão amistosamente, não é?
Amigo: com certeza né meu!
Rúlio: e mesmo naquela situação, toda quarta nos encontrávamos na igreja católica, eu e Pietá, claro. Ela achava que ele era meio bundão e talvez até gostasse da coisa toda. Mesmo assim, o cara ficava sondando pela porta da igreja. Ela sempre ia ao confessionário antes de falar comigo. Certo dia, ela demorou demais, e quando veio a mim, quase caí de costas.
Amigo: o que aconteceu? Ela tinha o cabelo lambuzado de uma gosma que todo homem já sabia o que era. Também tinha um chupão no pescoço.
Amigo: que caralho ein?
Rúlio: pois é! mas o que eu devia fazer? Mandar ela pra puta que pariu ou ia até o padre e lhe quebrava a cara? Ou deixava tudo quieto? E quando fui lhe falar algo, ela olhou em meus olhos, abaixou a cabeça envergonhada, chorou e saiu correndo, feito uma louca. Aliás, até hoje acho que ela tinha um certo distúrbio mental. Mas era muito boa na cama! Confesso que fiquei deveras preocupado de ter sido demasiado moralista, mas fazer o quê, há momentos em que não conseguimos decodificar a loucura dos outros.
Amigo: um dia, um amigo meu me disse, 'cara, não sei o que acontece com a gente em relação às mulheres, a que não vira puta fica louca'. Vai saber? Os mistérios da cabeça complicada das mulheres, não é?
Rúlio: pois é! Alguns dias se passaram e não a vi mais. Um dia andando pelas ruas, vi uma multidão em frente a um hotel. Corri para ver o que era e o que meus olhos viram foi algo de fato bizarro
Amigo: o que poderia ser?
Rúlio: O maldito Turco, havia cortado Pietá e o Padre em pedacinhos e os assado como se assa um porco. Gritando histericamente, o louco algemado pela polícia dizia que os havia comido com prazer! Diante daquela cena macabra, não sei porque, me veio a mente algo que tinha lido sobre  'A Cruzada dos Meninos' na idade média.
Amigo: porra, deve ter sido foda pra caralho mesmo!
Rúlio: e foi. Até hoje não sei porque fiquei pensando na dita Cruzada da Idade Média, seria choque, algo que a mente cria para evitar que fiquemos loucos ao se deparar com tamanha brutalidade?
Amigo: olha mano, pode ser, já ouvi coisas absurdas por aqui na cadeia e enquanto ouvia os caras falando, em minha mente, eu pensava em coisas nada a ver, tipo coisas da infância, lembranças, como se fosse algo automático da mente, meio que para evitar fixar aquela coisa perversa.
Rúlio: pra você ver que a mente é algo complexo e que sempre haverá algo louco acontecendo na tua mente e na mente dos outros.
Amigo: é mesmo! Mas, cada um com suas desgraças, não é?
Rúlio: Já está noite. Logo é hora de comer. O que será que terá hoje?
Amigo: Sexta-feira é dia de pizza pra mim. Mas eu divido com você!
Rúlio: você é uma boa alma.
A fome é como a morte, chega para todos! O relógio mostra vinte horas quarenta e três minutos. De repente, surge o carcereiro com duas caixas de pizza tamanho grande! E um refrigerante de dois litros! Ele parecia tão íntimo do Amigo que o chamava de 'Digão'. Dizia o carcereiro: E aí Digão! Olha aí meu amigo! Quentinhas, no capricho!
Digão apanha as pizzas. O carcereiro olha para mim e diz: E aí Rúlio malucão! Tenho boas notícias para você, seu doido! A menina Elisa vai depor amanhã na audiência de custódia e o Delegado acha que ela vai te inocentar. Quem sabe, amanhã você estará livre de novo no mundão seu doido! Não é ótimo?
Fiquei calado, não pisquei e nem me mexi. Ele olhou outra vez  e gritou batendo na grade: tu não me ouviu seu louco? E disse-lhe que sim. Então ficamos, Digão, eu e as pizzas enquanto ouvíamos o carcereiro saindo resmungando: 'loucos do cacete!". E talvez ele, o carcereiro, tivesse total razão!
Enquanto comíamos, Digão falava: sabe, Rúlio, acho que o pior não é a morte, mas o momento da morte. Foda esse negócio de você estar aqui e já não estar mais, sentir e já não sentir mais, estar vivo e já não estar mais. É muito sinistro isso né não? Por exemplo, você sofrer, agonizar, ser martirizado de dor. O foda que 'o depois' é algo que nos foge da imaginação. O que acha?
Rúlio: se é que há mesmo algo depois! Há tanta teoria, crença, 'meias certezas', e como diz o povão, 'ninguém nunca voltou pra contar', muito embora alguns acreditem que alguns voltam pra contar e outros creem que muitos nem conseguem ir pro além de fato e ficam por aí vagando, mais perdidos que cegos num tiroteio.  Mas, concordo com você quanto ao momento da morte. Acho que isso é o que mais desafia a nossa coragem, o nosso Ser. Porque, conforme alguns acham, quando morrermos já não sentiremos mais nada, nem dor de barriga. Tudo terá cessado, acabado, 'zé fini'. O problema é passar esse estágio, esse momento. Quanto ao depois, realmente, penso firmemente que ninguém voltou pra contar história, ao menos, não para mim.
Digão: mas, e as histórias que o povo conta? Todo aquele papo dos malucos espíritas? Vou te dizer, embora não acredite muito nessas paradas, mano, tenho meus receios. Nunca te deu um frio de gelar a bosta na espinha quando está sozinho, nunca achou que ouviu coisas, nunca achou que viu coisas?
Rúlio: isso é engraçado! Juro! Somos herdeiros comuns de um ancestral medroso! A cultura nos legou, além de um inferno de preconceitos morais, também, uma porrada de mitos, lendas, histórias, baboseiras, coisas fantasiosas, a maioria, frutos da imaginação mais que fértil de uma humanidade dividida entre os que vivem no bem bom e os fodidos que nunca terão porra nenhuma. Os que se acham espertos, e por isso, se acham donos das cidades, dos Estados, dos Países e do Planeta Terra e do outro lado, a grande massa. Olha, Digão, vou te dizer meu amigo, 'desde que o mundo é mundo, por toda a parte, o povão tem uma louca necessidade de ouvir besteiras, comprar ilusões e mentiras, sinceras ou não'.
Digão: pode ser mano!
Rúlio: pense comigo, nós começamos aqui nesta cela, a fingir que vemos coisas e a agir cada vez mais histericamente, outros, levados pela emoção começam a achar que o diabo ou qualquer outra coisa nos possuiu. Na sociedade é a mesma merda. O povão, levado no bico por uma cultura criada pelos que se acham donos do mundo, com seus mitos, religiões, crentelhices. lendas, propagandas enganosas e o diabo a quatro, se deixa influenciar e em pouco tempo, temos um montão de gente dizendo que vê coisas, escuta coisas. Penso que isso tudo é uma picaretagem sem tamanho e, no máximo, uma questão psicológica coletiva, coisa de gado, de rebanho. Tudo isso está, desde que o mundo é mundo, enraizado no psicológico social, coletivo, penso eu.
Digão: acho que te entendo. É como com as opiniões ou as ditas verdades que não se questionam. Tipo assim, um louco ou pilantra começa a dizer que acredita em disco voador, logo diz que viu um e convence outros de que aquilo é verdade. Com o tempo vai passando de um grupo menor a um grupo maior e quando se vê, todos não apenas acreditam em discos voadores, como já até dizem terem sido abduzidos! Mas na real, é tudo pilantragem de uns poucos espertos pra ganhar muita grana em cima da multidão de manés!
Rúlio: Isso mesmo! É tudo pilantragem e ilusão! Mas, qual é a coisa pela qual podemos destruir essas picaretices, essas ilusões, essas crentelhices e nos aproximar daquilo que é verdade?
Digão: ah garoto! A Ciência! Né não? Não é para isso que serve a Ciência? Para matar a cobra e mostrar o pau, mostrar e provar se isso ou aquilo é verdadeiro? E mais, se essa verdade pode mesmo ser experimentada, vivida?
Rúlio: caceta Digão! Que papo massa! É isso mesmo meu amigo! Mas tem um problema aqui. A Ciência, como todas as coisas nesse mundo, não está livre de ser usada por pilantras para criarem dogmas e até certos mitos, patifarias. Por isso, penso eu, que precisamos de uma segunda ferramenta menos inútil para que possamos refletir e pesar o que é e o que não é de fato, verdadeiro e se útil ou não.
Digão: qual?
Rúlio: a dita cuja filosofia! Mas não essa baboseira que pregam nas universidades em 4 anos de encheção de linguiça. Estamos falando de filosofia de verdade, a que duvida, que pondera, que reflete, que busca a verdade e o esclarecimento de fato visando derrubar as pilantragens, os mitos, as ilusões. Tem que ser uma filosofia séria, uma que destrua as enganações, até mesmo enganações ou compreensões equivocadas da Ciência e da própria Filosofia! Tremendo imbecil é todo o sujeito que bota alguma coisa sobre um altar, seja ciência, seja filosofia, seja religião, seja o diabo a quatro! Lembremos que diante da imensidão cósmica interestelar, da incomensurabilidade da vida e da inefabilidade da existência, isso que apelidamos de conhecimento, por maior e mais belo que pareça aqui na Terra, diante da imensidão inalcançável é quase nada, praticamente insignificante! Por isso que, talvez, o louco do Sócrates, copiando a frase do templo de Delfos, dizia 'nada sei', porque tudo que trata de conhecimento é ferramenta, nada mais que ferramenta.
Digão: Aí já é demais para a minha cabecinha!
Rúlio: meu amigo, é simples, nem a Ciência, nem a filosofia, nada nesse mundo escapa de ilusões, enganações, pilantragens, falcatruas, pois são coisas feitas por pessoas, e há pessoas de todo tipo nesse mundo, há pessoas boas, pessoas sérias e também há muito FDP nesse mundo! Não é?
Digão: tem razão mano! Mas, mudando de saco pra mala, como imagina que será a tua morte? Como gostaria que fosse, se tu pudesse escolher?
Rúlio: não faço a menor ideia de como será e acho meio idiota ficar pensando sobre isso, sem ofensa. Pessoalmente, acho que podemos escolher sim como queremos morrer e não tem nada de mal ou de errado nisso. Tanto, que eu já decidi que, quando chegar a hora mais escura ou luminosa, eu mesmo puxarei a tomada.
Digão: sinistro! Mas e se tu bater as botas antes, de surpresa, sem esperar, sem lhe dar tempo de puxar a tomada?
Rúlio: tanto faz! Além disso, se for de surpresa, não terei nada a fazer e, bem conversadinho, será um presente. A morte é o que é, a mais incerta certeza. Incerta porque pode ser a qualquer momento, com alguns minutos após o nascimento ou com 104 anos. Certa, porque é a única certeza que teremos diante da Imensidão Cósmica, da Incomensurabilidade da Vida e da Inefabilidade da Existência. Penso, meu amigo, que o que nos mata sempre nos mata repentinamente, com calças, sem caças ou de calças curtas.  
Digão: é foda essas coisas. Como te disse antes, é foda esse negócio de morrer. Estar e já não mais estar. É sinistro pacas! Às vezes, sozinho aqui na cela, ao pensar sobre a morte, lembro de coisas que foram divertidas, alegres e de coisas tristes, e quando penso que cedo ou tarde vou bater as botas me sinto deprê, mas logo passa...Não tão logo como gostaria, mas passa.
Rúlio: Eu sei como é, ou melhor, acho que sei. Te digo amigo, para os dias ruins, a lembrança dos dias bons. Para as noites solitárias, a lembrança das noites de festas e sorrisos, quando a vida parecia ser infinitamente bela. Para os dias que o passado nos deprime, a memória do futuro sonhado, desejado, esperado e que nunca se concretizou. Eu também já me senti muito deprê, principalmente, quando pensava sobre a humanidade se ferrando e ferrando com esse Planeta.
Digão: e hoje em dia, você ainda fica deprê?
Rúlio: não. Depois de tanto tempo, de tanto pensar, de ir e voltar no futuro e no passado da alma, eu concluí que tanto faz. Tudo o que é humano, tudo o que se passa nessa Terra e além, diante da Imensidão Cósmica, da Incomensurabilidade da Vida e da Inefabilidade da Existência, tudo, tanto faz! Só o fato de Existir é lucro, mas para mim, tanto faz. Compreende?
Digão: cara, sem ofensa, tu é muito inteligente ou muito burro!
Rúlio: sem problemas meu amigo de cárcere! Afinal, tanto faz!
Digão: pois olha, eu vou ficar até o fim do 'filme', só pra ver como acaba!
Rúlio: certos filmes que são bem previsíveis.
Digão: o que quer dizer com isso? Acha que tudo na vida já está escrito, determinado, decidido?
Rúlio: de maneira alguma! Mas, deixa pra lá! É melhor dormir, o amanhã poderá chegar e teremos de estar de pé para ver o que acontece.
Digão: é, talvez amanhã, você não esteja mais aqui. Verá o Sol e as Estrelas!
Rúlio: grande coisa isso! Grande coisa é a liberdade humana e o que a humanidade pensa ou deixa de pensar!
Digão: olha meu amigo, acho que ainda vai encontrar um 'sentido' para viver.
Rúlio: só que a vida humana não tem nenhum sentido e mesmo que tivesse, tanto faz diante da imensidão cósmica...

Rúlio deitou-se para dormir. E enquanto adormecia pensava na vida que de certa forma ignorava. Nascido de família rica, de Genoveses que vieram ao Brasil, o Pai de Rúlio tinha lhe assegurado que descendiam diretamente de Cristovão Colombo e que apesar de impasses com a Igreja Católica, havia conseguido acumular, e guardar em segurança, uma grande quantidade de riquezas, como ouro, títulos e propriedades. Tudo foi passado de geração em geração até chegar em Rúlio, que levava uma vida farta, pródiga, despreocupada, firmada no ideal de que a vida humana é limitada e sem sentido algum, que diante da morte inevitável, tudo não passa de meras distrações. Tudo o que provém desse desastre universal, desse acidente cósmico que é a humanidade, diante da morte, do fim, do inevitável, reduz-se à nada. É por isso que Rúlio pensa que até mesmo a preocupação pela fama, como querer entrar para história através de grandes obras e feitos, não significam grande coisa, porque a história humana é um mero episódio tragicômico e sem sentido diante da Imensidão Cósmica. Para Rúlio, a existência da espécie humana tanto faz para o Universo. Não fede e não cheira. Tanto faz.
Totalmente desiludido com a tremenda burrice das pessoas, as injustiças e as bizarrices do mundo humano, Rúlio concluíra que a humanidade chegou à sua total negação enquanto espécie, e portanto, não tem mais motivo para continuar existindo. Só que tudo que não é mais útil para a Vida e para a Natureza, especialmente, para a Natureza Cósmica, não pode ficar ocupando espaço, ociosamente e, por isso, cedo ou tarde, aquilo que perdeu o sentido de Ser e Existir é eliminado pela Natureza, no caso da humanidade, ela será eliminada pelo Cosmos.
Para Rúlio, a humanidade chegou a um grau de idiotização e desumanização tão grande que se tornou incapaz de enxergar a sua incomensurável pequenez, chegando ao cúmulo do ridículo de se achar 'a única forma de vida inteligente em toda a imensidão cósmica!'.
 Mas, graças à evolução das coisas e a Natureza Cósmica, assim como os Dinossauros, a espécie humana desaparecerá do mapa um dia e nada no Universo irá mudar porque a 'fabulosa história da vida humana deixou de existir! Como o destino humano é o fim inevitável, só resta aos bilhões de animais falantes da Terra, se iludir, inventar, mentir, fantasiar, fazer de conta, entrar em guerra, sonhar, comer, beber, foder, se reproduzir, idealizar, cantar, dançar, se distrair. Por vezes, citava o trecho do Eclesiastes que diz: "É tudo ilusão. A melhor coisa que alguém pode fazer é comer e beber e se divertir com o dinheiro que ganhou". (Eclesiastes, 2:23/24).
Mas, para Rúlio, as únicas distrações dignas, que ainda significam alguma coisa são a Ciência, a Filosofia, a Música, Cães e Gatos. "As únicas coisas que ainda me mantém nesse mundo idiota são a Ciência, a Filosofia, a Música, os cães e os gatos. Todo o resto é uma grande perda de tempo" afirmava jocosamente.
"Para viver nesse mundo como ele está, é preciso mais do que as ilusões costumeiras, triviais, por vezes usadas como meros elementos de narrativas para alguns se darem bem sobre outros e encherem o cu de dinheiro, elementos para narrativas, como 'amor ao próximo', 'fé', 'Deus', 'além', 'sobrenatural', bem, certo, errado, santo, pecado. Tudo isso, é usado por uns para engabelar outros", também dizia Rúlio em pensamentos.
Para Rúlio, em resumo, em sua vã filosofia, o espírito livre e realista, como se considerava, só precisa dele mesmo, de uma grande dose de loucura e do estômago em boas condições, pois é preciso ter estômago para suportar a burrice humana, existir e coexistir com ela nesse mundo cão.
Assim, pensando nessas coisas, ele dormiu, sem se preocupar. E ao dormir, Rúlio sonhara que um dia dormiria e que ao acordar numa outra dimensão, menos pior que a atual, constataria que a humanidade havia desaparecido do Universo, como os Dinossauros e que apenas o vazio desolador restara.

Parte 6: Mais um dia na existência

Digão: Rúlio! Rúlio!
Rúlio: que gritaria é essa? Me acordando às 10 da madrugada?
Digão: levanta aí mano! Os caras estão vindo!
Rúlio: amanheceu mais uma noite da existência!
Digão: ih rapá, é o delega!
Rúlio: nossa! Quanta honra! Visita ilustre, devo me curvar?
Digão: não faz ironia não, senão ele te desce a porrada!
Rúlio: tanto faz!
Digão: está louco?
Rúlio: talvez, finalmente, me tornei o que sou!
Digão: bom dia Doutor!
Delegado: bom dia Digão! Sussa? Cadê o vagabundo do Rúlio?
Digão: está deitado, acho que passa mal...
Rúlio: nem bem, nem mal, estou como estou, em mim mesmo...
Delegado: mas que raio de conversa é essa? Venha até aqui doidão!
Rúlio: fala daí mesmo, não sou surdo, estou ouvindo!
Digão: não leve ele a mal Doutor, ele amanheceu meio estranho, não está falando coisa com coisa, nem eu o estou reconhecendo, acho que está enlouquecendo.
Rúlio: louco? Louco é você meu amigo! E mais louco é esse Delegado aí que acredita ser mesmo Doutor! À menos que tenha um doutorado, tem?
Delegado: espere que já lhe tirou o couro seu abestalhado!
Digão: por favor Doutor, não o machuque, ele está doido!
Delegado: você vai ver só seu patife! Lhe arrebento a fuça!
Rúlio: deixa que venha! Estou pronto, afinal, o mundo me bateu tantas vezes que mais uma surra de um animal que evacua como eu, não fará a menor diferença! Vinde à mim as criancinhas!
Delegado: ora, seu idiota!
O Delegado abriu a cela e, fulo da vida, foi até Rúlio, o pegou pelo colarinho do trapo que apelidava de roupa e disse-lhe: 'só não lhe quebro essa bosta que chama de cara porque não vale a pena.
Rúlio: para mim tanto faz! Você que sabe!
Num ímpeto, o Delegado atirou Rúlio ao chão: tu é um patife mesmo rapá! Vim aqui para libertá-lo e parece que está detestando isso. Acaso é retardado?
Rúlio: talvez sim! Ser ou não ser, tanto faz!
Delegado: tanto faz! Tanto faz! Se pudesse, te deixaria apodrecer aqui!
Rúlio: tanto...
Delegado: vamos! Seu louco fétido! É hora de desinfetar esse lugar!
Rúlio: e o senhor Doutor Delegado, acaso vens junto?
Delegado: seu animal!
Rúlio: os semelhantes se reconhecem!
Delegado: não vai dizer Adeus ao seu amigo de cela?
Rúlio: tchau Digão, a pizza e o papo estavam ótimos!
Digão: vá em paz! Viva a vida irmão!
Rúlio: viva!
Delegado: tem sorte de eu estar de bom humor senão teria afundado a tua moleira!
Rúlio: não o fez porque não quis, não porque é bom.
Delegado: ah eu sou bom sim, sou gente de bem, tanto que semana que vem vou ao Vaticano visitar o Papa!
Rúlio: tem gente que gosta de perder tempo!
Delegado: falou o mendigo! O Papa é Santo e você é só um lixo humano fazendo peso sobre a Terra.
Rúlio: ah claro, você, eu, o Papa, Balzac, todo mundo é Santo!
Delegado: tu é engraçadão né doido?
Rúlio: os semelhantes se reconhecem mesmo...
Delegado: graças a Deus, estou livre de você seu animal! Vá, suma daqui!
Rúlio: e Elisa? Onde ela está?
Delegado: só o diabo sabe! Cai fora daqui!
Rúlio: e como é que você sabe que 'só o diabo sabe', se só o diabo sabe? Acaso é mais diabo que o diabo?
Delegado: cara! Vaza daqui! Antes que eu te mande direto pra ele!
Rúlio: nossa que 'meda!, patético!
Meio triste e preocupado, Rúlio saiu e andando uns metros, sentou-se num meio fio debaixo de uma árvore, olhou para o céu e viu que iria chover, e então falou consigo mesmo: mas que vida estranha é essa a minha! Só me falta cair um raio na cabeça! Maldita, é a hora de meu nascimento! Mas, agora tanto faz!
Elisa surge na esquina: Rúlio! Rúlio!
Rúlio: Elisa? Onde é que você se meteu mulher?
Elisa: adivinha? Fui comprar uma roupinha nova para você! O Delegado tinha me falado que você sairia hoje, então, resolvi vir lhe fazer essa surpresa!  
Rúlio: 'as mulheres, de fato, são tão surpreendentes quanto a morte'.
Elisa: o quê?
Rúlio: nada, esquece. Você me intriga, Elisa. Como saiu da cadeia e de onde tem dinheiro para me dar uma roupa de presente?
Elisa: '...nesse mundo, para as mulheres, algumas vezes, algumas  coisas são mais fáceis...'.
Rúlio: entendo, mas...
Elisa: o Delegado. Fomos numa mansão, ele me apresentou a um amigo e uma amiga e nos divertimos durante um final de semana inteiro, com muita bebida, música, pó e sexo...
Rúlio: 'o Santo que vai ver o Papa'...
Elisa: O quê?
Rúlio: nada! Esquece!
Elisa: Rúlio, aluguei uma casa aqui perto. Não faça mais perguntas bobas, vamos para lá, vamos ver como você fica nessa roupa, vai ser divertido!
Rúlio: aposto que sim. vamos!

Na casa que Elisa alugou com o esforço próprio, Rúlio vestia a nova roupa enquanto comentara sobre as noções de política aprendidas com Platão, o qual afirmava ser, O Político, tal como um Tecelão, o qual encarrega-se de unir o melhor e o pior de tecido, criando a vestimenta que protege o corpo. Dessa forma, Platão via que a Política é uma espécie de vestimenta encarregada de proteger a vida. No entanto, pensava que há tempos, no Brasil e no mundo, de uma forma geral, temos a sensação de andar pelados! Além dos políticos não conseguirem fazer nada que preste, ainda roubam nossas vestes!
Apesar de no fundo achar que tudo é perda de tempo, que temos de nos distrair para suportar a vida nesse mundo cão, já que a vida humana não tem sentido e, que mais cedo ou mais tarde, talvez mais cedo do que se imagina, tudo irá para o vinagre, ruirá, chegando ao nada, Rúlio estava contente com a nova vestimenta.
Elisa, vendo o sorriso contido de Rúlio, disse: esse Platão devia ser muito espero ou muito burro!
Rúlio: talvez a soma das duas coisas! O seu mestre, Sócrates, era uma figura e tanto...
Elisa: mas, esses caras só falavam de política e moral? Que vidas entediantes! Não acha?
Rúlio: eles eram loucos, falavam de tudo um pouco, mas com certa profundidade, ou seja, não ficavam jogando papo pro ar, superficialmente, sem sair de lugar algum e sem chegar em lugar nenhum, como fazem as pessoas nos dias de hoje em seus celulares nas redes umbrais sociais. Falavam sobre tudo, até sobre aquilo que chamamos de Amor, muito embora a política fosse o ponto forte de suas discussões.
Elisa: e o que esses loucos falavam sobre o Amor?
Rúlio: muita coisa, mas como o assunto pode parecer chato demais vou resumir e ir direto ao essencial, ok?
Elisa: o que não é chato para você? Diz aí...
Rúlio: dizia o louco do Platão ser o amor, aquilo que move tudo. Com efeito, segundo seu pensamento, há um mundo Ideal, perfeito, onde tudo funciona às mil maravilhas, onde tudo é belo, lindo, maravilhoso. Ao contrário desse mundo aqui, uma cópia de merda do mundo perfeito, Ideal. Esse mundo onde existimos, para Platão, não passa de uma mera imitação do mundo Ideal. Ou seja, o amor, assim como outras coisas, não passa de um pálido e inconsciente reflexo do verdadeiro amor que em si, só existe no mundo Ideal, entende?
Elisa: sim! Prossiga meu tesudo...
Rúlio: para com isso! Pois bem, Platão afirma que em algum momento, os homens foram capazes de contemplar o mundo ideal, divino. Mas, de repente, se viram precipitados, largados nesse mundo onde tudo é imperfeito, onde tudo é ilusão, dor, sofrimento. Apesar de tudo, Platão diz que é possível aos homens elevarem-se de sua condição inferior,  purificando-se pela sabedoria, pela Verdade ou pela busca da Verdade. Uma vez purificados e elevados poderão voltar ao convívio dos deuses onde gozarão não apenas do Amor Supremo mas, do Belo em Si, daquilo que há de mais perfeito, divino, inefável, incomensurável.
Elisa: nossa e qual é o roteiro que ele sugere para se conseguir isso?
Rúlio: uma vida vivida para valer, de auto-questionamento, de aprimoramento, de exames. Sócrates já dissera que uma vida sem questionamentos, sem exames, não merece ser vivida, que é uma vida de merda etc. Para os loucos Sócrates e Platão, porém, só é possível se purificar, elevar-se, através do 'saber que não se sabe', se libertando do corpo e das paixões que o fizeram decair. Uma vez purificado, o indivíduo pode voltar pra lá, para o mundo Ideal, onde tudo é massa, nota mil. Para eles, somente no mundo Ideal é que se pode viver o Verdadeiro Amor e o que é Belo. No fundo, após muitos rodeios, idas e voltas em vários diálogos, Platão finalmente diz que a Filosofia é esse caminho de purificação, o meio para voltar ao Mundo Ideal onde tudo é perfeito.
Elisa: então, para esse tal Platão, o mundo em que estamos é uma uma porcaria, uma ilusão, tipo uma Matrix?
Rúlio: é isso mesmo. Já ouviu falar de Amor Platônico?
Elisa: ah sim, e como! Toda hora tenho um, meu 'tesão-zão'.
Rúlio: para com isso meu! Presta atenção! É comum ver pessoas falando que o Amor Platônico é sobre algo impossível, que não existe, que é uma puta viagem na maionese, etc.
Elisa: é, dizem que é impossível de ser vivido, que não existe de fato!
Rúlio: pois bem, se falam de Platão, segundo ele, estão redondamente enganados, já que existe Amor Perfeito sim e que não é impossível de ser alcançado. Só basta se purificar, se elevar da condição de animal falante e pensante e voltar ao Mundo Ideal! Não é?
Elisa: facinho assim! Sim! Segundo o que você falou, segundo o tal do Platão, se nos 'elevarmos' dessa condição de 'impureza', através da filosofia, mais precisamente, da prática de virtudes, levando uma vida de conhecimento ao invés de uma vida de merda, de busca da verdade, de exames, podemos retornar ao mundo das ideias, ao mundo perfeito, onde poderemos encontrar o amor perfeito, quando então seremos eternamente felizes. Certo?
Rúlio: sim!
Elisa: isso não lhe soa muito idiota? Ou coisa de crentelho? Tipo, ah, de uma hora pra outra, vemos um 'motivo maior', uma 'luz', uma 'revelação', ou 'Jesus', ou diabo sabe o quê e, simplesmente, nos tornamos 'purificados', 'auto-perdoados de nossos pecados', limpinhos e cheirosos diante de Deus ou da espiritualidade ou do raio que o parta do que as pessoas acreditam e 'Voilà!', podemos ir para a Disneylândia no outro mundo?
Rúlio: de fato, tem cara, jeito de andar e é muito idiota. Mas, é a filosofia do Platão que o cristianismo usurpou e com a qual turbinou a ideia de céu, purgatório e inferno, penas e recompensas. Com efeito, ainda estamos falando dele. Na real, o papo é sobre Platão e vemos que as pessoas, em sua maioria, falam pelos cotovelos, falam daquilo que não sabem, ou seja, que o Amor Platônico é algo impossível, e, segundo o próprio Platão, não é. Por isso te digo que esse mundo é um pé no saco! Há muitos sabedores de porra nenhuma! Odeio sofrer com a minha ignorância mas odeio sofrer mais ainda vendo a ignorância dos outros que acham que sabem alguma merda, que não estudam, não leem, não buscam conhecer, não buscam a verdade ou a essência das coisas, e do alto de seus preconceitos, julgam conhecer o que não conhecem! É um saco isso tudo!
Elisa parecia apenas mais uma pessoa louca largada no mundo, tocando o foda-se, mas na real, ela também era muito sábia e viva sobre muitas coisas da vida. E olhando para o homem que não conhecia direito mas por quem tinha um louco tesão e admiração, ela disse: ficou bem com a roupitha! Parece um Doutor! Mas, Rúlio meu querido, o mundo desde que é mundo é assim. As pessoas são o que não são e o que nunca serão. Pensam uma coisa e fazem outra. Falam uma coisa e fazem outra. Prometem um monte de coisas e fazem outras e quando sabem que não sabem porra nenhuma, inventam mentiras, mentem para si mesmas, acreditam nas próprias mentiras e falam para as outras pessoas com a maior cara de pau como se tudo fosse a verdade mais santa e absoluta da Terra. Eu acho que as pessoas mentem porque a verdade seria algo difícil de engolir e de aceitar. É uma canalhice, um crime contra si mesmo e os outros? É. Mas todos somos meio canalhas e bandidos em vários momentos da vida. Não é?
Rúlio: interessante teu ponto de vista...
Elisa continuou: e quem me garante que o tal Platão não estava mentindo sobre tudo o que escreveu e pensou? Quem me garante que, diante da verdade que ele era um Zé Mané, derrotado da vida, como 99,9% dos viventes nessa Terra, não mentiu pra si mesmo e acreditando na própria mentira a tornou verdade? Seja como for, acho a ideia de Platão, de ter que se purificar para poder ir para o tal 'mundo Ideal' e encontrar o verdadeiro amor belo, perfeito, lindo e maravilhoso, um papo muito mole, viu.
Rúlio: na real, a ideia de Platão sobre o amor e tudo mais não é absoluta e nem a mais verdadeira. Para ser sincero, não gosto de Platão. Como você bem disse, ele acreditava em muitas coisas engraçadas, mirabolantes, tinha convicções muito míticas da realidade.
Elisa: mas me diga meu gostosão doido, você acredita em alguma coisa?
Rúlio: sim, acredito em você.
Elisa: de novo esse papo? E se eu não crer em nada? Se eu estiver mentindo para você a todo o momento?
Rúlio: mesmo assim, acredito em você.
Elisa: você não crê em Deus? Céu? Inferno?Essas coisas?
Rúlio: para mim tanto faz!
Elisa: tanto faz? E quando você morrer, não tem medo?
Rúlio: medo do quê? Quando eu morrer, certamente, estarei morto! Além disso, do que devo ter medo? Acaso você conhece alguma coisa, já experimentou, já viveu alguma coisa do 'depois da morte?'.
Elisa: eu não! Não morri ainda e espero não morrer tão cedo!
Rúlio: então? Do que eu deveria ter medo? Se também ainda não morri? Não seria um tanto absurdo eu ter medo do que eu não conheço? E, afinal, vai que há algo de bom depois dessa merda toda que passamos neste mundo cão? Estaríamos no lucro, não é?
Elisa: tem razão. É tolice se preocupar com a morte. Mas, às vezes, parece que você despreza a vida, mesmo sendo um doce de pessoa, de uma energia tão positiva, fala da vida de uma maneira tão fria, seca, indiferente.
Rúlio: querida Elisa, talvez não tenha te deixado claro. Para a maioria da humanidade que está viajando na maionese neste Planeta, a vida pode parecer uma maravilha, especialmente, para os ricos, os que exploram o povão e se entopem de dinheiro com a desgraça dos pobres e que, assim, levam uma vida mansa, com tudo do bom e do melhor. Mas, na real, independente se você tem dinheiro ou não, a vida é fria, seca, indiferente e sem sentido algum. Não posso me dar ao luxo de crer, de inventar mentiras como Platão e outros e acreditar nelas como se verdades fossem, sobretudo, de que 'as coisas um dia vão melhorar'. Não vão. Enquanto existir a humanidade, sempre dará merda, guerras, Pandemias, desastres, exploração, desgraças e tragédias de todos os tipos e tamanhos.
Elisa: é verdade, o pobre é a carne moída dos ricos!
Rúlio: e na maioria das vezes, dada a alienação histórica, parece que o pobre gosta de ser a carne moída dos ricos, já que, em se tratando das grandes  sacanagens que sofre, quase nunca tem boca para nada e quase nunca reage ou, quando reage, após algumas migalhas que caem da mesa dos ricos e dos políticos,  a revolta relâmpago acaba facilmente. Na real, todas as tragédias desse mundo, e a história prova isso, aconteceram e acontecem pela permissividade da grande massa historicamente alienada. Um ditador deita e rola, faz os diabos, tudo o que lhe der na telha com meia dúzia de puxa sacos em volta, porque a maioria do povão é alienada e incapaz de reagir contra as injustiças, os abusos criminosos e até mesmo contra a pior miséria. Mas, esse mesmo povão que teme reagir contra ricos e políticos corruptopatas, vira uma Leão contra si mesmo e se torna um gigante quando se trata de agredir nóias ou miseráveis.
Elisa ri, e diz: o povão, na real, é um ajuntado de idiotas e covardes. Mas e o Platão, ein?
Rúlio: muitas pessoas acham que só existe o Mito da Caverna em Platão e que esse é supra-sumo da filosofia, inquestionável. Não é não! Platão, no fundo e no geral, foi um idealista, um sonhador e, ao final, um vendedor de ideias e talvez 'o primeiro Coach da história'. Numa de suas idas à Sicília foi vender uma de suas Ideias feito um 'Coach' e acabou sendo vendido como escravo pelo Tirano Dionísio, O Velho, de Siracusa. Platão esperava vender a Ideia de Rei-filósofo ao megalomaníaco, um lixo sofista, enganador, um papudo que tentava se passar por filósofo. Não fossem os amigos, como Arquitas de Tarento, implorando pelo 'Bípede sem penas', Platão teria acabado em maus lençóis. Tudo, por causa de sonhar demais, sobretudo, por acreditar demais nas suas próprias invencionices e ilusões. Na real, sempre teve e terá vários Platão por aí, ou seja, vendedores de ilusões.  
Elisa: ah, meu amor, isso é o que mais tem, assim como sempre haverão idiotas que compram tais ilusões. Os golpes vem e vão desde que o mundo é mundo, cai quem quer, não é?
Rúlio: Sem sombra de dúvida minha cara, sem dúvida. A ciência tem provado e a filosofia corroborado, cada dia mais, que tudo não passa de meras invenções de uma espécie de animais pensantes, ou como gosto de dizer, 'partículas de poeira cósmica pensantes' que um dia, cedo ou tarde, talvez mais cedo do que se possa imaginar, desaparecerão da face da Terra e do Universo, como os dinossauros. Sim, respeito algumas opiniões e sentimentos que me parecem dignos de respeito, mas a maioria das coisas que as pessoas dizem ou acreditam, as vejo com grande cautela e quase sempre, embora odeie estar certo quase o tempo todo, vejo que a maior parte das coisas nas quais as pessoas acreditam são mentiras, papo pra boi dormir.
Elisa: então você não acredita no amor também? Não ama também?
Rúlio: o que é o Amor, Elisa? Até hoje não fui capaz de entender isso, tão pouco definir essa coisa que chamam de amor. Por isso, como eu poderia acreditar em algo que não sei o que é?
Elisa: pode ser que você tenha razão. Achamos que amamos e que experimentamos o amor mas é só sentimentos fakes, vazios, na maioria das vezes. Até acho que o único momento em que um homem e uma mulher são 'quase' totalmente sinceros e verdadeiros um com o outro é na cama, durante o sexo. Fora da cama, é tudo uma guerra fria, competição, faz de contas, chifres, agito e loucurada da vida.
Rúlio: será? Muitos fingem até que estão gozando.
Elisa: é verdade meu querido. Muitos. Mas com você eu não fingi não, gozei e muito, gostoso demais.
Rúlio rindo como um personagem de Charles Bukowski: eu sei, sempre acabei deliciosa e complicadamente lambuzado.
Elisa: safado! Adoro! Mas, voltando ao assunto, que é muito triste isso de não sabermos se existe amor de verdade, é, não é?
Rúlio: para mim, tanto faz!
Elisa: credo! Então, você não acredita mesmo que um dia possa existir a mínima possibilidade de encontrar o amor, amar?
Rúlio: isso mesmo!
Elisa: por quê Jesus 'Cristineo'?
Rúlio: simples, Elisa, você pode ser provada, tocada, sentida, logo, você existe. Pode ser experimentada, pode ser vivida. Agora, se me falassem que 'existe Elisa', sem nunca tê-la visto, acharia muito estranho e, claro, não aceitaria essa fala como verdadeira. Pior ainda, se me mostrassem um quadro ou estátua de mulher e dissessem: esta é Elisa! Eu mesmo assim, não aceitaria isso como verdade, porque não te conheceria, não saberia quem é, se existiria de fato, compreende?
Elisa: acho que te compreendo agora. Mas, duvido que nunca tenha amado ou sido amado por alguém.
Rúlio: como você mesma disse, quem não mente? Mas pior são os que mentem e acreditam na própria mentira e a transformam em verdade absoluta!
Elisa: então o amor pra você é uma mentira?
Rúlio: isso que você chama de amor ou qualquer outra coisa dita divina, para mim, de fato, não passa de mais uma mentira que a humanidade conta para ela mesma, uma ilusão sem pé, nem cabeça.
Elisa: mas apesar de todos mentirmos, você não acha isso algo ruim, mal, errado?
Rúlio: certo, errado, bem, mal, bom, mau, santo, pecado, esses conceitos nunca estiveram claros para mim. Quem inventou essas coisas, assim como as regras sociais? Os poucos endinheirados que controlam o Planeta? Meia dúzia de famílias podres de ricas em conluio com religiopatas? Um punhado de gente abastada que controla tudo, controlando todas as narrativas, histórica, religiosa, cultural, espiritual, moral, legal, etc etc? Para mim, tais conceitos não passam de meras invenções de uns para dominar os outros. Além disso, como a vida humana não faz sentido algum para a existência do universo, sendo um mero acaso ridículo, tragicômico, tanto faz o que é bom, mau, bem, mau, santo, pecado, etc etc etc.
Elisa: então por que você vive? Por que acredita em mim?
Rúlio: sabe, quando eu era menino, fiz uma pergunta aos meus pais: por que eu vivo? Por que eu fui feito? E bem francamente, como bons descendentes de Genoveses, eles disseram: 'filho, nós queríamos tê-lo, para amá-lo, para ensiná-lo nas lides do comércio, para que herdasse nossas coisas, estudasse, fosse alguém respeitado, um homem de respeito! Casasse, tivesse filhos, e então, se tornasse avô! Mas, sobretudo, nós o queria para amá-lo. E, assim, aos dez anos de idade, tive a minha primeira crise existencial.
Elisa: como assim?
Rúlio: considerava meus pais, gostava muito deles, era admirador e fã de minha mãe. Meu pai, apesar de morrer cedo, sempre foi meu herói. Me indaga, o que era esse tal amor? E após pensar muito, conclui que era uma mentira necessária para que a vida tivesse algum sentido. Eles não me queriam para nada. Só queriam saciar seu desejo de ter um filho, fosse o que fosse. Essa que era a verdade. Como a maioria da humanidade o faz. Claro, com os anos, pela convivência, as pessoas se apegam, pegam 'amor ou repulsa, sentimentos que podem construir um ser humano muito melhor que seus genitores ou um monstro terrivelmente pior, alguns, como podemos ver na sociedade de hoje e sempre, principalmente, na política, são tão piores que fazem até o diabo sair correndo, já outros ainda, são grandes piadas tragicômicas ambulantes.
Elisa: quer dizer que você não se importava se eles amavam ou não, pois, para você, o amor é uma mentira e a verdade, se é que existe, talvez também seja uma mentira, uma invenção, algo que não existe de fato?
Rúlio: veja, que diferença faz se eles me amavam, já que tudo um dia desaparece, se perde no tempo? Tanto faz se o mundo nos amar ou nos odiar, tudo vai desaparecer e se perder eternamente mesmo! O tudo nasce do nada e ao nada volta. E enquanto o nada acontece, a vida humana, vazia de sentido, não passa de uma mera distração! Tudo o que pensamos, criamos, inventamos, falamos, sentimos, fazemos e acreditamos são meras distrações! Diante da morte inevitável, o oceano para onde todos os rios correm, tudo não passa de mera distração!
Elisa: distração! Então, tudo é uma grande distração!
Rúlio: apesar de tua ironia, é isso mesmo. Goste ou não, acredite ou não, aceite ou não. E é por esse motivo que não se deve levar a vida a sério. Afinal, tudo acaba, desaparece, se perde no labirinto do tempo. Se a alegria e o contentamento já são coisas pequenas, a tristeza, a depressão, a solidão, o sofrimento, o tédio e a tragédia de uma vida inteira, devem ser menores ainda, muito embora quase sempre façamos grandes montanhas deles! Se a comédia da vida é sem graça, a tragédia é ridícula! Por isso que fazemos nascer a tragicomédia, que é a maior expressão da existência humana no universo, uma piada mais do que ridícula e sem graça, que arranca risos e aplausos apenas de gente burra e de bêbados.
Elisa: falando assim, você imita o anjo da morte. Acho que se alguém passar muito tempo da vida te ouvindo ou fica louco ou se suicida!
Rúlio: é por isso que amo o barulho do meu silêncio. Pois, diante de coisas tão grandes, de questões tão provocantes, de boas distrações, formos falar de que time joga amanhã, eu prefiro ser mudo!
Elisa: chega desse papo! Isso me incomoda e minha pobre cabeça é pequena demais para essas coisas. Vamos nos distrair um pouco? O que acha?
Rúlio: sabe Elisa, acho que a verdade é como uma linda vagina e nós, humanos, virgens curiosos. Se um dia pudermos penetrá-la, faremos de tudo para prová-la mais e mais vezes. Contudo, de qualquer forma, tudo está fadado ao fim, então, que provemos todas as vaginas, ops, verdades terrestres, afim de nos distrair e nos divertir.
Elisa: realmente, você é muito esperto ou muito burro!
Rúlio: pode ser os dois e tanto faz!
Elisa: teu discurso é comprido, assim como outra coisa, oh, meu Deus!
Rúlio: cada um tem seu juízo!
Elisa: eu não tenho juízo! Se tinha, o perdi por aí!
Rúlio: fundaremos um clube!

Parte 7: Um novo dia, um novo adeus
    
    Rúlio havia adormecido e se perdido no corpo de Elisa. Sempre se pegava surpreso com a persistência, a obstinação com que ela se empenhava para ter o que queria, mesmo que isso significasse se submeter e parecer submissa às coisas e pessoas que ela, no fundo, desprezava.
    
    Elisa: por que veste a calça? Ainda é cedo!
    Rúlio: visto porque se andar pelado pelas ruas, certamente, volto a fazer companhia ao Digão na cadeia. Cedo ou tarde, todos temos de partir minha cara.
    Elisa: que drama já cedo ein?
    Rúlio: não há drama aqui, apenas a realidade.
    Elisa: para onde vai?
    Rúlio: qualquer lugar. Estive tempo demais com você. Isso é ruim para mim.
    Elisa: como é que é?
    Rúlio: Elisa, não me entenda mal, mas preciso partir. Disse o 'Sobrinho de Rameau' do Denis Diderot...
    Elisa: já cedo? lá vem...
    Rúlio: então me vou.
    Elisa: para com isso, continue a dizer o que dizia.
    Rúlio olha como um bêbado que vai vomitar, mas se controla, e diz:
Disse o 'Sobrinho de Rameau' do Denis Diderot: 'Você sempre demonstrou algum interesse por mim porque sou um pobre diabo simpático que, no fundo, você despreza, mas que o diverte". Nesse mundo, Elisa, a maioria das pessoas é interesseira, traiçoeira, picareta. Não precisa ser rico para ser apunhalado pelas costas, basta que os que dizem te querer bem, percam o interesse que tem por você. Mas, quando se é rico e deixa de ser, é fácil ver quando as tetas da fartura e da riqueza secam, as duas caras dos pilantras que te juravam amor eterno enquanto se afastam de você como se estivesse todo cagado, fedendo. E não adianta lamentar, chorar ou ter ódio deles porque eles não estão nem aí para você. Por isso, a maior tolice que podemos cometer é esperar alguma coisa boa das pessoas e do Mundo. Claro, se algo bom acontecer, se está no lucro, porque é inesperado. Entretanto, não vale a pena se humilhar achando que as pessoas vão te apoiar. Ninguém apoia ninguém, nem na pior das situações, sem algum interesse escuso. O Quasímodo, Jean Valjean, Gilliatt, Gwynplaine e outros personagens de Victor Hugo comprovam isso.
    Elisa: e que diabos você quer dizer com esse discurso todo?
    Rúlio: não tenho nenhum interesse escuso por você, não quero te apunhalar pelas costas e não quero ser apunhalado. Não mais. Por isso disse que 'é ruim para mim'.
    Elisa: isso soa ingratidão...
    Rúlio: não lhe devo nada, nem ingratidão, pois não lhe pedi nada.
    Elisa: você é doido mesmo. Mas fica um pouco mais! Nasceu um novo dia, o Sol está lindo, iluminando as nossas vidas! Fique!
    Rúlio: por que quer tanto que eu fique, porra? Acaso acha que sou seu mendigo de estimação?
    Elisa: estou apaixonada por você...
    Rúlio: não tem nada de útil para dizer não?
    Elisa: insensível! É verdade! Acho que me apaixonei por você.
    Rúlio: desde o início lhe disse que me é impossível viver com as pessoas. Eu apenas estou nessa porra de mundo, para mim tanto faz, amor, vida, morte, tragédias, comédias, tudo é um grande tanto faz! Quanto mais tempo as pessoas ficam umas com as outras se tornam âncoras umas das outras ou objetos, propriedades, merdas às quais se apegam e aí ferram com tudo e se afundam, como as vítimas da máfia com pesos amarrados ao corpo.
    Elisa: eu não te prendo, nem quero te prender. Você pode ir pelo mundo, continuar a ser mendigo, andarilho doido, filósofo de porra nenhuma a procura de nada, mas saiba que, independente do que faça e de como esteja, se limpo ou fedendo, vivo ou quase morrendo, sempre poderá voltar aqui para a sua âncora, mas, que acima de tudo, é sua amiga e que, por mais absurdo e mentiroso que lhe pareça, lhe quer bem de verdade.
    Rúlio: eu sei, Elisa. Eu sei que você sempre teve algum interesse por mim, porque de alguma maneira lhe divirto.
    Elisa, com gracejos: como pode dizer isso, meu safadão ingrato?
    Rúlio: é o que é, não é?
    Elisa: tu é um lunático mesmo! Insensível, puta que pariu, viu?!
    Rúlio: está vendo? Não posso viver com as pessoas, não sou bom com as pessoas.
    Elisa: odeio você, mas acho que mais amo do que odeio, seu louco!
    Rúlio, rindo: só se pode odiar aquilo que ama, dizem.
    Elisa: vou te ver outra vez?
    Rúlio: Não sei, talvez, ou nunca mais! De qualquer forma, gostei da roupa! Muito grato, Elisa.   
    Elisa: não me deve nada, nem ingratidão.
    Rúlio: essa eu te dou, de grátis!
    Elisa: louco!
    Rúlio: se Eurípedes estiver certo, "quando nascemos, morremos. Quando morremos, nascemos". Assim, cada dia que nasce é um novo Adeus! Cada chegada é uma partida e cada partida é uma nova chegada! Elisa, minha querida, teu amor é Parmênides e a minha loucura é Heráclito'.    
    Elisa: que seja, meu amor uma âncora e tua loucura o mar inquieto, revolto, aquilo que nunca para de se movimentar. No final, sempre restarão apenas as lágrimas de quem fica. Vai, meu querido louco Andarilho Errante!
    Rúlio: a única coisa que temos é o passado, o presente é acidente, acaso, uma cagada cósmica. Saibas, no entanto, levo um pouco de você comigo, acredite ou não, é sincero.
    Elisa, lacrimejante: seu louco! Odeio você!
    Rúlio: eu não! Até a próxima, Elisa...
E se foi, como todos os que vem e vão na vida.

    E como um cão sem dono, Rúlio despediu-se de Elisa e seguiu sua caminhada pela vida. Passando na frente de um cemitério, observou uma multidão de estranhos falando alto. Tratava-se de uma greve. Mas não era qualquer greve, era uma greve dos coveiros.

Parte 8: A sina dos coveiros


    Rúlio se aproxima da Capela e pergunta a um homem: olá, amigo, o que está sucedendo aqui?
    O homem desconfiado, olha de soslaio e diz: uma greve. Um velório em meio a uma greve, uma greve em meio a um velório.
    Rúlio: quando pensamos ter visto de tudo, nos deparamos com o quase, com coisas que jamais imaginávamos ver. E o senhor, o que faz aqui?
    Homem: estou apenas olhando. É que estava vendo TV e nada havia de interessante. Depois, liguei o rádio e juro que preferi ter nascido surdo. Então, saí na janela e vi esse tumulto, então pensei que alguém importante tinha batido as botas e vim ver de perto. Agora vejo que há um impasse com os coveiros.
    Rúlio: mas tem muita gente aqui mesmo, por isso achei curioso e decidi me aproximar.
    Homem: olha! Aí vem um dos coveiros! Vamos perguntar o que acontece.
    Rúlio: e aí amigo, o que sucede neste lugar?
    Coveiro: meu amigo, se te digo, nada! Nada acontece! Nem aqui, nem em lugar algum! Nem nesse Brasil, nem no mundo! Sou a terceira geração de coveiros da família! Meu bisavô, meu avô, meu pai e eu honramos nosso ofício de enterrar gente mas somos tratados pior do que lixo. O senhor sabe, cada um nasce com um dom, uns nascem para viver, alguns para morrer, outros para viverem mortos em vida e nós, para enterrar a todos!
    Rúlio: de fato! O senhor está coberto de razão! Mas, diga-me, qual é o motivo de todo esse tumulto e por que tem tanta gente aqui?
    Coveiro: querem proibir o pobre de ser enterrado no meio dos pobres.
    Rúlio: como é que é?
    Coveiro: esse é um cemitério municipal, não é particular. O cidadão que morreu é pobrezinho, sem parentes, sem ninguém, mas tem padres aqui querendo levá-lo para o cemitério da comunidade Ucraniana, que é particular.
    Rúlio: mas o que isso tem a ver com todo esse impasse?
    Coveiro: dá pra ver que você é de fora mesmo. Tem, meu amigo, que se o morto for velado aqui, deve ser enterrado aqui! Sobretudo, porque nós, Os Coveiros, velamos esse pobre miserável a noite toda, até cavamos a sua cova! Saiba o senhor que até nós, Os Coveiros, temos um código de ética, que basicamente diz: "É dever de todo o Coveiro enterrar todo o Brasileiro, seja ele quem for, de onde for, sem discriminação de raça, cor, religião ou condição financeira".
    Homem: então, todo esse fervo, esse tumulto, é porque querem levar o morto pro Cemitério Ucraíno?
    Coveiro: não! De maneira alguma! O problema são esses padres, mortos de fome por dinheiro!
    Rúlio: que tem eles?
    Coveiro: qual é a profissão do senhor?
    Rúlio: trabalhador cerebral.
    Coveiro: nunca ouvi dizer. Mas, vamos dizer que um carpinteiro invade a sua profissão, não seria errado?
    Rúlio: seria perda de tempo da parte dele. Mas, não acharia nem certo, nem errado. Acharia que ele é um besta, um louco mais louco do que eu.   
    Homem: por que diabos fala isso?
    Rúlio: o que eu faço não é grande coisa. Então imagina que loucura seria se alguém invadisse o que faço para tomar meu lugar?
    Homem: tem razão, seria bem idiota.
    Coveiro: então, esses padres, vem aqui dizendo que o morto é Ucraino e, por isso, podem levá-lo para outro buraco! Isso não nos convence e nos irrita profundamente! Por nós, enterramos qualquer um em qualquer lugar.    
    Rúlio: eu o compreendo. Também sei que tudo nesse mundo tem um preço ou custo, nascer tem um custo, viver tem outro custo e morrer também tem um custo! Quem está custeando esses trabalhos?
    Coveiro: a prefeitura! Já que o morto é um sozinho, um indigente, a prefeitura paga tudo. Por isso esses padres estão aqui. Todos querem um lugar ao Sol, não importa que meios usem para consegui-lo. Só acho que a pessoa tem que ser do ramo, ter talento, levar jeito para a coisa! Nós somos coveiros e não vamos lá rezar missas. Da mesma forma, não queremos que padres venham aqui dar uma de coveiros, inclusive roubando defuntos para enterrar em outro lugar!
    Rúlio: meu amigo, será que os padres seriam capazes de tamanho absurdo?
    Coveiro: é por isso que esse urubus estão aqui. Olha, para mim, a religião de uma forma geral é uma doença! As igrejas são uma máfia! Já reparou que esses caras trazem sempre um Cristo morto, pendurado na cruz? Por que não mostram o Cristo vivo, ressuscitado, chutando o pau da barraca? O homem que superou a morte? Pelo óbvio né? Para dizerem que todos estão perdidos, que tudo é pecado e atrás de suas máscaras santas e morais, se dizem a cura para as doenças da mente e da alma.
    Rúlio: olha, para um simples Coveiro, tu parece bem esclarecido, sem ofensa!
    Coveiro ri e diz: tá achando o que rapaz? Nóis não é fraco não. Tenho um monte de livros velhos e leio desde criança. Abandonei a escola no 1º ano do segundo grau e trabalho de coveiro desde essa época. Antes, era aprendiz de Papai, hoje sou o legado de Papai na profissão.
    Rúlio: excelente, homem! Continuando com teu raciocínio, como pode a doença ser ao mesmo tempo a cura? Compreendo o que me diz. Eles fazem isso para dominar e manipular o povão. Ainda há pessoas pensantes que não dobram seus joelhos para essa cambada de espertalhões, estelionatários da fé. Mas, é como você disse:  "cada um tem um dom, o deles é o dom de mentir muito bem, outros tem o dom de acreditar, alguns de duvidar e o de vocês, caríssimos Coveiros, o de enterrar gente".
    Coveiro: isso mesmo!
    Homem: mas, eu não entendi nada. Já que vocês enterram qualquer um em qualquer lugar, porque não deixam o morto ser enterrado lá? Por vocês ou por outros coveiros? Tanto faz! Não é? Digo, que diferença vai fazer? E todos vão para casa em paz.
    Coveiro: acontece que nenhum coveiro quer enterrar o morto no cemitério Ucraniano, só porque os padres dizem que o morto é Ucraniano e que, por isso, deve ficar com os Ucranianos. Isso é inadmissível!
    Homem: mas, assim não estão quebrando suas regras?
    Coveiro: nós excedemos as regras. Eles as regras, o bom senso e a vergonha na cara. Por isso estamos todos os coveiros aqui. Se é para quebrar regras, que façamos todos juntos.
    Rúlio: amigo, de qualquer maneira, embora o morto não ligue a demora, ele tem de ser enterrado. Ou seja, vocês terão de entrar num acordo.
    Coveiro: nós enterramos qualquer um, em qualquer lugar. Mas,  somos brasileiros, nascidos no Brasil. Claro, cada um tem sua descendência, mas nascidos no Brasil, brasileiros antes de qualquer coisa! Se o morto é brasileiro, o argumento de que deve ser enterrado no cemitério Ucraniano é uma sacanagem, uma falsidade absurda!
    Rúlio: já sei! Vamos acabar logo com isso. Chamem o prefeito pra resolver em que cemitério deve ser enterrado esse dito cujo morto, já que é a prefeitura que paga tudo, não é?
    Coveiro: boa ideia! Vou falar aos companheiros.
    O Coveiro subiu numa cadeira, em meio ao velório e falou aos demais: amigos! Irmãos de profissão! Cada um nasce com um dom. Viver a vida sem fazer algo que preste com o dom que tem é um absurdo! Por isso somos Coveiros, com muita honra! Por isso convivemos com a morte, com a tristeza, com as lágrimas das pessoas. O que para muitas pessoas é impossível de suportar, para nós é um prazer! Esse é o nosso dom e vivemos conforme esse nosso dom! Quero dizer para vocês, companheiros, que seria um absurdo nós coveiros, com nosso dom de enterrar gente, querermos se passar por padres, médicos ou políticos. Da mesma forma, seria ridículo que um padre, médico ou político viesse aqui exercer a nossa profissão de Coveiros!
    Os coveiros aplaudiam o chefe dos coveiros freneticamente!
    Em meio ao frenesi dos companheiros, o Coveiro Chefe, voltou a dizer: agora, estamos numa situação incomum. Aqui tem um morto, homem nascido no Brasil, portanto, Brasileiro! E é dever dos Coveiros enterrar todos os Brasileiros. Porém, temos os padres que aqui estão, que dizem que este morto não é Brasileiro mas Ucraniano! Por isso, os padres querem enterrá-lo no cemitério Ucraniano! Pergunto, se ele nasceu na Ucrânia, porque não o enterram na Ucrânia? Agora, os padres dizem que se nós não o enterrá-lo, eles próprios o farão! Então, chamamos o prefeito, para decidir onde este morto será enterrado. Afinal, quem vai pagar esse serviço é a prefeitura.
    Chega o prefeito da cidade, um gordalhão que parecia meio bêbado. Os padres não dão um pio.
    Coveiro diz: senhor prefeito! O que decidiu?
    Prefeito: meus amigos, temos de enterrar um brasileiro morto. Mas, para isso, temos de entrar num acordo. Vamos conversar num local mais reservado...Venham!
    Então, se dirigiram para o canto da Capela, prefeito, o líder dos Coveiros, os padres, Rúlio e o Homem, feito dois penetras em uma festa.
    Padre diz: senhor prefeito, como o senhor sabe, a igreja cuida das almas, o político das almas dentro dos corpos enquanto cidadãos e os coveiros enterram os corpos quando as almas vão para o outro mundo. Contudo, a igreja também deve cuidar dos corpos para que no dia do Juízo Final, os que estão mortos, ressuscitem e sejam julgados! Há um homem morto que pertence à nossa etnia. Sem família, nós padres cuidaremos dele, como se fosse a sua própria família. Dessa forma, pedimos permissão à Vossa Excelência, para enterrá-lo no cemitério Ucraniano, com a ajuda dos Coveiros.   
    Prefeito arrota e diz: desculpe, o que tem a dizer o amigo Coveiro?
    Coveiro: senhor prefeito! Cada um aqui descende de algo. Afinal, o Brasil é uma grande mistura de povos! Mas, no nosso modo de ver, nasceu no Brasil é Brasileiro e, portanto, deve ser enterrado aqui no cemitério Brasileiro! Além disso, convenhamos, enquanto este homem estava vivo, os padres que aqui estão nunca tinham ouvido falar do sujeito, nem mais magro, nem mais gordo.  Por que não cuidaram dele em vida? Será porque ele era um pobre diabo andarilho? Será porque ele não ia na missa dar lucro? É engraçado, sério, agora que é um homem morto, seu enterro será pago, os senhores padres vem aqui requisitar o defunto! Pois digo, se o senhor decidir em favor dos padres, que eles mesmos o enterre!
    Prefeito, suando feito um porco, diz: ai, ai ai! Mas em que situação vocês me colocam! Meu amigo Coveiro, vocês são importantíssimos, isso não há dúvida! Mas, não podemos nos indispor com a igreja. Se os padres assumirem essa função, que seja feito! Algo contra?
    Coveiro: tudo! Mas, o senhor é quem decide! Só que nós Coveiros não nos submeteremos a isso!
    Padres, como urubus na carniça, dizem: pois bem! Nós o enterramos! Sem problemas! Mas, para quem devemos mandar a nota de cobrança?
    Prefeito: para a secretaria de finanças! Afinal, nem sei direito! Falem com alguém na prefeitura, lá eles lhe pagam, só não sei quando, mas pagam.    
    Padre rindo de canto da boca: muito grato senhor prefeito! É um bom Cristão! Nos lembraremos do senhor na reeleição.
    Prefeito: amém, padre! Agora, tenho de ir senhores, até uma próxima!
    O prefeito se foi como se nunca tivesse vindo. O Coveiro estava puto da cara. Mais triste do que puto. Mas, afinal, quem pode com a igreja quando ela se une com os políticos? Os Coveiros são apenas Coveiros. Um morto é apenas mais um morto. Então, Rúlio vendo o desânimo do Coveiro, resolveu falar-lhe: amigo Coveiro, nem perca tempo ficando triste ou nervoso. Não vale a pena! Eles não estão nem aí se você vai ficar triste, nervoso, desanimado. Não baixe sua cabeça para os desgraçados do mundo!
    Coveiro: eu até agradeço suas palavras, mas às vezes, por mais que ignoremos uma filhadaputagem, não tem como não ficar puto e triste com a filhadaputagem.
    Os outros Coveiros se aproximam e Rúlio diz: escutem todos, amigos, vocês perderam um morto mas não perderam o dom de enterrar! Ainda haverão muitos mortos para serem enterrados! Na maioria das vezes, a raiva, a indignação e a revolta são muito melhores do que a tristeza. Que a vossa raiva, vossa indignação e revolta se tornem o combustível para irem em frente, enterrando gente! Mas, ao invés de se perderem na tristeza e na revolta, como aconteceu a muitos na história da humanidade, se orgulhem e mantenham a cabeça erguida! Vocês são fiéis ao dom que tem, não fazem isso apenas por dinheiro! Digo a vocês meus amigos, não é fácil amar alguma coisa nesse mundo cão, mas ao amarem o que fazem e fazerem o que amam, vocês servem de exemplo para o mundo, pois não esperam ser amados por amarem fazer o que amam!
    Homem: isso mesmo! Façam o que amam! cavem, abram as covas, sepultem, enterrem! Mas não esperem aplausos! Não esperem ser amados por amarem aquilo que amam! Vocês mesmos se aplaudem ao viverem a vida seguindo o dom que tem! Portanto, não precisam de aplausos de ninguém além do aplauso de si mesmos diante da Vida, pela coragem que tem de viver conforme o vosso dom!
    Coveiro: vocês tem razão amigos. Amigos Coveiros, irmãos de batalha, a natureza que a tudo criou não vai jamais exigir que o Lobo se faça Cordeiro! Assim é com o dom que temos, ele nunca nos permitirá ser outra coisa! Devemos nos alegrar apesar de tudo, porque não somos padres. E os padres devem se envergonhar e se entristecer, pois, por dinheiro traem o suposto dom que tem, se fazendo até de coveiros!
    Então, todos os Coveiros se aplaudiram e os padres levaram o morto. E Rúlio dizia ao homem que ainda lhe restara uma dúvida cruel, pois não sabia quem mais enterrava os Brasileiros, se os padres, os médicos que muitas vezes se passavam por açougueiros, os políticos ou os Coveiros.
    Homem: talvez um pouco de cada, ou, os próprios Brasileiros se enterram sozinhos. Quanto a nós, quem nos enterrará um dia? Seremos nós mesmos?   
    Rúlio: tanto faz! Tudo, de uma forma ou de outra, será enterrado. A vida humana, vazia de sentido, soterra a ela mesma. Até a Terra um dia será despedaçada e enterrada no vazio do Universo.
    Homem: o que quer dizer?
    Rúlio: tudo é uma piada, uma mera distração.
    Um padre que passava ouviu tudo e disse: tuas palavras me fazem rir, Andarilho.
    Rúlio: à mim, a tua existência, padre.
    Homem: padres! Quem precisa de intermediários para chegar à Deus? Tolice!
    Rúlio: há muitos tolos, o maior está em Roma, falando que se entristece com a miséria no mundo se entupindo de tudo do bom e do melhor que o dinheiro dos idiotas pode pagar. Certamente, para o Papa, nós somos os maiores tolos!
    Homem: é!
    Rúlio: mas tanto faz! Tudo voltará ao nada.
    Homem: você é louco? Então, por que anima as pessoas se acredita que tudo que não passa de uma tragicômica piada?
    Rúlio: me diverte! Me distrai!
    Homem: trabalhador cerebral, tua visão parece mais escura que a noite! O que pensa da vida, afinal?
    Rúlio: muitos acham que a vida humana é bonita, suportável e iluminada. Mas, na verdade, a realidade é outra. Diante da imensidão cósmica, a vida humana é mais escura que mais profunda escuridão. A vida humana é escura, profundamente escura, cheia de energia escura, porém, ela também pode ser terrivelmente bela, se fingirmos que ela não é a escuridão que é. Contudo, a vida humana é um nada sem causa, um acidente do Universo, uma concepção indesejada da Natureza Universal, uma tragédia sem graça e sem sentido. Felizmente, A Vida um dia rirá, quando a tragédia da vida humana for enterrada no espaço sideral. De qualquer forma, para o Universo, sobretudo, para o Cosmos, tanto faz!
    Homem: nunca vi um homem falar da vida de forma tão fria e ao mesmo tempo confiante! Realmente, a loucura não é nada perto de você! Mas, confesso que estou terrivelmente perturbado com esses seus pensamentos. Pois, se pensarmos bem, lá no fundo e na ponta da caneta, tanto faz o que fazemos ou deixamos de fazer, se no final tudo será aniquilado, extinto.
    Rúlio: amigo, a morte vem para reduzir todas as alegrias, tristezas e perturbações a nada! Independente se existir ou não um outro mundo, morreu? Tudo acaba aqui. Tudo o que você foi, é e gostaria de ser, vai pro vinagre. Sorte ou azar, alegria ou tristeza de quem fica. É simples assim.
    Homem: mas como é que você diz se divertir com uma coisa perturbadora dessas?
    Rúlio: quem não mais se perturba com nada é porque já se perturbou com tudo, meu amigo. A vida humana é uma tragédia, tão breve e profunda, que nos faz pensar tão seriamente, a ponto de levar a todo o ser vivente, em algum momento da vida, refletir sobre dois caminhos: acabar logo com isso ou deixar como está. Eu não faço isso nem aquilo, apenas me distraio, até chegar o fim inevitável.
    Homem: e você sabe quando será seu fim?
    Rúlio: a qualquer momento, depende de cada um. Só depende de você!
    Homem: suicídio? Fugir da vida? Acovardar-se?
    Rúlio: Robert Frobisher, um personagem de um livro magnífico que depois se tornou um filme magnífico, Cloud Atlas ou Atlas das Nuvens, (também chamado de 'A Viagem' no Brasil), dissera: “O verdadeiro suicídio requer disciplina. As pessoas dizem que o suicídio é um ato de covardia, mas isso não pode estar mais longe da verdade. O suicídio requer uma coragem tremenda". Por que o suicídio é visto como uma coisa horrível? Uma covardia? Para muitos, pode ser o resultado de uma longa depressão, ou de uma longa reflexão sobre a vida e tudo o que existe. Estima-se que quase um milhão de pessoas se suicidam por ano no mundo todo. Toda essa multidão de viventes estão fugindo da vida? São covardes, loucos, doentes, ou são verdadeiramente corajosos? Ou um pouco de tudo?
    Homem: pois para mim é uma mistura de doença, depressão, mas sobretudo, covardia, fugir da vida mesmo, como se isso adiantasse alguma coisa. Muitos acham que irão 'descansar em paz', se livrar dos B.O, dos problemas, mas na real, segundo dizem muitos espiritualistas sérios, não tem essa de 'descanse em paz', ou seja, eles dizem que a coisa, a vida, continua, talvez até em pior situação do outro lado! Imagina só? O cara se mata achando que vai descansar em paz,  ir pro Céu, ir com Deus, Jesus ou o Elvis Presley, ou que não vai mais sentir dor, medo, tristeza, solidão, depressão e quando menos espera se vê fora do corpo, vivo, isto é, mais vivo do que nunca e com todos os problemas na cabeça o atormentando, só que num nível mais fodástico! Calcule só?
    Rúlio: isso sim seria uma puta ironia! Fugir dos problemas e dar de cara com eles, só que maiores. 
    Homem: esses tempos, uma amiga da minha mulher, postou uma coisa nas redes sociais, dizendo assim: 'A vida é ingratidão, desgraça, tristeza e decepção. Por mais que você dê o melhor de si, isso nunca bastará. Raras são as coisas boas. Rezo para Deus que essa vida passe logo para que eu possa descansar em paz'. Observe só o nível de loucura: 'Rezo para Deus que essa vida passe logo para que eu possa descansar em paz'.
    Rúlio: e o que sucedeu a ela?
    Homem: se jogou do viaduto. Mas ao cair no asfalto não morreu na hora, ficou agonizando e como era noite, os caminhões passaram por cima dela já toda quebrada. Aí sim, ela morreu. Agora, imagina se os espiritualistas sérios tem razão, isto é, se a pessoa não morre de fato já que o que morre é só o corpo físico dela, o que essa mulher passou depois de ser detonada no asfalto? Imagina a cara dela quando caiu na real e percebeu que não morreu, que não descansou em paz? Tipo assim, dizendo: se fodeu!?
    Rúlio: as pessoas, de fato, se matam por diversos motivos, principalmente, por ignorância. Muitas se matam em vida e ficam por aí vagando feito fantasmas mas com o corpo físico, os olhares chorosos e tudo mais, como dizem os ditos espiritualistas.
    Homem: ah, isso é verdade. Muita gente já morreu e esqueceu de cair. Alguns parecem como os zumbis dos filmes, sem cérebro, só vagando pelo mundo e enchendo o saco dos outros.
    Rúlio ri: tens razão, amigo! Mas, voltemos ao assunto inicial. Não penso que o suicídio seja covardia. Ao meu ver é uma forma de Poder. Poder sobre si mesmo. Viver e morrer como você quer significa Poder e a mais alta forma de liberdade. 
    Homem: mas você não acha isso um mal? Um atentado contra a Vida? E o que me diz sobre morrer, se matar e quebrar a cara, isto é, continuar a viver?
    Rúlio: Sócrates, há muito tempo na história para trás, lá na Grécia, dizia:  "Sim, o reviver é um fato, os vivos provêm dos mortos, as almas dos mortos existem, sendo melhor a sorte das boas e pior a das más". E mais adiante ele diz: "Afirmar, de modo positivo, que tudo seja como acabei de expor, não é próprio de homem sensato; mas que deve ser assim mesmo ou quase assim no que diz respeito a nossas almas e suas moradas, sendo a alma imortal como se nos revelou, é proposição que me parece digna de fé e muito própria para recompensar-nos do risco em que incorremos por aceitá-la como tal. É um belo risco, eis o que precisamos dizer a nós mesmos à guisa da fórmula de encantamento. Essa é a razão de me ter alongado neste mito".
    Homem: o que quer dizer?
    Rúlio: quero dizer que penso que as coisas não são bem assim.
    Homem: mas os espiritualistas...
    Rúlio: ah sim, a mente humana é capaz de inventar uma infinidade de coisas, até mesmo o que parece 'inventável'.
    Homem: será?
    Rúlio: seja como for, penso que bem, mal, bom, mau, certo, errado, santo, pecado, aqui e além, todas essas coisas são meras invenções de uns para controlar os outros, pelo medo, principalmente, medo da vida depois da vida. E convenhamos, como pregam a existência de coisas horríveis no além, não é? Como se não bastasse as coisas terríveis que já vivemos nesse mundo! Para mim, portanto, são piadas! O que é a vida humana para A Vida, o Universo e Cosmos? Um nada dentro de muitos nadas. Independente do que acontece no além ou seja lá como chamem, o que significa 'morrer como e quando você quiser?'. Significa Poder sobre si mesmo! Mas, mais ainda, é a afirmação da tua grandeza! Assim como A Vida e o Universo são indiferentes em relação à tua existência, bem como a existência da humanidade e da Terra, com o Poder sobre si mesmo, você se torna tão grande quanto eles, sendo-lhes igualmente indiferente! Ao puxar o gatilho ou soltar a corda, ou apenas seguir cagando e andando, você também está se auto-afirmando e dizendo a eles, à A Vida e ao Universo: tanto faz!   
    Homem: mas, não seria mais nobre, mais honrado e digno morrer lutando por algo? Fazer alguma coisa e morrer por ela, como os Coveiros que vivem e morrem fiéis ao dom de enterrar pessoas?
    Rúlio: amigo, assim como os Dinossauros, a vida humana desaparecerá do Universo, não restará um só para contar a história do outro. Ou seja, tudo o que fazemos, por mais grandioso, mau, belo ou tragicômico que seja, a história que os livros guardam, não tem e nunca terá nenhum sentido, nenhuma importância diante da imensidão do Cosmos. Além disso, tudo está fadado ao fim absoluto, assim, tudo o que fazemos, falamos, sonhamos, idealizamos, vivemos, política, religião, ciência, filosofia, arte, cultura e até a melhor caipirinha de todas, não passam de meras distrações. Tudo virará pó, poeira cósmica, piadas que um dia perderão a graça! Diante dessa assombrosa e simples realidade, só nos resta desligar a tomada ou, como disse antes, seguir cagando e andando, sem esperar mais nada desse mundo e das pessoas desse mundo e, claro, nos distrair, cada um da melhor forma que lhe convém, enquanto o fim inevitável não chega, na maior habilidade de todas, a de não ligar mais para nada num grande 'tanto faz!'. Mas não um simples tanto faz como o tanto faz dos melancólicos chorões da existência que só lamentam, xingam e praguejam A Vida. Não! O tanto faz dos verdadeiros espíritos livres e realistas é o tanto faz de todos os tantos faz, isto é, é ligeiramente irônico, satírico, jocoso, galhofeiro, portanto, verdadeiramente alegre. Quase uma alegria insana, mas verdadeira, porque, uma vez que não se não espera mais nada, à partir daí em diante, tudo de positivo que vier, é lucro. Entendestes?
    Homem: minha cabeça dói! Mas, não dói mais que a minha alma! Te ouvir falar dá vontade de pular dentro de uma das covas! Mas, ao mesmo tempo, dá vontade de sair pelado por aí, pois tanto faz! Tudo será nada! Somos almas perdidas à deriva no espaço sideral, sonhando com um mundo melhor, um paraíso que nunca existirão!?...
    Rúlio: não precisa ser tão dramático! Isso, a vida humana já o é por excelência! Meu amigo, preciso seguir, até uma próxima...
    Homem: vai Andarilho, vai distrair-se com a vida humana pela A Vida e me deixa as tuas perturbadoras reflexões...
    Rúlio: distrações! Distrações! Adeus...

    Rúlio andava sem rumo. Por isso, talvez, estivesse no rumo certo. Suas reflexões eram duras, profundas, terríveis e tragicômicas. A vida humana, um acidente, uma tragédia sem causa, mas, felizmente, passageira, breve, diante da imensidão cósmica.    
    Diante da morte tudo não passa de Distração, então, não temos outra alternativa senão viver e morrer como desejamos, e nos distrair. A ausência de sentido da vida humana, faz aquele que pensa, perder todas as ilusões, até mesmo perder a paixão por muitas coisas da vida em sociedade, forçando-o a recolher-se e a mergulhar em si mesmo. É o Ser pulando dentro do abismo que é ele mesmo! Apesar de parecer frio, duro, apático, perturbador, pessimista, o pensador se mostra Realista, Supra Realista, como uma das faces da Existência, tal como ela é. Mesmo assim, Rúlio dizia a si mesmo mentalmente: 'perca-se todas as ilusões sobre a vida humana mas que não se perca o tesão pela A Vida. Aos trancos e barrancos sigamos, caminhando, sem pressa, apressadamente, cambaleantes, de joelhos, rastejando ou de quatro, não importa, apenas sigamos, afinal, seguir é o único caminho'.
    A vida humana tem muitas faces, mas convivemos mais intensamente com apenas duas delas:  a face da tragédia e a face da comédia. Se de um lado a vida é fria, dura, indiferente, do outro lado, podemos encontrá-la quente, leve, mágica, suportável e até alegre, agradável! Talvez, o amor e a paixão pela vida se justifiquem ou, pelo menos, sejam explicáveis. Rúlio havia buscado todas essas coisas mas no fim encontrou apenas o fim, ou seja, encontrou a tragicomédia.
    Após viver uma vida plena, rica, intelectual, intensa, viajando o mundo todo, acabou optando por uma vida totalmente oposta à que tinha antes, uma vida de Andarilho, como o Cão do Diógenes, solto no mundo.
    Se tendo tudo, nada encontrou, sem nada, cada vez mais se convence de que não há nada demais, nada além do além. O Ser sonha, deseja, mata e morre por coisas, as consegue, as consome e acaba consumido por elas. O Ser sonha, e daí? O Ser humano quer, deseja, imagina, luta, perde, ganha, sofre, se contenta, se frustra, se satisfaz, goza e sente dor, cai, levanta e torna a desabar de vez e daí? O Ser humano constrói impérios, domina, manipula, vai à Lua e para Marte! O Ser Inventa valores e princípios, culturas, deuses, demônios, trevas e Paraísos, e daí? Grande coisa é a vida humana, que como a dos Dinossauros, desaparecerá!
    Apesar de ter conhecido o Mundo, diversos povos, culturas, crenças e explicações para o que é a vida, Rúlio, até agora, não havia encontrado um pensamento, uma simples explicação que se dignificasse a persuadi-lo de que a vida humana é outra coisa que não essa tragicomédia sem sentido, fadada a virar poeira cósmica.
    Enquanto descia a ladeira, em meio aos pensamentos e reflexões, rumo à praça da Igreja, Rúlio lembrou que era a data de seu aniversário. 'Uma cena cômica na novela da Vida', disse a si mesmo. E asseverou: 'cada ano mais burro'. E ria mentalmente, feito um louco.
    
Parte 9: A praça da igreja

    Entre abismos e mundos ensolarados do pensamento, Rúlio chegou à praça da cidadezinha. Uma praça como todas as outras que há nas pequenas cidades pelo Brasil, com seus velhos jogando baralho, Xadrez e Dama de um lado, com jovens fumando maconha do outro, com bêbados e mendigos debaixo das marquises da Igreja e do salão de festa, e algumas pessoas sentadas na grama ou pelos bancos nos corredores de concreto. Ele visualizou um banco sozinho, próximo de uma árvore. Sentou-se, observou as pessoas, sentiu o clima pacato da praça misturado ao ar frio de inverno de um belo domingo de manhã e retomou seus pensamentos sobre a vida humana, seu sentido ou falta dele. Nisso, passou um sujeito estranho e meio engraçado, olhando-o de soslaio. Rúlio o encarou e disse: o que foi homem? Me achastes bonito?
    O sujeito o encarou de volta, riu e respondeu: se você é bonito, então eu sou um galã de Hollywood.
    E ambos riram. Era outro mendigo, outro andarilho, outro errante, outro Ser que o Mundo ignorou.
    Rúlio disse: venha! Senta aqui e vamos bater um papo!
    O sujeito esquisito e meio engraçado se aproximou, com um cachorro e como um cachorro desconfiado, sentou-se ao lado de Rúlio.
    Como se chama? Perguntou Rúlio.
    Hoca! E você?
    Rúlio, com R mesmo.
    Hoca: você não é daqui, nunca vi um mendigo tão limpo nessa cidade.
    Rúlio, vendo que o sujeito esquisito e meio engraçado usava um sobretudo marrom, velho, surrado mas mais ou menos limpo, disse-lhe: pois também vejo que não é um mendigo desleixado.
    Intrigados, ambos ficaram olhando as pessoas, contemplando o pouco e silencioso movimento na praça.
    Rúlio interrompeu o silêncio contemplativo, quase celestial e perguntou: e esse cachorro? É seu?
    Hoca: não.
    Rúlio: entendo, entendo...
    Hoca: os cães de rua são como nós mendigos, eles se enturmam fácil.
    Rúlio: nem todos.
    Hoca: ele se chama Ruffos.
    Rúlio: e como sabe o nome dele?
    Hoca: é de uma velha que mora logo ali, ele sempre sai para dar uma volta na praça e fica com os mendigos, só com os mendigos, nunca se aproxima de outras pessoas, nem de crianças.
    Rúlio olhando para o Sol da manhã de domingo, sorri e diz: Ruffos sabe se encaixar.
    Hoca: e tu, camarada? No que se encaixa?
    Rúlio: não me encaixo. Não faço o que não quero mas também não quero fazer nada. A morte, o fim de tudo chegará. Ninguém escapa da Dama de Preto que nos vigia desde cedo. A menos que ocorra um milagre da Ciência, nós sempre morreremos. Diante deste fato incontestável, de que morreremos, de que a Terra e o Sol um dia desaparecerão, somos pontos insignificantes no meio do nada. Então, desde muito cedo inquirindo sobre o sentido da vida humana e sobre qual o seu objetivo último, percebi que se eliminarmos Deus do mundo do além, a vida humana bate de frente com o nada e se arrebenta. Por isso, para mim tanto faz o que acontecerá no fim e por isso mesmo penso que não há razão para se encaixar ou desencaixar.
    Hoca: aposto que se tivesse muito dinheiro, viajasse o mundo, tendo tantas possibilidades, não pensaria assim. Para você, a vida teria um sentido, seja qual fosse esse sentido, mas teria um. Talvez, o amor lhe seria o combustível e quando estivesse saciado, acordando na cama com uma bela mulher ou um belo homem, não sei, diria: 'graças a Deus! Sou feliz e mesmo que o Universo exploda, já estou no Céu!'. Se tivesse dinheiro, tua visão do mundo seria super otimista!
    Rúlio: Será mesmo? Será que levaria uma vida assim? Sem preocupações, sem tristezas, apenas vivendo com tudo do bom e do melhor enquanto se observa a tristeza dos miseráveis do mundo? Será possível que exista gente assim? Totalmente insensível, que caga e anda para os outros bilhões de viventes desse mundo?
    Hoca: certamente. E tu seria igualzinho esses que cagam e andam, por ter muita grana. Há tanta riqueza no mundo e também tanta tristeza, miséria. Se não existissem pessoas do tipo que cagam e andam para os outros, esse mundo não seria o que é, brutalmente desigual e injusto.
    Rúlio: será? Me diga, o que você faria se tivesse muito dinheiro?
    Hoca: não sei. Penso que não nasci para isso. Pois desde que me conheço por gente, a miséria, a violência, a hipocrisia me perseguem e me arrancam o couro.
    Rúlio: de fato, há muita desgraça em todo o lugar.
    Hoca: e tu, o que faria se tivesse muito dinheiro?
    Rúlio: já tive muito dinheiro.
    Hoca: é mesmo? E o que fez com o dinheiro?
    Rúlio: enchi um ônibus com todo o dinheiro que tinha e sai jogando pela janela.
    Hoca: fala sério.
    Rúlio: é sério.
    Hoca: tá bom.
    Rúlio: o que possuímos acaba nos possuindo. O que consumimos, acaba nos consumindo.
    Hoca: cada um com suas loucuras, cada um com seu inferno. Nenhuma loucura é maior que a outra, nenhuma tragédia é maior que a outra. Cada tragédia, assim como cada comédia, são únicas, insuperáveis. Todo vivente tem um começo, um meio e um fim, e talvez, um novo começo.
    Rúlio: não apostaria muito nisso. Mas, se quiser, pode me falar da sua vida. Depois veremos se a vida tem mesmo um sentido ou se é vazia e insignificante. Habla, hombre...
    Hoca: pois bem! Está mesmo interessado em me mostrar que a vida é um poço de lama ou um poço sem fundo? Talvez o consiga, pois nada melhor que o exemplo de minha vida para refletir se a vida humana tem algum sentido e se a vida vale mesmo a pena ser vivida.
    Rúlio: é mesmo? Intrigante! Só espero que não seja mais uma 'estorieta' de Andarilho! Porque já basta a minha.
    Hoca: que o diabo me cozinhe se a minha vida não teve nenhuma aventura que não lhe chame atenção ou cause repulsa. Aliás, uma vida sem uma aventura sequer, sem um risco que seja, não merece ser vivida!
    Rúlio: então, está aí o desafio! Para mim, tanto faz! Não há Deus, não como a maioria das pessoas acham que há, nem mundo além, nem outra vida senão essa mesma, dor, sofrimento, tragédias e comédias. Somos todos um acidente do acaso do Universo que, felizmente, desaparecerá na escuridão infinita, um de cada vez, até que tudo vire poeira cósmica. 'Da poeira cósmica à poeira cósmica. Do pó ao pó'. Assim, toda a vida humana, seja qual for ela, tudo o que ela é, foi e será, com aventuras, histórias, tudo o que somos, pensamos, sentimos, fazemos, acreditamos, sonhamos, desejamos, não passa de uma tremenda distração enquanto o fim inevitável não chega. E já que tudo um dia vai pro vinagre, se extinguir, desaparecer da face do Universo, que importância tem a vida humana e suas aventuras? Compreende? Então, meu caro amigo, distraia-me, conte-me de sua vida e mostre-me um pensamento mais real que esse.
    Hoca: de fato, você é azedo. Mas também é preciso experimentar o azedo.
    Rúlio: vamos viandante! Diz-me, conta-me de tuas aventuras nessa vida sem sentido!
    Hoca, puxou um litrinho que tinha debaixo do sobretudo, abriu e tomou um gole. Conhaque? Servido?
    Rúlio pegou o litrinho que tinha a escrita: 'conhece-te a ti mesmo', riu ao ver aquilo, tomou um golão, devolveu ao Hoca e disse: agora sim, pode falar...
    Hoca: as pessoas tem história de vida. Pessoas que bem ou mau, fizeram alguma coisa de suas vidas. Acredito que sempre existirá os que fazem algo e os que criticam e nunca haverá consenso entre as partes. Não sei porque, mas sempre preferi os que fazem algo, seja bom ou mal, não importa. Alguns dizem que quando nascemos viemos à luz, mas eu não vejo dessa forma. Então, digo que vim às trevas. Às trevas, de fato, dois dias antes da 2ª Guerra Mundial, exatamente no epicentro, nos arredores de Munique. Os antigos me contaram a história, então, não posso garantir que tudo seja verdade de fato. Papai havia abandonado Mamãe que se via em maus lençóis tendo que criar, além de mim, mais dois seres falantes. Mamãe era Católica fervorosa e todos os dias ia à igreja orar pela saúde de seus filhos e pela saúde do Führer. Assim como todos os Alemães naquela época, Mamãe tinha um grande respeito e uma grande admiração por Hitler. Via no 'grande líder' a promessa de um mundo melhor, assim como via no Papa Pio XI  e no Pio XII a confirmação da existência de Deus. E não é que dois anos depois de meu nascimento/aborrecimento o 'grande líder' comungado com o louco do Mussolini, partiu com a bênção do Papa Pio XII para a invasão da Polônia? Era o início de mais um inferno na Terra e o começo do fim da fé da Mamãe. Contudo, a pobre mulher, como quase todos os Alemães da época, estava confiante de que  seria uma ação rápida, apenas um acerto de contas. Mas, quando se deram conta, viram que o grande líder tinha muitas contas para acertar. Mamãe ficou profundamente desgostosa com o Papa, com Hitler e consigo mesma. Assim, a euforia de 1939, se tornou a decepção total em 1943, sobretudo, depois da primeira derrota da Alemanha em Stalingrado. Apesar de tudo, Mamãe sempre teve um bom faro para perceber problemas e até 1943 já tinha juntado dinheiro suficiente para ir embora da Alemanha,  que aconteceu numa madrugada de maio de 1943. Embarcamos num navio com todo o tipo de bandidos, maníacos, tarados e doentes. A viagem foi longa e foi a última viagem de minha mãe e de minha irmã aos 15 anos de idade. Seus corpos atraentes e seus olhos azuis atraíram a atenção dos infelizes que estavam mortos de fome em todos os sentidos. Numa noite, meu irmão e eu acordamos com gritos assustadores. Corremos para o porão com outras pessoas ver o que sucedia e quando lá chegamos, vimos do que um humano é capaz. Lá estavam minha mãe e minha irmã amarradas de bruços sobre uma mesa, sem vida. Elas tinham sido violentadas várias vezes e suas barrigas foram abertas com as facas afiadas dos maníacos bêbados que ameaçavam a todos os demais, que calados, nada fizeram a não ser apenas tirar as duas crianças que eram eu e meu irmão do local. Depois retiram os corpos de minha mãe e irmã e as lançaram ao oceano. Meu irmão nunca se recuperou, vindo a se suicidar mais tarde, já no Brasil. Quanto a mim, não sabia o que pensar, sentir, falar. O cheiro do sangue delas e o suor fétido dos assassinos até hoje sinto. Como se toda aquela brutalidade tenebrosa não bastasse, ouvíamos das pessoas que os maníacos fariam o mesmo comigo e meu irmão, mas antes que fôssemos pegos, barcos batedores nos abordaram próximo do Brasil. Os soldados adentraram na embarcação, dividiram todos, entre os que tinham dinheiro e os que não tinham. Mandaram os com dinheiro para lugares melhores no Brasil e os sem dinheiro como nós, para igrejas e conventos. Meu irmão e eu fomos deixados num seminário em São Paulo. Quando menos percebi, os anos já tinham passado, Getúlio já tinha, supostamente, se suicidado e a nova Nação, apesar dos padres, se mostrava acolhedora. Contudo, como não tínhamos dinheiro, ficamos anos a fio sob os cuidados dos padres, fazendo todo tipo de serviço para eles no seminário e na Paróquia. E nem queira saber o que os padres faziam com a gente nas madrugadas do seminário. Foi nessa época que meu irmão se matou pulando do 3º andar de cabeça no chão. O cérebro dele se espalhou para todo lado. Numa noite dessas, decidi fugir. Mas antes de sair, caguei no chão do quarto e, com minhas próprias mãos, escrevi na parede: 'se Deus é amor, porque há tanto ódio?'. Depois peguei um papel e, ainda com a mão suja de bosta, também escrevi: 'Se fora da igreja não há salvação, dentro muito menos! Amai uns ao outro disse Jesus, mas não disse 'enfiem objetos no ânus dos outros para chegar ao Céu''. E também, escrevi: ''Deus não morreu, ele enlouqueceu e não sabe'. Então fugi e nunca mais voltei à aquele lugar.
    Rúlio: foda. O que posso dizer?
    Hoca: não diga nada. Tem mais.
    Rúlio: continue.
    Hoca: às vezes, durante os anos da vida nas ruas da cidade grande, lembrava de Mamãe e de sua fé em Deus, no Papa, no 'grande líder', sua decepção, e sua morte horrenda. Ela foi uma boa pessoa e fez o melhor que podia, mas o que a vida lhe deu? Monstros travestidos de pessoas, dor, decepção, abandono, violência, desgraça, tragédia e, por fim, uma morte cruel, desumana. Ainda assim, antes de ser massacrada junto de minha irmã, mesmo naquele inferno que era no navio, mamãe conservava a sua fé numa vida melhor no Brasil. Coitada. Com isso, pensava eu: onde estava Deus? Onde estavam os Santos, os Anjos quando os homens cometiam as piores atrocidades? Onde estava Jesus para defender os humilhados, perseguidos e violentados? Me perguntava sobre qual era a razão e a lógica de existir Deus e tudo isso? Foi então que percebi, ainda jovem, que Deus nada tem a ver com isso tudo e que nós humanos não passamos de animais pensantes. Dessa reflexão, me surgiram outras, por exemplo, por que Deus sendo perfeito, sábio, senhor de tudo, do presente, passado e futuro, do certo, do errado, do bem e do mal, iria por uma árvore com o fruto do conhecimento ao alcance de um animal faminto? Isso me pareceu a maior de todas as ironias, a Ironia Universal! É tão absurdo quanto um adulto por doce perto de uma criança! Já se sabe que a criança vai pegar o doce. Por que faria isso? Por pura diversão? Falta do que fazer? Para testá-la? Testá-la para quê? Simplesmente não podemos evitar? E é assim que Deus age com a humanidade? Confesso que desde comecei a refletir sobre a natureza sarcástica de Deus. Penso que há algo maior, algo que está além do próprio Deus que enfiaram em nossas cabeças, e que, de repente, algum outro Deus, seu pai talvez, já fez a mesma coisa com ele. Aí ele, o Deus que criou esse mundo, esse Universo, fez a mesma sacanagem conosco, só por diversão ou para descontar em alguém. E entre tantas coisas, reflexões e andanças nem percebi os anos que passaram voando. Andei por muitas cidades, muitas vezes só com a roupa do corpo, contando com o humanismo e a boa vontade de uns e o desumanismo e canalhice de outros. Você sabe, ser mendigo, sobretudo, nesses tempos medonhos, não é para qualquer um. É preciso muito mais que coragem e loucura, olho vivo e faro fino. Senão, não dura muito tempo nas ruas. Confesso, também, que desde muito cedo, sonhei em ter família, filhos, trabalhar, ser um homem de bem, mas um homem comum. Contudo, as correntezas da vida me arrastaram. Conheci muitos tiranos disfarçados de libertadores, anjos da morte disfarçados de protetores da vida. Vi gente nascer e morrer nas ruas. Caminhei, corri, rastejei, pedi, implorei, sorri, chorei, gritei, sonhei e por vezes quase pulei na frente de um trem ou de um viaduto. Mas, sobretudo, sonhei, ah como sonhei Rúlio.
    Rúlio: todos sonham!
    Hoca: mas eu sonhei e vivi meu sonho.
    Rúlio: como assim?
    Hoca: oras, a vida me fechou quase todas as portas mas eu abri uma, na base da bicuda mesmo. Quando vim parar nessa cidade, há alguns anos atrás, ainda acreditava num futuro melhor. Que apesar de tantas merdas que me aconteceram na vida, não seria possível que até o último momento da vida, essa vida seria uma merda! Decidi me abrir uma vez mais e acabei me envolvendo com algumas pessoas que me abriram as portas do salão da Igreja e da política. Por um momento, pensei que esse seria, talvez, o fim da condição de errância, o fim da vida nas ruas. Mas, com o tempo, novamente, descobri, mais uma vez, que mesmo aqui, numa cidade pequena, onde a maioria se diz extremamente religiosa, a maioria das pessoas não passam de mentirosas, mascaradas e tão monstras quanto os nobres Europeus que prometiam aos Índios  transformar o seu mundo para melhor.
    Rúlio: o que queriam de você?
    Hoca: o mesmo que todos os políticos e abusadores querem de seus abusados, de suas vítimas, tudo por nada. A promessa de um Céu te arrastando direto pro inferno.  Mil e uma propostas maravilhosas, desde que eu fosse o idiota que levasse a culpa no final.
    Rúlio: parece que já ouvi uma história semelhante.
    Hoca: aí então, abandonei essa merda toda. Fui morar na Serra. Lá, com os animais, vivendo no limite, mas muito melhor do que nas ruas da cidade, refleti muito e concluí que a vida havia me forjado um Andarilho e não rei de algum lugar porque esse é o meu dom, meu Karma, mas meu dom no Karma, e o desapego, a total falta de interesse por 'Ter coisas, Possuir coisas'. Foi por isso que sempre recusei tudo. Afinal, se fosse apegado às coisas como a maioria das pessoas, teria me prostituído por vários anos na paróquia em São Paulo e me tornado quem sabe até Bispo! Por isso abandonei a política e toda essa droga que envolve o Poder, para ser livre o suficiente, para ter o Poder de dizer sim e não, quando eu bem entender. Também, concluí que deve haver algo muito maior que esse mundo e esse Universo, algo maior que o Deus que criou esse mundo e esse Universo e talvez até algo maior ainda que o Deus que criou o Deus que criou esse Universo e que é possível nos tornar Deuses, talvez até maiores, melhores e diferentes, através da Evolução total do Ser que somos. Os Deuses não são apegados a nada, nem a coisas, dinheiro, poder, nada. E tudo dão, inclusive, o dom da vida e da Evolução às suas criações. Que Poder é maior que esse, o desapego? Mesmo tendo o Poder para intervir e fazer o que bem entender com suas criações e não fazer nada? Dessa maneira, concluí que o único sentido de existirmos é evoluir e para isso, não precisamos Ter coisas, Ter Poder, Ter dinheiro, Ter pessoas à nossa volta como se nossos objetos fossem, e que portanto, não há Poder maior que ser desapegados de todas as coisas. Prontos para Coexistir com todas as formas de vida, prontos para aprender sempre, a todo o momento, prontos para compartilhar com todos as experiências e o aprendizado das experiências, boas, ruins, tristes, alegres ou meia boca. Tudo serve à Evolução, todas as coisas, boas e más. Uns aprendem com as coisas boas e com as coisas más da vida, outros só com as coisas e muitos, talvez a maioria da humanidade, só aprendem com as coisas más. Esses últimos são partidários do que dissera Nietzsche: que o que não nos mata, nos torna mais fortes. Besteira! A dor não ensina nada, a dor apenas dói, em tudo que somos, dos ossos até a alma, da alma até os ossos. Portanto, meu caro Rúlio, uns contra os outros não somos nada. Juntos, somos poucos. Mas sozinhos, somos vários nadas sofrendo. Sozinhos, somos pequenas grandes represas de dor.
    Rúlio: intrigante a sua teoria, Hoca. Mas e o mundo? O mundo é cão, desordem, caos, injustiça, abusos e crimes por onde quer que se ande, não?
    Hoca: sobre o mundo, Rúlio, penso que ele não será melhor em nada se nós não formos melhores, ou pelo menos, menos piores do que já fomos. Não haverá nunca um mundo justo, nem sequer uma grande revolução se cada um de nós não for a própria revolução que desejamos para o mundo cão. Enfim, apesar de trágica, a vida me diverte, me ensina, me faz evoluir e apesar de pesada em muitos momentos, ela me é suportável. Talvez, as coisas acabem bem no final, ao menos, melhores do que quando viemos à essas trevas que chamamos de mundo.
    Rúlio: compreendo, mas isso serve para você apenas.
    Hoca: sim, para mim e, talvez, para você também e para todos!
    Rúlio: não apostaria nisso.
    Hoca: nós somos tudo aquilo que pensamos.
    Rúlio: espero que não pense nunca ser um cachorro pulguento.
    Hoca: espero que não pense em não poder pensar sobre isso.
    Rúlio: você diz 'nós, nós, nós!'. Nós, coisa nenhuma! Pobre e tola pretensão de quem se coloca como sendo o todo ou por todos! Você é o que quiser pensar, ser e se transformar, mas é só você e ninguém mais nessa canoa!
    Hoca: você é o que é.
    Rúlio: que eu seja! Que eu seja o que sou e o que me transformarei, sem medo de ter medo de ter medo.
    Hoca: mas veja só, apesar de tudo, de todas as atrocidades do mundo cão nessa vida, eu ainda posso ver o lado bom da vida!
    Rúlio: por Dom Quixote! El Manco de Le Panto! Com toda a tua idade, com tudo o que sentiu na pele, deve ter enlouquecido, faltando apenas dizer que a vida humana tem algum sentido, um propósito maior!
    Hoca: eu sei que tudo pode ser só uma ilusão da minha cabeça cansada das pauladas dessa vida.  Mas, prefiro pensar que há de fato algo muito maior do que a nossa mísera existência humana possa imaginar.
    Rúlio: eu compreendo-te, Hoca, mas convenhamos, poderemos mesmo saber com certeza se há algo maior e além de tudo isso, do mundo cão? Ou são só coisas de nossa mente, de nosso pensamento? Só metafísica? Há um sentido? E por que precisamos de um sentido?

Parte 10: O sentido da vida

    Rúlio prossegue dizendo: veja bem, meu caro Hoca, se não conhecemos nem as ruas dessa pequena cidade, como poderemos conhecer o que está além desse Universo e dessa vida? Devemos viajar em pensamento, esquecer desse mundo? Ou devemos buscar conhecer o que temos antes daquilo que não temos?
    Hoca: mas, nunca conseguiremos conhecer todo o Universo! É impossível! Não nessa vida, não viveremos tanto!
    Rúlio: e se vivermos? E se vivermos o bastante para desvelar o que ainda não desvelamos?
    Hoca: talvez fosse possível, mas isso é só um sonho!
    Rúlio: contudo, não é impossível, é apenas difícil!
    Hoca: e bota muito difícil nisso! Quase impossível!
    Rúlio: mas o que é que pode nos levar a conhecer o Universo? Outros Planetas e outras galáxias além da nossa? A nossa crença? A metafísica? A Filosofia? A Ciência?
    Hoca: só a Ciência. Mas, as outras coisas são tão importantes quanto a Ciência!
    Rúlio: É.
    Hoca: que diabos estou dizendo? Diante da morte, segundo você, tudo é distração! Somos meras formigas querendo ser cigarras!
    Rúlio rindo: e diante do Universo, o que somos?
    Hoca: animais! Meros animais pensantes!
    Rúlio: animais filosofantes, meras partículas de poeira cósmica pensantes, sobretudo, Andarilhos Errantes!
    Hoca: tem razão.
    Rúlio: diante da Imensidão Cósmica, da Incomensurabilidade da Vida e da Inefabilidade da Existência, nos tornamos o que sempre fomos, Andarilhos Errantes.
    Hoca: mas, deve haver algo maior, algum sentido nisso tudo.
    Rúlio: por quê?
    Hoca: é preciso haver algo que nos tire dessa condição de errância! Algo que nos leve a algo maior, que nos permita ver muito além do que poderíamos imaginar e assim compreender melhor a grandiosidade disso que chamamos de Vida!
    Rúlio: não está falando do Além?
    Hoca: não somente isso que chamamos de Além. Falo de tudo, do 'algo maior que todos os algos maiores' que podemos conceber em nossa infinita pequenez diante dessa Imensidão Cósmica!
    Rúlio: penso que só uma coisa pode nos dar algum sentido, por mais frágil e vago que seja. Só uma coisa seria capaz de nos tirar dessa condição de errância eterna, nos mostrando um caminho. A Ciência.
    Hoca: mas, se for só a Ciência, continuaremos a nu e cru, sendo os mesmos nadas de sempre. Por isso digo que a Ciência, a Filosofia, a Religião, a Espiritualidade, o Além, tudo se complementa na busca de algo mais e na compreensão do todo.
    Rúlio: para mim, tanto faz! Tudo um dia vai acabar mesmo, ser sepultado no nada cósmico.
    Hoca: vejamos, a vida humana não tem sentido?
    Rúlio: não! Nenhum! À menos que se invente um.
    Hoca: a menos que inventemos algum sentido, você diz. Mas, o que melhor fazemos como animais pensantes é inventar! Inventamos a propriedade privada, a sociedade, a civilização, a cultura, a moral, a história, as leis, os costumes, o conhecimento, a filosofia, a ciência e uma porrada de coisas que julgamos importantes!
    Rúlio: me refiro ainda a outras invenções, além do conhecimento, da cultura e da história...
    Hoca: além de tudo isso? E o que seria?
    Rúlio: amor, verdade, espírito, Deus muitas outras coisas mais que já falamos mas não vou ficar repetindo aqui.
    Hoca: são invenções? O amor é uma invenção?
    Rúlio: sim, uma invenção que se tornou uma mentira necessária para a manutenção da vida humana e ao mesmo tempo mantém, como um alucinógeno, essa condição de errância da espécie no universo. O amor é um ardil para nos manter sendo o que sempre fomos: animais pensantes que nascem, se reproduzem e morrem.
    Hoca: confesso que me tornei um tanto místico ao longo dos anos em relação às definições de tais palavras. Concordo com você que o amor pode ser uma invenção, não sei se isso é mentira ou verdade, mas, faz o fato é que o amor, ou essa coisa que chamamos de amor, é algo forte, poderoso, transcende a tudo ou quase tudo e faz a vida ter algum sentido. Para mim, o amor é um sentimento sagrado como foi o sentimento entre São Francisco de Assis e Santa Clara.
    Rúlio: o amor dos ascetas. Só falta dizer que era um 'amor santo'.
    Hoca: talvez. O que quero dizer é que entre eles havia uma coisa poderosa, indescritível. Uma coisa tão poderosa que fez Clara abdicar de  sua vida de luxo na  sua família, que era rica, e seguir atrás de Francisco. Dizem que ela sobreviveu 27 anos de misérias e privações para viver aquilo em que acreditava junto de seu amado. O que os fez resistir a tantos reveses, tantas dificuldades? Certamente, alguma coisa que não se pode explicar com palavras, mas que nós chamamos de amor. É inegável que existe qualquer coisa de inexplicável nisso que apelidamos de amor. Mesmo que seja uma coisa meramente humana, sem qualquer origem espiritual.
    Rúlio: aí você me pega no contrapé. De fato há na filosofia aquilo que chamamos de 'questão de linguagem. Quer dizer, nem tudo o que dizemos pode ser o que é. Chamamos o mundo de mundo, mas vai que ele tem outro nome, ou é outra coisa? Entende o que digo? Trata-se de uma questão muito complexa, especulativa sobre a qual nós ficaríamos falando a eternidade inteira sem chegar a algum lugar de fato.
    Hoca: entendo. Mas, por Raul Seixas! Mesmo sendo uma loucura isso tudo, 'um sonho que se sonha só', podemos nos demorar um pouco mais nessa questão e dizer que as coisas, ao menos, são explicáveis?
    Rúlio: sei lá. Que Hades nos leve se forem! Sabe, me parece o seguinte, caríssimo Hoca, talvez, tal coisa como o amor se explique e seja justificável. Mas, mesmo que expliquemos dizendo 'isso é o amor', 'aquilo é o amor', estaremos sendo motivos de riso diante de nós mesmos. E mais que isso, que importância isso de fato tem, saber se o amor é algo além de nossa capacidade de compreensão e de descrição? Há nesse mundo bilhões de pessoas se reproduzindo, gerando mais pessoas, cuja maioria, se odeia e se despreza, sobretudo, despreza a vida, com ou sem amor?
    Hoca: que frieza! Contudo, concordo, em parte. De que adianta buscarmos um amor além da humanidade, se nós é incompreensível? Mas, o que devemos fazer? Continuar amando com esse amor inventado, como um objeto ou arma de domínio e exploração? Seria então o amor, uma arma-distração, uma ilusão, o verdadeiro lobo do homem, ou o lobo da humanidade?
    Rúlio: isso cabe a cada um, dentro do seu nível de compreensão da vida, diante da imensidão cósmica, procurar saber o que é melhor ou menos pior para a sua vida. Para mim, tanto faz se o amor é algo maior que não se discute com palavras ou se é uma mera invenção, enfim, cada um com a sua loucura! Seja lá o que for, o amor não livrou a humanidade de guerras, assassinatos, genocídios, brutalidades, violências de todos os tipos e tamanhos, miséria, fome, injustiças, abusos criminosos. Não livrou nem a você e nem a mim, de passarmos o que passamos e nos tornar andarilhos errantes pelo mundo. E não impedirá o fim da espécie humana, tão pouco o fim do Sol e dos Planetas um dia!
    Hoca: à menos que tenhamos, enquanto humanidade, a certeza absoluta do que é o amor?
    Rúlio: ou, à menos que inventemos um novo amor. Mas, como poderíamos reinventar o que não conhecemos? Isso tudo, no fundo, é uma grande viagem na maionese, parvoíce. Certa vez conheci um andarilho que escrevia poesias e as trocava por alguns trocados nas feiras, nos sinaleiros, onde pudesse. E ele me deu um de seus textos que se chamava: 'Sobre o Amor' e nela ele dizia:
O que é  o amor?
Uma doce mentira?
Um solitário segredo?
Um sentimento sagrado?
Um insano e mórbido desejo?
O tudo ou o nada?
O começo ou o fim?
O que é o amor?
Saber ser e não ser?
Ou saber deixar de ser?
É estar longe, mas perto?
Ou abraçados, mas em outros abraços?
É saber dizer sim?
Ou não saber dizer não?
É o que amadurece a cabeça?
Ou o que infantiliza o coração?
O que é o amor?
É abrir mão? A mente? Ou a alma?
É escolher a renúncia?
Ou renunciar a uma escolha?
É aquilo que sempre existiu?
Ou o que ainda existirá?
É o que vive?
O que morre?
Ou o que nos assombra?
É uma libertação?
Uma prisão?
Ou um manicômio?

    Na real, caro Hoca, o mundo humano como o conhecemos, sempre esteve e sempre estará, até o seu fim, apegado demais, de maneira doentia eu diria, às coisas materiais como forma equivocada de realização e de felicidade, apegado apenas a dinheiro, poder, ter coisas, possuir coisas, tudo, para preencher o saco sem fundo do tenebroso vazio da alma que um dia devorará a humanidade por completo. Sim, o apego doentio às coisas materiais, a fome que não se sacia, vai destruir a humanidade um dia. Aliás, o que fazemos aqui, conjecturando, sobre se o amor pode salvar a humanidade, é tão inútil quanto a própria humanidade, seus valores morais e espirituais e sua tragicômica tentativa de fugir de si mesma. Não há redenção ou salvação. A humanidade não tem salvação. Nenhum de nós tem.
    Hoca: nisso, eu concordo contigo. Se pensarmos que algo assim como o amor pudesse ser reinventado, tudo deveria ser reinventado, amor, verdade, Deus, Espírito, alma, tudo. A humanidade teria de se reinventar, o que acho possível mas extremamente difícil em face desse apego doentio às coisas como você bem disse, meu amigo. Nessa altura do campeonato, é mais fácil chover ouro do que a humanidade viver de maneira inteligente e desapegada, infelizmente.
    Rúlio: numa coisa estamos de acordo, há qualquer coisa de indescritível, algo que ainda não desvelamos e por isso somos Andarilhos Errantes do Universo! Andamos sem rumo, porque não há um rumo. Procuramos em tudo, dentro e fora de nós, porque parece nada existir em nenhum lugar a não ser apenas isso, A Vida. Vida e mais Vida em toda a Imensidão Cósmica, em todos os Universos, Galáxias, Sistemas, Mundos e Dimensões possíveis. Vida é tudo o que há. A vida humana, infinitamente finita e frágil, nesse Planeta finito e frágil, nesse sistema Solar que a qualquer momento pode virar poeira cósmica, é tudo o que há. E o mais louco de tudo é que, talvez, nunca saberemos o que está acontecendo. Que Vida vivemos?
    Hoca: que vida vives? Que vida? A vida de ilusões, mentiras, crenças, invenções com interesses criminosos, escusos? A vida de dúvidas dilacerantes mas ávida por algo mais? Ou quem sabe, uma vida permeada de sentimentos adversos, sobretudo, pela incerteza de que um dia teremos alguma resposta definitiva, absoluta? Pesada é a vida de buscas, cômoda e leve a de crenças. Mas, também somos crentes! Sim, acreditamos que o único meio de encontrar algo é duvidando!
    Rúlio: você é crente, eu não! Você acredita que haverá algo maior no final, inclusive até um 'happy end no final'. Tu vives no agora mas crente no amanhã. Quanto a mim, meu caro, vivo o agora até os ossos, mas tanto faz se vai ter o amanhã ou não, se vai ter 'happy end no final' ou só caos, destruição e morte solitária. Teu sofrimento é nobre, eu reconheço. Mas de nada adianta! Tudo vai se extinguir cedo ou tarde, talvez mais cedo do que imaginamos. Você, meu caro, sofre por que vive o agora e por acreditar no amanhã e sofre mais ainda, duplamente, por ver as pessoas à sua volta sendo o que são, cegas, insanas e capazes de toda a merda por Poder, dinheiro, ter coisas, possuir coisas. Quanto a mim, se sofro é apenas por ser o animal que sou, pois vivo o passado, o presente e o futuro tudo junto, pois é a única coisa que temos de concreto, o Agora. Se um dia sofri em face das pessoas à minha volta, foi por acreditar. Agora, no entanto, nada mais sofro porque sei que as pessoas fingem estarem  interessadas num mundo melhor, na verdade, no esclarecimento mas é tudo mentira, enganação, faz de conta. Viciadas em coisas, dinheiro, Poder, ilusões, prazeres efêmeros e a vazia satisfação à qualquer preço, as pessoas mentem, compulsivamente, como o viciado em drogas na fissura, louco por mais drogas. pregam que serão melhores mas estão a cada dia piores. Dizem crer no Céu mas fazem o diabo na vida e da Terra um inferno. Mesmo sem saber o que é o amor, dizem amar e confundem tesão, prazer, domínio e posse com aquilo que definem como amor. Nunca viram, nem sabem se existe Deus, verdade, espíritos, além, mas dizem acreditar nessas coisas porque alguém lhes disse. E baseando suas vidas em mentiras de estelionatários da fé e em merdas históricas, ignoram seus próprios instintos e vão para o lado totalmente oposto ao que acreditam e, mais perdidos que cegos num tiroteio, não admitindo o quão andarilhos errantes também são, matam, morrem, dominam, manipulam, escravizam e violentam uns aos outros. Por isso não sofro. Tudo é Agora, amanhã tanto faz! É egoísmo? Narcisismo? Frieza? Burrice? Loucura? Pensem o que quiserem! Alguém já disse: 'é melhor ser um louco para os outros do que ser um gênio para você mesmo'.
    Hoca: caminhamos por estradas distintas, de fato. Temos ideias diferentes, de fato. E você poder ter razão mesmo tendo suas razões mais do que eu. Mas uma coisa concordamos: somos o que pensamos, falamos e fazemos.
    Rúlio: de fato meu caro Hoca, somos cobaias de nós mesmos. Loucos, vagabundos, miseráveis, andarilhos, errantes, mas senhores do nosso próprio destino, donos absolutos do nosso sim e do nosso não.
    Hoca: e mais, também temos em comum que há qualquer coisa de indescritível, que ainda não desvelamos.
    Rúlio: e é mesmo! Porém, uma coisa me ocorreu agora.
    Hoca: o que é?
    Rúlio: se nós não compreendemos ou não somos capazes de compreender? Se não desvelamos ou não nos foi desvelado?
    Hoca: será mesmo que somos tão insignificantes diante da imensidão cósmica?
    Rúlio: de qualquer forma, a única coisa séria capaz de nos mostrar algum caminho para obter alguma resposta sobre o que somos diante da imensidão cósmica, da incomensurabilidade da vida e da inefabilidade da vida é a Ciência, com alguma ajuda da Filosofia. O resto é baléla.
    Hoca: claro, senão, do contrário, ficamos como homens-macacos-papagaios balançando e batendo cabeça, repetindo as mesmas coisas  já ditas, andando em círculos.
    Rúlio: sim, embora diante da morte tudo não passe de mera distração, encaramos a Ciência e a Filosofia como as distrações mais agradáveis e as ferramentas mais úteis, ou pelo menos, menos inúteis para se chegar a algum lugar. Contudo, não esqueçamos que ainda é tudo 'um grande tanto faz', a vida humana diante da imensidão cósmica. Tal como os Dinossauros, um dia a humanidade será varrida da face do Universo e ninguém na imensidão inalcançável sentirá a sua falta. Dura realidade, mas realidade.
    Hoca: sabe, sobre esse negócio de 'a humanidade ser varrida da face do Universo como os Dinossauros', certa vez vi um louco falando numa praça sem parar. Ele dizia que a humanidade se transformou, ela própria, numa Sodoma e Gomorra ambulante, ou seja, duplamente rica, obscenamente próspera mas brutalmente ignorante, lasciva, devassa e perversa e que, por isso, cedo ou tarde, Seres Superiores virão e a destruirão, novamente. Além disso, o doido falava muitas outras doideiras, mas tinha algo me chamou atenção. Ele dizia assim: 
    "Alguns acreditam que o que aconteceu antes vai acontecer de novo, ou seja, a humanidade chega num alto nível de evolução tecnológica e então, da noite para o dia, pira, enlouquece e cai no abismo do próprio vazio do saco sem fundo da Alma e, após um longo período Pós-destruição, tudo recomeça das cinzas de um mundo destruído pela própria humanidade e sua idiotice. Como diz o Eclesiastes: 'não há nada novo debaixo do Sol'. A humanidade fez merda antes e fará novamente. É só uma questão de tempo. Alguns também acreditam que, há milhões de anos para trás, a humanidade evoluiu tanto que conseguiu enviar outros humanos para bem longe da Terra, para um Planeta parecido com a Terra. Os que se foram nunca mais voltaram, ninguém sabe o que aconteceu com eles. Os que ficaram na Terra acabaram se auto-destruindo em guerras que causaram um 'inverno nuclear'. Os sobreviventes levaram milhões de anos sobrevivendo como verdadeiros monstrengos, deformados pela radiação nuclear. Os monstrengos viram surgir novas espécies, como os Dinossauros e por muito tempo sobreviveram nas profundezas da Terra para não serem exterminados totalmente. Com o passar do tempo e, bota muito tempo nisso, as espécies da superfície, como os Dinossauros, foram eliminados por quedas sucessivas de meteoros. Enquanto isso, a natureza realinhou a genética dos que viviam nas profundezas da Terra, tornando os humanos menos monstrengos, o que fez com que a humanidade, como a conhecemos, ressurgisse na superfície há menos de 300 mil anos atrás. Há quem diga que as grandes construções como as Pirâmides do Egito foram feitas com a ajuda não de Alienígenas de outros mundos, não-humanos, mas com a ajuda dos próprios humanos que evoluíram na outra Terra e que de tempos em tempos voltam para ver o que ­os descendentes da antiga humanidade caída estão fazendo no Planeta. Há quem acredite que é daí que vem a ideia de Céu, Paraíso, de Deus ou de um Messias que voltará para julgar a todos e levar com ele só os 'bons, 'para outra Terra!?'. Há quem diga que a humanidade da outra Terra já perdeu as esperanças com essa humanidade dessa Terra e vê que toda a desgraça que aconteceu antes, vai acontecer novamente. É só uma questão de tempo. Mas, os bons, os pacíficos, os justos, os inteligentes, os mais evoluídos dessa Terra serão levados pela outra humanidade da outra Terra para Planetas colonizados, para recomeçar. Não serão levados para a outra Terra  de cara porque a humanidade de lá os vê como um grande perigo por serem ainda grandes idiotas incapazes de entender seu novo modo de vida, de Coexistência Pacífica com todas as formas de vida. Contudo, a maioria da humanidade desta Terra, quase totalmente idiotizada, prestes a repetir a mesma idiotice de antes, ficará aqui, sofrendo as consequências de seus atos nefastos, por mais alguns milhões de anos, até cair, comer o pão que ela própria amassa e ressurgir novamente, do zero, como antes".
    E do nada, o homem que parecia louco soltou uma risada sinistra e gritou: "bando de idiotas!". E saiu, rindo feito louco diante dos olhos assustados da multidão que no início ria e fazia piadas dele.
    Rúlio: interessante, muito interessante mesmo...Mas uma grande viagem na maionese, parece. A humanidade que evoluiu, vazou para longe e que volta de vez em quando para levar os que 'já evoluíram' para junto de si em seus mundos aprimorados. Bem doido isso ein...
    Hoca: é, mas e se uma loucura dessas pudesse ser verdade...Humhum... O que é isso tudo? O que é o homem? Qual é o destino e o objetivo último da humanidade? Algum? Nenhum? Somos grandes pequenas mentiras, ou pequenas grandes verdades? Somos meras coisas? Meros animais falantes e pensantes? Meras partículas de poeira cósmica pensantes, fadadas ao fim inevitável, sem chance de ter algo mais?
    Rúlio: meu amigo, se tivéssemos uma prova de que há animais pensantes e falantes em outros Planetas, poderíamos ter uma nova noção do que realmente somos. Talvez um dia consigamos contato?!
    Hoca: mas a Ciência, agora, diz que a Terra é uma entre milhares de corpos celestes com possibilidades de ter vida e vida inteligente! Porém, diz-se que o Universo está se expandindo. E com as Estrelas e todo o sistema à sua volta se afastando, como pontos desenhados num balão, tudo está ficando mais distante, o que significa, que se assim for, a possibilidade de um contato real entre civilizações se torna quase impossível.
    Rúlio: exato! Cada vez mais distantes. À menos que as civilizações mais evoluídas, mais avançadas já dominem a tecnologia dos chamados 'buracos de minhoca', podendo fazer a distância incomensurável parecer um mero passeio pelo cosmos. Contudo, antes de seguirmos adiante com esse papo, é preciso ressaltar quão tola é a pretensão humana em se achar 'a única forma de vida inteligente em toda a imensidão cósmica'. É rídiculo.
    Hoca: mas, tu não dissestes que tudo isso é baléla?
    Rúlio: tanto tempo conversando nesse banco de praça, já é quase três da tarde, logo chega a noite, estamos cansados, deve ser por isso que parece que lhe falo em Grego Antigo.
    Hoca: como assim?
    Rúlio: compreendestes mal as minhas palavras, amigo. Não disse que tudo é baléla. Mas, sim o tudo que a humanidade é, pensa, fala, estuda, cria, inventa, faz, sonha, imagina, esse tudo humano, sim é que é baléla. Diante da imensidão cósmica, da incomensurabilidade da vida e da inefabilidade da Existência, tudo que é humano é uma grande baléla. Compreendestes, agora?
    Hoca: humhum...Sabe, caminhemos um pouco para esticar as pernas, que acha?
    Rúlio: concordo, vamos ali tomar um pouco de água.
    E lá foram os dois andarilhos errantes, tomar a água da torneira da igreja.

Parte 11: A segunda vinda de Colombo

    De volta ao banco da praça, Rúlio diz: sabe-se que a Terra é apenas um pequeno Planeta entre zilhões de Planetas, como o Sol é apenas um entre zilhões de Estrelas. Mas desde há muito tempo tem imbecil que ainda acredita que isso não é verdade e pior, tem besta que acredita que a Terra é plana!
    Hoca: é, parece que ainda vivemos a Idade Média na 'Idade da Mídia', a Idade das Trevas. E olha que muitos antes da Idade Média, lá na Grécia Antiga, Eratóstenes de Cirene, o Beta, já tinha calculado a circunferência da Terra, seguido por muitos outros pensadores quanto à 'Terra Redonda' e até mesmo o fato da Terra não ser nunca o Centro do Universo como muitos idiotas da igreja acreditaram e alguns tolos acreditam até hoje. Muitos dos idiotas crentelhões acham um absurdo pensar que a Terra não é o Centro do Universo.
    Rúlio: coitadas das pessoas como Copérnico, Giordano Bruno, Galileu Galilei e tantos outros que ousaram pensar diferente e falar a verdade na cara. Além de serem ameaçados e ridicularizados, passaram mil e uma raivas diante de tanta gente filha da puta, ignorante, sem noção. Talvez, pior que o terror da fogueira da Inquisição era pregar no deserto diante de tanto crentelhão babaca e ignorante. Contudo, a Ciência, sob muita demonização, contribuiu muito para que a humanidade fosse menos burra.
    Hoca: realmente, a Ciência ajudou muito, contudo, a humanidade, em sua maioria, como tu dissestes antes, ainda é 'burra pra cacete'. Em pleno Século XXI, há negacionistas de todo tipo em relação à Ciência e, por incrível que parece, tem negacionista formado em faculdade, com título de médico, mestrado, doutorado e até PhD. 
    Rúlio: Tudo um bando de filhos da puta com títulos acadêmicos que só pensam em encher o cu de grana enganando imbecis! E sim, gente importante importante como Darwin, que afirmava a Evolução, Newton sobre a gravidade, Einstein com a relatividade e muitos outros contribuíram demais para o progresso humano e assim, contribuíram e muito para que a humanidade um dia deixe de ser mera andarilha errante pelo Universo. Mas, ainda sim, ela continua andarilha e pior, indigente diante de si mesma!
    Hoca: sinto dizer, mas diante de tantos fatos apontados por nós antes, parece que a humanidade nunca deixará de ser andarilha e errante do Universo, 'se' sobreviver a si mesma, à fome de mais e mais que nunca se sacia, ao saco sem fundo do vazio da alma, nos séculos e milênios vindouros. Pelo menos, graças aos grandes nomes da humanidade, Cientistas e Pensadores, é que podemos tratar de tais coisas em praça pública sem correr o risco de sermos enforcados ou queimados vivos!
    Rúlio: de fato! E nem sermos condenados ao castigo eterno pelo Deus dos crentelhões!
    Hoca: você que pensa, na verdade, ainda somos fuzilados pelos olhares dos ditos cristãos e metralhados com com suas energias de ódio e desumanidade cada vez que olham para nós, como se fôssemos pessoas do mal, pessoas que deveriam ser exterminadas. É absurdo pensar, mas de onde essa gente que se diz 'de bem' tira tanta mentira, tanto ódio, tanto ressentimento, rancor, canalhice, maldade, crueldade, sadismo? E é esse  tipo de gente que se encontrará no Paraíso? Se for, tô fora, prefiro ficar vagando pela eternidade!
    Rúlio: desde a Grécia antiga dizem que o inferno é um conglomerado de abismos. Vai ver, a alma podre de muitos desses que se dizem 'gente de bem' é semelhante a uma das latrinas de um dos abismos do inferno! Agora, quanto aos que dizem que tais tipos irão para o Paraíso depois de fazerem o Diabo na Terra, digo-lhe, no Paraíso não sei, mas sabemos que com as explorações espaciais, por tudo o que vemos nesse mundo, a julgar pelo negacionista da vacina Elon Musk, por exemplo, parece que o pior da humanidade, que só pensa em lucro, riqueza, Ter, Possuir, Consumir, Destruir, Escravizar, é que colonizará os novos mundos, se a humanidade um dia conseguir fazer isso, de fato. Os podres de ricos e podres de alma, como o Musk, é que terão espaço VIP nas grandes estações espaciais, nas Colônias. As pessoas muito 'idiotamente', acham que apenas cientistas e especialistas habitarão tais novos mundos. Não, senhor, esses serão apenas buchas de canhão, operários, construtores, mas quando a coisa toda estiver estruturada, bonita, habitável, quem você acha que habitará esses lugares? Os pobres miseráveis do mundo como nós? O povão? Não senhor. Nós e o povão vamos apodrecer numa Terra transformada num grande lixão radioativo. Essa que é a verdade. Talvez, seja esse o preço para se avançar quanto à Ciência, sobretudo, na busca por respostas em relação à grandeza do Universo e do Cosmos. Digo, talvez, a Terra virar um grande lixão à céu aberto, com 99% da população mundial sendo aniquilada lentamente, talvez, seja esse o preço a ser pago para que a humanidade avance.
    Hoca: até onde isso pode ser chamado de Evolução? Negar esse mundo e destruí-lo em troca de mais riqueza, poder e tecnologia para ir adiante pelo espaço sideral? Avançar a qualquer preço, ao custo de bilhões de vidas humanas, é esse o significado de Evoluir? Se as pessoas amassem a Vida de verdade, pensassem mais em Deus e na Espiritualidade, sem religiopatia e fanatismo, talvez a humanidade evoluísse muito mais e melhor e assim avançasse muito mais rápido em tecnologia, ciência e filosofia, em todas as áreas enfim, e de mãos dadas, protegendo o Planeta e todas as formas de vida que aqui estão, ao colonizar outros mundos, a humanidade levaria o melhor da humanidade e não o pior dela, como é que estamos a ver.
    Rúlio: Carl Sagan também acreditava que se a humanidade Coexistisse pacificamente e entendesse a importância de evoluir protegendo a Terra e todas as formas de vida, alcançaria a grandeza sideral muito mais facilmente. Mas, isso tudo soa como uma grande utopia, não é?
    Hoca: talvez.
    Rúlio: não é talvez, é isso mesmo. Certamente, esse mundo poderia ser muito melhor, se todos dessem as mãos em prol de melhorá-lo de verdade. E, certamente, em sendo a humanidade melhor e esse mundo melhor, estaríamos muito mais avançados na exploração espacial, bem como na melhoria de vida de todos aqui nessa 'Bola Azul'. Mas, o que prevalece é o 'venha a mim o vosso reino e foda-se os outros'. Cada um só pensa em si mesmo. 'O homem ainda é Lobo do homem numa guerra de todos contra todos', como diria o velho Thomas Hobbes. Tudo poderia ser muito melhor de fato, mas não é e nunca será. 1% dos humanos (já podres de ricos) que acumulam 99% das riquezas da Terra, que poderiam fazer isso acontecer junto de governos e lideranças comunitárias em cada uma das cidades do Planeta, na real, só pensam em encher ainda mais o cu de dinheiro e Poder. 98% (ou a esmagadora maioria) da humanidade é burra para caralho e 1%, talvez consciente, mais ou menos desperto, se vê impotente e passa mil e uma raivas, tristezas e desilusões diante de tamanha massa de imbecis e idiotas que perambulam pelo Planeta. Muitos imbecis, inclusive, endeusam, idolatram e defendem com unhas e dentes os desgraçados que desgraçam suas vidas e o Planeta.

"Poderia ser aquilo se não fosse apenas isso".

    Além da imbecilidade reinante, tem o dito cujo apego doentio às coisas materiais como forma equivocada de realização e de felicidade onde a maioria da humanidade tenta preencher o saco sem fundo do vazio da alma com coisas, poder, dinheiro, priorizando o ter, o possuir, o consumir escancarando uma fome tenebrosa de cada vez querer mais. Essa fome doentia da alma é que destruirá a humanidade um dia. A maioria da humanidade, que já é historicamente alienada, agora está em avançado estágio de gadização, brutalização, idiotização e desumanização, num claro processo de 'Humanidade Zero', impulsionado pelas Redes Umbrais Sociais. O mundo desaba enquanto as pessoas rebolam e fazem dancinhas nas redes lixos sociais. Redes essas que visam deixar o povão no mundo todo cada vez mais 'lelé' e 'distraído' o maior tempo possível, a fim de que este seja totalmente incapaz de raciocinar direito e, principalmente, incapaz de reagir contra as injustiças e até contra a pior miséria, sendo, portanto, facilmente manipulado e direcionado como o gado que é manejado, confinado, tratado e controlado sob medida para o abate. Esse mundo poderia ser melhor. Mas não querem que seja e, por esse motivo, nunca será. Então, o que será levado para outros Planetas, se um dia isso de fato acontecer, diante do que aí está, é a latrina da humanidade, o apego doentio às coisas materiais, o pensamento auto-destrutivo descrito por Hobbes do 'homem lobo do homem em uma guerra contínua de todos contra todos', a fome macabra e doentia de sempre querer mais para preencher o saco sem fundo do vazio da alma, o pensamento de 'tudo para uns poucos, nada para muitos'. É isso que é e sempre será até o fim da tragicomédia chamada humanidade. Com Cristovão Colombo foi assim, e será novamente, 'na segunda vinda de Colombo', com o próximo grande descobridor e explorador de novos mundos.
    Hoca: o tal do Rousseau, aquele que abandonou os próprios filhos e escreveu seu 'grande livro' falando como educar crianças, apesar do grande babaca que foi, até que não estava errado quando disse: “O primeiro homem que, havendo cercado um pedaço de terra, disse “isso é meu”, e encontrou pessoas tolas o suficiente para acreditarem nas suas palavras, este homem foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassínios, de quantos horrores e misérias não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando os marcos, ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: Livrem-se de escutar esse impostor; pois estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!”. Concordo com ele, nesse ponto, e digo mais: 'maldito foi o primeiro humano que se apegou às coisas materiais e achou que aquela postura doentia era uma atitude linda de ser ver, muito inteligente! E piores foram os que não se levantaram contra isso! Bando de idiotas! Imagina a idiotice do ser humano dar valor absurdo a uma rocha que chama de Ouro? E o bando de idiotas da grande massa concorda com um absurdo desses e pior, mata e morre por uma coisa dessas?! Não é uma tragicomédia tremendamente absurda isso tudo?
    Rúlio: novamente, meu caro, a maioria esmagadora da humanidade sempre foi burra pra cacete e incapaz de reagir contra os piores abusos criminosos, contra as piores injustiças e até mesmo contra a mais macabra miséria. O máximo que a grande massa faz, influenciada por espertalhões, por estelionatários da fé, agitadores profissionais, pela mídia, politicopatas, corruptopatas e outros tipos que tencionam o Poder e as mil e uma mamatas do sistema podre e corrupto, é, de vez em quando, uma arruaça aqui e outra baderna acolá, servindo como massa de manobra, para legitimar novos velhos babacas no Poder. Foi assim desde antes da Revolução Francesa e continua sendo até hoje. E agora, nessa era, com as redes sociais idiotizando a humanidade por completo, com o povão rebolando e dançando enquanto é roubado pelos políticos politicopatas, ricos corruptopatas e o Planeta vai pro beleléu, piorou de vez, danou-se, já era, pode pendurar as chuteiras. Se depender do povão, a bomba nuclear estará caindo em sua cabeça e ele fará uma dancinha ou dará uma reboladinha antes do fim.
    Hoca: maldito apego, maldita burrice humana transformando a Terra num inferno! As pessoas vendem ou penhoram as suas almas cada vez mais quando querem comprar uma coisa. O amontoamento e o consumismo absurdo é chamado de Poder! As pessoas fazem de tudo para consumir mais e mais, comprar mais e mais, muitas vezes nem tendo dinheiro o suficiente como é o caso do povão no mundo todo e, na maioria das vezes, compram coisas que nem precisam, porque acreditam que Ter é Poder. 'O vizinho tem, eu também quero ter'. Vivemos na sociedade gadizada mergulhada na ilusão do Ter como Poder.
    
    Ter é Ser e Ser é Ter.
    Se não Tem, não É.
    E se não É, não Tem.
    Ser é Ter e Não-Ter é Não-Ser.
    
    Rúlio: e por isso, meu amigo, para essa sociedade bovina do Ter, nós somos dois nada falantes!
    Hoca: Abre-te, sésamo abre cadabra! Mas, abre cadabra não abre-te,  Sésamo!
    Rúlio: boa! Nós inventamos o mundo no qual vivemos. De quebra, ainda tivemos a insana imaginação para inventar 'o outro mundo'. Mas, não tivemos e talvez nunca tenhamos o humanismo e o desapego suficientes para tornar esse mundo um lugar melhor para todos. E convenhamos, somos meros mendigos em final de carreira,  ou seja, nem que ganhássemos milhões na loteria conseguiríamos fazer alguma coisa com o pouco tempo que nos resta nessa vida, não é?
    Hoca: será? Há espiritualistas sérios que dizem que enquanto falamos aqui nesse plano da realidade cósmica, há sempre uma multidão de Seres, Espíritos, pessoas que já se foram mas que ainda estão no véu entre esse mundo e o mundo além de fato, e até mesmo pessoas 'vivas' que ainda não se foram, mas que estão em outros lugares desse mundo, cada um num nível de evolução e compreensão da vida, em cenários diferentes, nessa mesma realidade, sozinhos ou juntos, sintonizadas, como num rádio, ouvindo, aprendendo ou até mesmo vendo, assistindo nós falarmos, e, pasmem, como há pessoas levando a sério e prestando atenção no que falamos, como se fosse uma palestra, também há os engraçadões que fazem piadas do que falamos, pensamos, sentimos, desejamos, como a turma do fundão na escola.
    Rúlio ri: esperemos que não sejamos motivos de piada até no além então! Porque, aí sim seria uma grande tragicomédia!
    Hoca também ri e diz: verdade! Seria cômico! Mas, se existir mesmo a possibilidade de uma transcomunicação supra-natural, nossas palavras não são totalmente inúteis e não estão totalmente perdidas.
    Rúlio: sem entrar no mérito de crenças e abobrinhas espiritualistas, esse lance de transcomunicação mental já é estudado há um bom tempo em alguns lugares do mundo, claro, com outros nomes e sob sigilo, às sete chaves. Imagina a possibilidade de se comunicar mentalmente com outras pessoas em outras partes do Planeta? E agora, imagina a possibilidade de se comunicar mentalmente, ou ao menos sintonizar a sua mente com a mente de outros Seres em um recanto distante do Sistema Solar, da Galáxia, desse Universo ou de outros Universos? Numa Transcomunicação Interdimensional Interestelar?
    Hoca: ué? Se há possibilidade de uma comunicação assim entre seres de Planetas, Galáxias e Universos diferentes, por que raios não se poderia comunicar com os Seres, os Espíritos do além, do outro mundo?
    Rúlio: olha, vejo com muita cautela e reserva esse papo de além e de 'outro mundo'. Mas se o que você chama de além, outro mundo, for apenas uma extensão desse mundo, algo supernatural e não sobrenatural como é entendido pelos espiritualistas, mas apenas um nível diferente da matéria, um nível distinto da mesma Vida que há em toda a imensidão Cósmica, aí posso concordar que, em sendo possível uma Transcomunicação Interdimensional Interestelar, ela também possa ser feita com os assim chamados 'mortos', 'espíritos', 'seres do além' ou os chame do quiser.
    Hoca: quando a conversa é boa, surgem fatos e teorias de todos os tipos, não é?
    Rúlio: é, mas a tarde já está se indo e a noite vem chegando. Onde dormirá?
    Hoca: talvez aqui mesmo, pela praça, está uma noite agradável, nem muito frio, nem muito quente. E tu?
    Rúlio: pois também dormirei por aqui então. Assim podemos conversar até desabar no sono.
    Hoca: perfeito!
    Rúlio: mas, antes de todo esse papo de Transcomunicação, falávamos do desapego e...
    Hoca: do que podemos fazer para esse mundo ser melhor.
    Rúlio: ah sim, como se pudéssemos e tivéssemos tempo para isso.
    Hoca: qual é a nossa necessidade?  Do que precisamos para nos sentir realizados como humanos? O que necessitamos de verdade? Porque as pessoas matam umas às outras? Por que as Nações se acabam em conflitos estúpidos? Qual é o motivo de tanto ódio, tanta mágoa, tanto ressentimento, tanta divisão, tanta idiotice, ignorância e maldade?
    Rúlio: seria o amor ou a falta dele? A paz ou a falta dela? Deus ou a ausência dele? As religiões religiopatas?
    Hoca: o apego doentio às coisas materiais. Logo, o desapego é o remédio amargo mas necessário para que a humanidade seja recolocada no caminho da evolução, de fato. Do contrário, sem desapego, tudo estará irremediavelmente perdido.
    Rúlio: então, meu amigo, senta e espera sentado, porque a humanidade viciada no tipo de vida que leva, apegada de maneira doentia às coisas, poder, dinheiro, ter, possuir, consumir, em acelerado processo de idiotização e desumanização, que rebola e dança nas redes umbrais sociais enquanto o Planeta vai pro vinagre, é destruído, jamais desapegará de nada. A tendência é se afundar cada vez mais nesse apego doentio, comer mais, beber mais, querer mais, desejar mais, fazer mais merda por mais coisas, dinheiro, poder e Ter, até que isso aqui vire um inferno total. Além do mais, tomemos nosso semancol, somos apenas dois velhos andarilhos errantes sem meios e sem tempo para mais nada. Além disso, como já falamos antes, o povão não está nem aí para nada, os que podem fazer algo não querem nada com nada, enfim, e portanto, até mesmo os do além e do aquém, riem de nós, como os que riram de Nietzsche quando anunciou o 'além do homem, o além da humanidade'.
    Hoca: a juventude pode ser a nossa última esperança, nesse caso.
    Rúlio: então, meu amigo, se a juventude que aí está é a nossa última chance, nossa última esperança, então estamos perdidos e já podemos deitar no caixão e pedir que nos enterrem!
    Hoca: que fatalismo!
    Rúlio: minto?
    Hoca: não, pior que não mente.
    Rúlio:  talvez, ainda houvesse alguma última chance para esse mundo, mas...
    Hoca: e o que seria?
    Rúlio: as crianças. Mas as crianças do mundo todo estão abandonadas ou também inseridas no processo medonho de desumanização, de 'humanidade zero'. As crianças poderiam ser a chance da Grande Revolução Realista, se a humanidade, em sua maioria, não fosse tão estúpida e cretina. A humanidade se comporta como o Rousseau, que abandonou os próprios filhos ao 'Deus dará' e depois esperou educar as crianças, pretendendo que elas, abandonadas e violentadas, fossem melhores quando adultas.
    Hoca: entendo. Pior do que colocar uma criança no mundo e não cuidar dela, é criá-la e educá-la segundo as nossas crenças, conceitos e preconceitos.
    Rúlio: muitas crianças e jovens são abandonados dentro da própria casa, dentro da própria família! Entre o abandonados dentro da própria família estão os que contrariam o anacronismo dos pais, especialmente, os que se apelidam de conservadores. Tais tipos de pais, na maioria das vezes, fazem o diabo, pregam uma coisa mas fazem outra dando os piores exemplos. Muitos pais, de fato, pregam moral e religiosidade e na real fazem coisas que até o diabo duvida na sociedade e, principalmente, dentro de casa, na frente dos filhos, muitas vezes contra os próprios filhos e, numa postura medonha de sociopatas ou psicopatas, tais pais exigem que os filhos sigam a mesma vida de mentiras e enganações com foto de família feliz.
    Hoca: já diz o ditado: penso que só porque se tem o mesmo sangue, não significa que é família de fato. Durante essa vida nas ruas pelo mundo, conheci pessoas estranhas que foram mais família que a família de sangue.
    Rúlio: sim!
    Hoca: mas avancemos em nossa conversa já que a noite começa a cair.
    Rúlio: olha, amigo, já velhos e cansados de uma vida vazia de sentido, uma vida de embates triviais, de lutas idiotas, de buscas e desilusões sem fim, o que vemos no final? Um Planeta sob risco de ser destruído por uma humanidade sentada sobre milhares de armas nucleares, e que está a cada dia mais idiotizada e desumanizada. Falsidade, injustiça, violência, canalhice, apego doentio às coisas, consumismo sem freio e todo o tipo de maldade por toda a parte.  E nós, os raros, somos meras velas a iluminar a escuridão. Quanto mais iluminamos mais perto do fim estamos.
    Hoca: tem razão! Ainda somos meros Andarilhos Errantes do Universo, sem lugar, sem respostas, com muitas perguntas, com muitas dúvidas. A dificuldade da busca, numa vida de exames como diria o Sócrates, faz muitos crentes ou céticos, otimistas ou pessimistas, alguns loucos e outros nem uma, nem outra coisa.
    Rúlio: para mim, meu amigo, nada tirará a humanidade dessa condição de errância na Imensidão do Cosmos. Sobretudo, a humanidade, pelo menos a sua esmagadora maioria, sempre será o animal falante que não usa direito as ferramentas que inventa. Mas, tanto faz! Uma vez que tudo vai acabar um dia e que a humanidade, tal como os Dinossauros será varrida da face do Universo, não há mais nenhum sentido buscar algo além disso, dessa vida. Por isso digo que só o que eu tenho é o Agora. O Depois, ninguém sabe! Agora, estou, assim, aqui. Depois, quem poderá dizer?
    Hoca: pois olha, eu também vivo o Agora, vivo esse momento. Mas acredito no amanhã! Vivo intensamente esse Agora, para que em outro amanhã, se ele chegar, eu viva um outro agora, mais perfeito ainda, mesmo com todas as dificuldades, mesmo com todas as injustiças do mundo, eu rirei mesmo se chorar e viverei intensamente. Esse mundo humano é trágico de fato e um lamaçal, mas é um lamaçal onde me banhei muitas vezes, algumas vezes com gosto e outras vezes sem gostar. Não sei o que vai acontecer no fim, mas espero que acabe tudo bem. Ainda tenho fé que a humanidade ainda acordará e unida se libertará deste estado de animalidade e de errância, finalmente, sabendo o que quer e para onde vai, aproximando-se do Deus dos deuses de todos os tempos.
    Rúlio: pronto! Agora deram-se as mãos a tragédia e a comédia.
    Hoca: que seja!
    Rúlio: obviamente respeito o seu otimismo e a sua utopia. Mas, digo-lhe, amigo, nesse Agora eu sonho! Quem me dera poder sonhar Amanhã e sobre o Amanhã e o depois do Amanhã! Tudo isso me soa tragicômico. O que sonho agora? Com a Ciência, com a evolução dela, sendo a ferramenta mais útil ou pelo menos, menos inútil das ferramentas já inventadas, capaz de ajudar a humanidade a se re-humanizar e encontrar as respostas que tanto procura sobre a Imensidão Cósmica, a Incomensurabilidade da Vida e Inefabilidade da Existência. A Ciência, para que a humanidade errante  evolua, se conheça a fundo, viaje pelo Universo, com ou sem Deus, tanto faz!
    Hoca: incerteza. O Ser humano precisa evoluir, sobretudo, ser forte para existir na incerteza do depois!
    Rúlio: tudo o que é, é Agora. Depois, nada é. Duvido, embora haja muitas teorias e crenças, umas até respeitáveis e apaixonantes, que exista alguma coisa para além de toda essa tragicomédia que é a vida humana nessa Terra e duvido muito que haja alguém capaz de o saber.
    Hoca: pois, já que ninguém tem nenhuma resposta absoluta e certa sobre nada e que cada um parece ter capacidade para inventar algo, creio que nos próximos séculos, até 2.300, todos serão o que sempre foram, uns inventores de ilusões, outros crentes, alguns céticos, muitos inquisidores e raríssimos inquiridores. Uns continuarão sendo padres, pastores, reverendos, doutores, outros serão pensadores, alguns serão loucos. Muitos pensarão, alguns falarão mas poucos farão. Raríssimos e pouquíssimos terão consciência do que pensam, falam e fazem, sobretudo, do que querem e buscam na vida enquanto indivíduos e como humanidade. Quanto a nós, Rúlio, seguimos sendo o que sempre fomos, Andarilhos Errantes do Universo, viajantes da Vida!
    Rúlio ri e diz: sabe, Hoca, acho que vou para as montanhas.
    Hoca: quanto a mim, seguirei andando por esse mundo, até onde essas pernas aguentarem. Depois, quando a Dama de Preto estiver próxima, vou fazer como os cães e os gatos que, ao sentirem o fim, se retiram para um cantinho para partir. Assim, vou me retirar para um cantinho na floresta, onde meu corpo físico não atrapalhe e não incomode ninguém, deitarei e o deixarei lá, com muito respeito e gratidão. Então, sem meu corpo físico, seguirei Andarilho Errante pelo outro mundo, conhecendo e aprendendo o máximo que puder.
    Rúlio: parece bom amigo, mas sabe-se que tudo isso de 'outro mundo', pode ser mera enganação do cérebro no estertor da morte. Ajmal Zemmar e seus colegas cientistas, disseram que, por acaso, descobriram durante investigações sobre reações cerebrais que tudo pode não passar de meras 'memórias que tivemos na vida, as quais são reprisadas por nosso cérebro nos últimos segundos antes de morrermos'. __3
    Hoca sorri e diz: tudo é um risco, acreditar em uma vida melhor, sobretudo, numa vida melhor além da morte é um risco, afinal, podemos nos decepcionar muito caso nada mais exista, muito embora não estaremos lá para nos decepcionar. Mas prefiro correr esse risco, meu amigo. Do útero ao túmulo e além, tudo tem um risco atrelado a causas e consequências. Existir é um risco. Alguém já disse que a força que faz esse Universo, esse Mundo, e todos os mundos possíveis existirem e se movimentarem é a mesma força que faz o nosso coração bater. Ou seja, quando uma Estrela explode a bilhões de anos-luz e vários Mundos acabam, quando alguém em algum canto desse Planeta sofre ou sorri, a energia e a força que os envolve são parte da mesma coisa que nos envolve. Sentir isso, já é um risco. Mas, já está alta a noite. Não quero pensar demais senão não durmo. Vou me deitar no gramado ao lado da igreja, vens?
    Rúlio: vamos!
    Rúlio e Hoca deitam na grama ao lado da igreja, junto de uns cães que ali já estavam cochilando.
    Hoca diz: quando jovem desejei fazer algo que achava importante.
    Rúlio: ter um filho?
    Hoca: mais importante do que isso, escrever um livro falando de coisas difíceis de maneira simples para todos entenderem.
    Rúlio: sobre o que seria?
    Hoca: pensei em escrever uma história cômica baseada em fatos reais das vidas de um Filósofo e um Religioso que viraram andarilhos.
    Então, os dois riram distraidamente. Eram homens diferentes, com ideias opostas e com histórias de vida construídas por caminhos igualmente tortuosos, mas, mesmo assim, eram capazes de coexistir e compartilhar daquele momento da vida, mergulhados na incerteza da existência diante da imensidão aterradora de um Universo inalcançado.

Parte 12, final: "Nota do futuro -  ou introdução à Teoria Zero" 


    O que é a vida humana? Um milésimo de distração, num segundo de ironia, dum minuto da existência, pensava Rúlio em sua mente, um dia depois de se despedir de Hoca que fora fazer sua última caminhada pelo mundo.
    Ao cruzar a rua, na vitrine da velha banca, uma revista sobre filosofia e ciência, com o título: 'A Era do Homo Intergalacticus - Da mesma forma que suplantou o Homo Neanderthalensis, o Homo Sapiens foi superado pelo Homo Technologicus. Essa transcendência que levou milhares de anos, fez surgir a novíssima humanidade no futuro'.
    Rúlio ficou embasbacado com a teoria futurista, como se tivesse sido jogado no ano de 2.300! Assim, usando seus últimos dinheiros, comprou a revista, sentou-se no meio fio e leu o texto que dizia: [...]  "Nota do futuro -  ou introdução à Teoria Zero" - O Homo Sapiens exterminou o Homo Neanderthalensis e evoluiu, de maneira desigual, dentro das regras de uma evolução cega e descontrolada. Dentro dos bilhões de Homo Sapiens, uma fração do Homo Sapiens usou da força, da inteligência, da frieza, da loucura e, beirando à total psicopatia e sociopatia, essa fração evoluiu muito mais e explorando, através de uma espécie de servidão com lavagem cerebral, os outros bilhões de homo sapiens abaixo de si e o Planeta, ela obteve, com muita destruição, poluição, mortes e todo tipo de tragédias, todas as riquezas e o Poder necessários para desenvolver a Ciência e a Tecnologia, a fim de obter um vasto conhecimento da Terra, do Universo e do potencial da espécie humana. Assim, controlando as riquezas e os meios de produção das riquezas na Terra, essa fração do Homo Sapiens, menos de 1% dos humanos que detém 99% das riqueza da Terra, ficou obscenamente rica e poderosa, suplantando a maioria dos Homo Sapiens, os bilhões de humanos abaixo de si, classificados então como cidadãos de segunda e terceira categoria. Porém, ao longo de quase um século, essa fração poderosa do Homo Sapiens se perdeu no labirinto do apego doentio às coisas materiais, e com a fome de ter mais e mais, sobretudo, com suas ações nefastas, levou os bilhões de seres humanos, Homo Sapiens, abaixo de si, por uma insana e hedionda necessidade de controle, ao estágio final de Humanidade Zero, à idiotização, brutalização e desumanização completas. Sua ganância criminosa e hedionda fez com que a mega bolha do abismo social de injustiças, misérias e abusos criminosos explodisse levando violência brutal, caos e morte, gradativamente, por toda a Terra. Contudo, nesse ínterim, uma outra fração do Homo Sapiens, dentro do alto círculo de poder, pensadora e científica, se mostrou mais fria, lógica, calculista, extremamente racional, decidida e suplantou a fração do Homo Sapiens que detinha o poder capital sobre a Terra. Dali em diante, essa outra fração, suplantou, organizou e controlou os demais bilhões de humanos com guerras, pandemias, controle de natalidade e outras artimanhas estratégicas de controle social e mental. Essa fração, friamente e radicalmente racional, doravante chamada de "A Nova Humanidade" ou "A Evolução da Humanidade", o "Homo Technologicus", que continua sendo 'menos de 1% dos humanos que detém o Poder capital e que controlam tudo e todos, inclusive a eugenia e a evolução no Planeta Terra, evolui mais rapidamente ainda, porém, está claro, pelo andar da carruagem evolutiva, que será apenas uma ponte, uma parte para "A segunda vinda de Colombo", o limiar dos novos exploradores de mundos que rumarão ao desconhecido, a novíssima humanidade de fato, talvez Re-humanizada. Essa novíssima fase evolutiva da humanidade se chamará, no futuro, Homo Intergalacticus, consciente de que diante da Imensidão Cósmica Interestelar, da Incomensurabilidade da Vida e da Inefabilidade da Existência, por mais evoluída que seja uma parte, uma fração da humanidade, é apenas uma mera partícula de poeira cósmica pensante, animais falantes e pensantes, cujo conhecimento, por mais grandioso que pareça na Terra, ainda é infinitamente pequeno e limitado diante da Imensidão Existencial Cósmica Interestelar. É à partir dessa novíssima humanidade, o Homo Intergalacticus, fruto de uma evolução que não é mais cega e descontrolada, consciente de sua pequenez no Cosmos e sedenta por conhecimento, que a humanidade será Re-humanizada de fato e a Terra será devidamente restaurada, reurbanizada e preservada como o berço da novíssima humanidade, que doravante será exploradora e conquistadora de novos mundos pelo Cosmos, em contínua revolução e evolução, rumo ao Desconhecido dos desconhecidos.
    Rúlio leu, olhou fixamente para o céu, depois para o outro lado da rua e visualizando um catador de papelão com sua carrocinha, duas crianças em cima e quatro cachorros acompanhando o homem, riu-se silenciosa e ironicamente, e disse: do jeito que vai, até a humanidade chegar ao Homo Intergalacticus, não existirá mais humanidade na humanidade. Então, levantou-se e foi para as montanhas como havia dito a Hoca…

Adendo ao livro Andarilhos Errantes

O que é o processo de 'Humanidade Zero?'

    O processo Humanidade Zero é ao cabo, um processo de controle social que visa a submissão total da humanidade, em sua esmagadora maioria, através do gradativo processo de idiotização, brutalização, gadização, desumanização, ora acelerado pelas Redes Umbrais Sociais e sua algoritmia do caos, onde tudo, principalmente, desinformação, fake news, ódio, brutalização, idiotice e desumanização viram dinheiro, muito dinheiro e ações nas bolsas de valores pelo mundo.
    Parece que o objetivo final dos que comandam tal empreitada, os mega ricaços que compõem o 1% dos humanos que detém 99% das riquezas da Terra, que são de fato os que mandam nos governos/regimes/partidos/sistemas políticos, instituições de poder, corporações, offshore, bancos, TV´s, mídias e máfias em geral e, principalmente, agora, nas Redes Umbrais Sociais, é o controle total da população da Terra pela idiotização, ao mesmo tempo, em que 'sugam', exploram a Terra ao máximo, em busca de mais riquezas e dos minérios necessários para o desenvolvimento da tecnologia para a criação/construção de uma espécie de Elysium, um lugar VIP fora da  Terra, (sim, eles querem ser vistos como deuses, seres divinos, além da humanidade) bem como, a exploração e colonização de outros Planetas.
    Esse seleto grupo de Homo Sapiens mega endinheirados, brutalmente frios e racionais, mas também viciados em poder e dinheiro, já percebeu há tempos que a vida na Terra tem prazo de validade, e que, para estender a vida no Planeta, se faz urgente a diminuição de sua população para que o suporte de vida seja garantido o máximo de tempo possível.
    Para esses sapiens mega endinheirados, não há outra forma de explorar ao máximo as riquezas e os meios para a nova tecnologia espacial, reduzir a população planetária, controlá-la e torná-la inteiramente submissa, sem idiotizá-la e desumanizá-la ao ponto desta nem perceber mais o que está acontecendo diante do próprio nariz. E nesse aspecto, claramente, se vê, que eles estão conseguindo atingir tal escopo tenebroso através das redes umbrais sociais, do conluio com politicopatas, corruptopatas, religiopatas, sub-celebridades, influencers, e outros estelionatários da vida, escravocratas de mentes e almas.
    Contudo, esse é um processo a médio prazo, cuja parte final, de idiotização massiva, deve levar mais uns 20 a 30 anos. Após a humanidade, em sua maioria, atingir o nível máximo de idiotização e desumanização, tornando-se incapaz de reagir a nada, nem mesmo contra a pior injustiça e miséria, sendo, portanto, totalmente submissa, controlada, então, passarão à parte final de fato, que é a exploração total dos recursos da Terra e a construção do 'Elysium', a área VIP, e a exploração do universo, de fato. Infelizmente, dadas às circunstâncias, esse processo parece inevitável.

Do Neanderthalensis ao Homo Sapiens, do Homo Sapiens ao Homo Technologicus, do Homo Technologicus ao Homo Intergalacticus, do Homo Intergalacticus ao Homo Cosmicus

    Alguns acreditam que assim como o Sapiens detonou o Neanderthal, uma fração do Sapiens (1% dos que detém 99% das riquezas da Terra, e que querem loucamente serem vistos como deuses, divinos, além da humanidade) tornará submissa a maioria dos bilhões de sapiens da Terra (coisa que já ocorre). Com efeito, ocorre que o Sapiens 'endinheirado', preso às coisas materiais e à Terra, não tem, talvez por questões evolutivas, nem filosófica nem cientificamente, a visão de 'grandeza universal', de exploração espacial e do potencial máximo como espécie em evolução.
    Caberá então ao seu sucessor na escala evolutiva, o Homo Technologicus dar cabo disso e iniciar o processo de exploração espacial e do potencial máximo da espécie, incluindo aí eugenia e o controle da evolução, o que significa que se manterá, por necessidade de sobrevivência e melhoramento da espécie, uma fração reduzida (milhões talvez bilhões de indivíduos) de sapiens na Terra, 'suando a camisa, sendo explorados, na miséria, em condições de idiotização, desumanização, escravidão e rígido controle de tudo, especialmente, de natalidade, para bancar a nova aventura do Homo Technologicus pelo espaço sideral'.
    'Nada é de graça, tudo tem um preço', dirão os radicais racionais defensores frios da evolução máxima da espécie a qualquer custo.

    Sim, mas a que custo?

    O custo será o fim da humanidade como a conhecemos, pelas mãos da própria humanidade ao longo de mais de um século.
    "Não há como fazer um 'plebiscito mundial' e perguntar ao povo de toda a Terra se ele concorda com isso tudo, especialmente, em explorar a Terra e todos seus recursos para sair dela e conquistar outros mundos", dirão alguns.
E mais:
    "Talvez esse caminho de controle social total, pela força, seja o único caminho, já que é impossível salvar todos os 8 bilhões de seres humanos, muito menos conscientizá-los sobre a sobrevivência da espécie, a necessidade da evolução máxima da espécie e a urgente necessidade da exploração do espaço sideral. A humanidade, em sua maioria, isto é, o povão, é, por uma questão claramente evolutiva, (ainda é meio Neanderthal), incapaz de assimilar e muito menos compreender tais propósitos maiores. Por isso, por mais frio, radical, ruim e até hediondo que pareça a alguns sentimentalistas, o controle social total da grande massa, especialmente através da idiotização que poderá levar, em mais de um século, à perda da própria identidade como humanidade, isto é, a desumanização, é o meio mais 'humano' de se atingir tais objetivos maiores em prol da salvação da espécie", asseverarão outros.
    Grandes nomes da humanidade geral, como Carl Sagan e Stephen Hawking, acreditavam (reconheço que é meio utópico isso) que era possível que a humanidade num todo, a grande massa, entendesse tais urgentes necessidades de sobrevivência da espécie, especialmente, a exploração e a colonização de outros Planetas, e trabalhasse 'em equipe'. Para eles, a coexistência pacífica e o trabalho conjunto poderia levar a humanidade de um modo geral, a preservar a Terra de verdade e ainda atingir seus objetivos no espaço sideral, levando para esses outros mundos colonizados o que há de melhor na humanidade, a amabilidade e a empatia e não o pior lado, o lado da ganância, da cobiça, da fome de mais e mais, num processo colonizatório predatório, similar o que ocorreu na América do Sul, especialmente, onde o escopo de fato era, sob a desculpa esfarrapada de civilizar, ocupar, exterminar, explorar, povoar, conquistar, dominar, escravizar e destruir.
    Parece claro, óbvio e ululante que se a humanidade levar para outros mundos essa mentalidade fria, radicalmente racional e predatória, visando, muito mais que a sobrevivência e a evolução da espécie, obter riqueza infinita, irá se auto-exterminar muito antes do que se imagina.
    Talvez, por isso, a crença de muitos teóricos de que após um longo período de conturbações e caos gerados pela guerra evolutiva de supremacia, especialmente, uma guerra de DNA, entre o Homo Sapiens e o Homo Technologicus, após a redução drástica, e aparentemente, inevitável, da população terrestre, num período muito após o início do ciclo histórico de exploração e colonização espacial, surgirá, em face da evolução da espécie, o Homo Intergalacticus.
    E como em todas as teorias e utopias humanas, crenças e esperanças religiosas, filosóficas e científicas, esperam, alguns, que o Homo Intergalacticus seja 'o redentor', o que restaurará a Terra e recolocará a humanidade em sua totalidade, ou que sobrar dela em todo esse processo ao longo de séculos, nos trilhos da evolução máxima e da exploração espacial, objetivos principais da espécie humana e que, ao final, o próprio Homo Intergalacticus e tudo que ele fez, servirão com 'o meio' para a ascensão do Homo Cosmicus, o qual terá, enfim, individualmente e coletivamente, a consciência clara de que, 'somos muitos e um só', diante da imensidão cósmica interestelar, da incomensurabilidade da vida e da inefabilidade da existência, meras partículas de poeira cósmica pensantes ou animais falantes, pensantes e filosofantes, num esforço hercúleo que ultrapassa a própria humanidade, em busca de atingir o seu máximo potencial enquanto espécie na escala evolutiva cósmica interestelar e, assim, talvez, ter alguma resposta plausível para as mais elementares indagações: o que somos? De onde viemos? Para onde vamos? O que é isso tudo, a vida? Para quê serve tudo isso? Para quê tudo isso? Qual é o objetivo final de tudo?
 

Emerson___E-Kan

Filosofia Supra Realista, 2022




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Nota: Este texto foi escrito em maio do ano de 2007, mas em face das coisas da vida, só fui retomá-lo, reescrevê-lo e concluí-lo em 08/03/2022 às 01:02 numa Terça-feira, numa noite comum.
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NOTAS EXPLICATIVAS:
_1 sobre  Puta. In: Wikipédia https://pt.wikipedia.org/wiki/Puta_(mitologia)
_2 sobre Puto. In: Ciber Dúvidas https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/puto/3163
_3  sobre Ajmal Zemmar. Zemmas, junto de outros cientistas, publicaram estudo sobre 'as últimas memórias de um cérebro antes da morte', na revista científica Frontiers in Aging Neuroscience em 22/02/2022. A informação também foi noticiada pela BBC Brasil. In: https://www.bbc.com/portuguese/geral-60511033
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Dados sobre moradores de rua, cães e gatos de rua e outros temas nos link´s abaixo:
- Sobre pessoas sem teto e em situação de rua no Brasil e mundo/2021: https://sisejufe.org.br/noticias/no-brasil-mais-de-200-mil-pessoas-vivem-em-situacao-de-rua/
- Sobre dados anteriores a 2021: https://jornal.usp.br/atualidades/numero-de-moradores-de-rua-aumenta-mundialmente/
- Sobre cães abandonados pelas ruas no mundo todo: https://www.uol.com.br/nossa/colunas/coluna-do-veterinario/2021/03/11/abandono-de-animais-bate-recorde-na-pandemia-e-problema-nao-e-so-brasileiro.htm
- Brasil teria mais de 30 milhões de animais de rua: https://observatorio3setor.org.br/noticias/frio-cruel-30-milhoes-de-animais-vivem-nas-ruas-do-brasil/
- 1% acumula 99% das riquezas da Terra: https://realismologia.blogspot.com/2022/03/99-da-humanidade-controlada-por-menos.html
- Z1 -  frase de Hawking - https://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Vida/noticia/2015/09/15-frases-de-stephen-hawking-que-revelam-como-um-genio-pensa.html
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Sobre o autor do livro: https://linktr.ee/emersonXIIILC

Emerson Rodrigues,Filósofo Realista/Autodidata/Autor/Editor de Mídias, brasileiro, há 20 anos na estrada escrevendo de maneira livre e realista sobre Brasil, Povo, Mundo, Filosofia,  Realismo, Filosofia Realista e Supra Realista, Extrafísica e outras coisas. Tem 10 Livros Publicados de maneira independente (Vide mais abaixo). Emerson também assina como E-Kan, que é a abreviatura de Eghus Kaninnri. Para saber mais sobre o autor e ler diversos outros textos, vasculhe o blog: https://realismologia.blogspot.com/ - E-mail pessoal/direto: emersonlcxiii1983@gmail.com
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Lista de livros já oficialmente publicados:
- Andarilhos Errantes (2022)
- A.C.O -  Ampliação da Capacidade de Observação (2022)
- Lutando como um Leão pra não morrer como um Veado (2022)
- Do WikiLeaks a Lava Jato: a corrupção que mata (2022)
- João Thomaz e Panda: duas crônicas insólitas (2022)
- Teoria da Humanidade Zero (2021)
- As Redes Umbrais Sociais (2021)
- Como políticos politicopatas e corruptos corruptopatas roubam impunemente? (2020)
- Raul Seixas & a Filosofia. A arte de ser um maluco beleza (2019)
- Um Diabo que virou Mulher (2019)
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Sobre a capa do livro: imagem/internet/blogs e abaixo, "A evolução do Homem", de Octavio Ocampo Via WahooArt.
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Brasil, 26/5/2022-  09:07 (Última Revisão).
Este livro foi inicialmente publicado de maneira livre e independente, e divulgado para venda na Amazon e no Clube de Autores.




           Emerson 

E-Kan

2022

          Brasil

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